Essa semana, eu estava estudando no quarto, tudo em silêncio, uma típica tarde tranqüila, não?, quando escutei, PÁ-pá!, um estrondo seco e bem próximo.
Procurando na área de serviço, encontrei o vidro na horizontal, aberto para o vento circular por entre a roupa a secar, com um furo redondo e várias rachaduras radiais. No chão, uma balinha de revólver, ainda quente.
Se o vidro estivesse fechado, não teria sido atingido. A trajetória muito mergulhante indica que o disparo foi longe, tão longe que não o ouvimos, descrevendo aquela parábola imperfeita que estudamos na escola.
Quem perdeu a bala, venha pegar, por favor.
Agora, é o seguinte. Aqui é o melhor País do mundo! Não há outro melhor para se viver. Não existe nada melhor do que nossos esgotos a céu aberto, nossa ausência de serviços públicos, nossa carência de escolas, nossa cultura opressora e totalitária.
Mas eu também sei que aquela arma NÃO DEVERIA ESTAR NA MÃO DO MARGINAL DE BEIÇO CAÍDO que a disparou. O ESTADO ESTÁ SE OMITINDO, não está fazendo a parte que lhe cabe. Não sou eu que tenho que me desarmar, eu, desarmado. O Estado é que tem que tomar a arma daquele iletrado. Desarmamento é o @#$%&*§! Nessas horas, eu penso naquelas velhas fazendo passeata de branco em Ipanema. O problema não é delas, não é mesmo? "Desarmamento", "paz", e seus netos enchendo o nariz de pó.
O mais interessante nesta história é o estado permanente de ameaça que se vive. Perceba que não há aviso, não há sequer a ordem da "bolsa ou a vida". Simplesmente uma bala entra na sua casa e pode acertar você, que talvez estivesse mais seguro na rua, e te mata a troco de nada. Não é como você se envolver em uma briga ou coisa parecida. Eu estava dentro da minha casa e, se estivesse lavando roupa, estaria morto! É um completo sentimento de aleatoriedade. Você se dá por sortudo e agradece não ter sido dessa vez, e está completamente à mercê da generosidade dos marginais filhos da puta, que escolhem quando vão permitir que você viva e quando não.
30 outubro 2006
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