22 outubro 2006

Nosso Estado democrático de Direito

Então, você vai ao belogue do Hiro e encontra sua mensagem de 18/10/2006, especìficamente o comentário sobre a Universidade de Westminster. Então, você lhe responde e recebe dele isto aqui:

> No curso da Barbara perguntaram se alguem tinha alguma disability para que eles se preparassem melhor, dando mais tempo na prova etc. O que eles consideram disability: dislexia, DDA etc. :)

Detalhe é que *não se pode* fazer essa pergunta no Brasil, porque todos os alunos vão dizer que têm problema, só pra sidarbem. É o jeitinho. "É lógico que vou dizer que tenho problema, quem não diria? É uma chance de ganhar mais tempo pra estudar!"

É por causa de imbecis assim que o sistema brasileiro (especialmente o Poder Público) SEMPRE parte do pressuposto de que você esteja mentindo. Sempre é você quem tem que provar que não está armando. Tudo isso é INCONCEBÍVEL para os europeus, que pressupõem que você seja uma pessoa responsável, que não mente, que vai agir com boa fé diante dos outros etc. Eles CONFIAM nas pessoas, presumindo que você vá ter disciplina. Aqui, são vistos como otários, justamente porque confiam, e o que não vai faltar é gente querendo levar vantagem nisso. Aqui, o inconcebível é que uma pessoa possa confiar em outra, que alguém realmente só vá pegar UM jornal da máquina -- mesmo apesar de que ninguém teria o que fazer com os outros vinte, o negócio é pegar todos porque isso é uma forma de sidarbem. Um lado nunca vai entender o outro.

Porque aqui não há disciplina: o que há são apenas relações de poder, onde alguém, com o uso da força, impede que outro faça o que quer, NÃO IMPORTANDO SE QUALQUER DOS DOIS TEM RAZÃO. Não há direitos. Portanto, não há o Direito, nem o Estado democrático de Direito.

Ah, que !@#$% tudo isso. Que ódio.

Você vai dizer que isso não é totalmente verdade, que os europeus não têm tanta confiança assim, que realmente seriam otários se sempre confiassem tanto etc. Você tem razão. Isso que eu disse não é pra ser levado de modo radical. Na verdade, eu nem daria tratamento especial a quem tivesse alguma dessas disabilities (but then, tampouco sou educador, nem tenho experiência com escola senão como aluno). Mas com uma coisa você tem que concordar: realmente este é um País onde impera o jeitinho. Ninguém tem direitos. Nem mesmo quem é rico tem direitos. O que eles têm é poder, que exercem. Francamente, se eu tivesse poder em um lugar onde ninguém tem direitos, eu também o exerceria. Deixaria meus direitos (e o respeito aos dos outros) para um lugar onde eles existissem.

A realidade torna-se ainda mais esmagadora, ainda mais insuportável, quando me dou conta de que, o mais das vezes, o sistema brasileiro está certo no julgamento que faz das pessoas: infelizmente, mentem sempre que podem mê-ji-mo!

Como romper esse ciclo? Dizendo mais a verdade? Acreditando mais nos outros? Tenho uma proposta concreta: diminuindo o número de exigências para considerar provado que tenham dito a verdade. Tornando cada vez menos relevante a veracidade do que dizem. Por exemplo: não importa se o sujeito mentiu ou não quando disse que tinha 36 anos de contribuição. Se conseguiu provar 30, já provou que tem direito ao benefício da aposentadoria. Outro exemplo: deixe de exigir cartas de recomendação. Aceite o indivíduo (ou não) independentemente da opinião de terceiros. Afinal, todos sabemos que essas cartas são impessoais, que, na maioria das vezes, quem as assina nem conhece direito seu beneficiário. Isso tornará menos provável que o sujeito forje cartas de recomendação. Você não o estará forçando à ilegalidade.

A propósito, o que também estimulou esta mensagem foi esta outra: A democracia dos privilégios, de Ana Lucia.

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