23 abril 2009

ME MUDEI

Antes que alguém me corrija para o certo ("mudei-me"), advirto-os de que, agora, meu belogue também mora no Wordpress. Portanto, atualize seus bookmarks ("Favoritos"): agora, a Caixa de Sabão do Sr Atoz fica em

http://sratoz.wordpress.com/

Não vou mais atualizar o belogue neste endereço aqui. Também não vou apagá-lo, para o caso de algo dar errado no Wordpress, mas, agora, se quiser me ler, é lá. Tudo foi preservado, melhor do que quando me mudei de apartamento: os textos anteriores, os comentários, acho que até as figuras.

Obrigado pela atenção.

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Food fight

Atenção a este vídeo!

http://www.youtube.com/watch?v=e-yldqNkGfo

Parece só um vídeo engraçadinho de comida brigando, mas NÃO É. É a explicação das guerras em que os Estados Unidos se meteram no mundo, representada pela comida dos países. A Inglaterra é o fish and chips, a Alemanha é o Pretzel com Bratwurst, a Rússia é o strogonoff, o Japão é o sushi, os árabes são o kebab.

Começa na Segunda Guerra Mundial, passa pela Coréia, Cuba, Vietnã, primeira Guerra do Golfo, 11 de Setembro e segunda Guerra do Golfo. Prestei muita atenção e reparei que as várias sutilezas estão representadas: a II Guerra Mundial começa com os judeus se mandando da Alemanha e os restantes sendo exterminados; a Alemanha passa por cima da França pra bombardear a Inglaterra; os americanos, com os ingleses vindo atrás, passam por cima da França pra bombardear a Alemanha. Etc.

Rússia e China ocupam meia Coréia "por dentro" enquanto, do outro lado, outra meia Coréia se junta aos americanos e ficam todos indo e voltando e se acabando em cima de uma fronteira que se desloca mas não se afasta. Depois, Rússia ocupa Cuba e assusta os Estados Unidos, Rússia penetra no Vietnã e põe a França pra correr, os americanos vêm ocupar o lugar da França ao lado do Vietnã do Sul e americanos e Vietnã se acabam sem vitória.

Enquanto isso, no Oriente Médio, os ingleses se mandam e deixam os judeus encararem os árabes sozinhos. Os árabes se juntam, Israel vem em defesa dos judeus, reduz mas não elimina os árabes.

Guerra Fria, nuclear stockpiling etc.

Os árabes (Kuwait), sentados em cima do óleo, são enxotados por outros árabes (Iraque) e fogem para pedir ajuda dos americanos. Americanos vêm, Iraque dispara vários Scuds em Israel, todos caem em Israel sem causar danos. Aí vem o 11 de Setembro.

Tem aqui um linque que explica qual comida é o quê:

http://www.touristpictures.com/foodfight/cheat.htm

Ficou perfeito.

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Em um tópico relacionado, iniciei meu belogue Seventy Years Ago Today, narrando a II Guerra Mundial com tempo na escala 1:1. Para que nunca mais se repita. Faço-o experimentalmente: presumo não ter tempo de atualizá-lo com a frequência que gostaria. Faço-o também para ver qualé a do Wordpress. Com alguns minutos, estou gostando tanto que penso em dar um pé na bunda do Blogger. Só por causa da preguiça, provavelmente não o farei.

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18 abril 2009

Intreináveis

Minha dona diz que eles são intreináveis. Não conheço melhor expressão.

Você vai ao comércio, o cara não consegue te vender uma bala Juquinha. Pergunta se tem o produto, está debaixo da fuça do infeliz, ele diz que não tem. Pergunta quanto é, ele diz que não sabe.

Minha colega foi à Saraiva da rua do Ouvidor, perguntou pelo Dicionário filosófico de Voltaire -- com essas palavras -- e o idiota lhe perguntou quem era o Autor. Ela repetiu, Voltaire, e o retardado escreveu "Wolter", como se fosse um Walter que ele conhecesse.

Numa LIVRARIA! Ela não foi procurar o Dicionário no meio de um prédio em construção, nem nas termas, nem na cozinha.

E o pior é que não adianta a Saraiva demitir para contratar quem saiba ler. Ninguém sabe. É impossível contratar mão-de-obra qualificada neste País tropical, abençoado por Deus, onde em fevereiro tem Carnaval. É impossível treiná-los, eles não são capazes de aprender nada de nada de nada.

Amigo meu, médico, teve que explicar pro assentador de granito como é que se assentava granito, porque o mentecapto quebrou três pias sucessivas até aprender a cortar a pedra. Meu prezado doutor (a dois títulos) perdeu a paciência com o apedeuta, disse que um profissional consegue se sustentar com o que faz e que, òbviamente, o estrupício (não sei escrever a palavra) não podia se considerar um profissional. Observo que, para esse doutor -- que dá aula de Medicina em universidade pública, concursado e o escambau --, dizia, para esse doutor perder a paciência, precisa muito, não basta ser um caminhão de asneiras, tem que ser um trem de carga com cocô até em cima mesmo. Quando ele sofreu uma fratura cominutiva do ombro (osso quebrado em quatro partes), com uma dor que o fazia ver os sete anjos com as sete pragas (ele que é ateu), ainda assim manteve a compostura e falou civilizadamente com a pseudo-auxiliar de enfermagem que veio injetar-lhe o medicamento receitado para outro paciente enquanto ele continuava esperando o analgésico. Mas o fingidor de pedreiro conseguiu tirá-lo do sério.

No trabalho, vou usar a casinha e descubro que tem barata. Raios me partam! Tem um faxineiro que, sempre que entro no banheiro, está lá olhando pro teto e se ocupando só das próprias unhas, enquanto baratas tentam me engolir vivo. Aposto qualquer quantia, aposto meus diplomas -- pode vir aqui em casa rasgar todos se eu estiver errado -- que eu limpo banheiro melhor do que qualquer um desses descerebrados que estão, supostamente, GANHANDO SALÁRIO PRA FAZER ISSO há uma vida inteira.

NEM DISTRIBUIR PANFLETO NA RUA O CARA SABE: fica de costas para o sentido de onde vêm as pessoas, elas saindo do Metrô no início do horário comercial, ele não vendo ninguém se aproximar nem, portanto, conseguindo estender a mão a quem já foi embora. Quer dizer, nem esse ofício infernal de espalhador de filipetas, que devia ser dinamitado da face do planeta, nem essa pseudoprofissão inútil serve para absorver o excedente de mão-de-obra desqualificada, porque o sub-gump nem isso consegue fazer.

Minha proprietária sugeriu: homem-porta-cartazes, talvez?

NEM ISSO. O aborto ambulante vai arrumar um jeito de se enfiar no canto de menor visibilidade da praça.

Eu entendo que o cara não queira produzir mais: o salário é o mesmo se ele vender e se não vender, o patrão é mau, a mais-valia é cruel etc. etc. Mas o que eles são clìnicamente incapazes de enxergar é que a alternativa é a demissão! O nanicocéfalo não percebe que, se não trabalhar, vai para o olho da rua -- e continua não trabalhando!

Aí eu começo a entender aquilo que tanto escuto no Metrô: as histórias tristes de quem toma a demissão como uma inevitabilidade, uma decorrência natural do fato de estarem empregados, que é só uma questão de quando, não de se. Para eles é normal, não se emendam mesmo!

Quando eu varria chão no Exército, o chão ficava limpo. Não se via um grão de poeira. Eu não fazia mais do que minha obrigação, nem era especializado na tarefa. Hoje, eu vejo uma faxineira fingir que esvazia uma lixeira, derrubar a sujeira toda no chão, e ouço dela que isso acontece toda hora. WTF??? A mulher pretende GANHAR A VIDA fazendo isso? Precisa ter mestrado pra aprender a esvaziar lixeira, a varrer chão? Eu varro aqui em casa e fica tudo limpo; supunha que uma profissional especializada soubesse fazer ao menos isso.

Uma colega (a mesma do Wolter) observou que é porque eu presto atenção, porque me dedico a tudo que faço. Se é para fazer, é para fazer bem feito, seja um prato de comida, um parecer jurídico ou um banheiro limpo. É para tentar fazer cada vez melhor, fazer em menos tempo com a mesma qualidade, fazer com mais qualidade no mesmo tempo. Mas, para eles, parece que não. Andam pela vida com o 32-A607 ligado (escreva num papel e olhe no espelho). Não aprendem NEM QUEREM APRENDER. Por isso é impossível ensinar-lhes qualquer coisa.

E estão sempre reclamando que estão doentes, com dor aqui e ali, e que "ontem passaram mal", e vão pegar atestado, ou não vão.

Então, quer saber? Não tenho pena não. Um amigo me dizia que não tinha essa suposta "pena de botar um pai de família na rua", porque havia OUTRO pai de família faminto e qualificado que não conseguia a vaga porque um mequetrefe desses a estava ocupando. Eu vou além: é preciso ser isonômico. Se são todos igualmente indolentes e preguiçosos, então a fila tem que andar, é preciso cada um ceder a vez: brinca um pouquinho, depois dá o lugar pro outro. Não pode é um só querer ganhar sem trabalhar o tempo todo.

***
Da série Mais motivos para me deixar orgulhoso e assustado

Em um assunto distinto, porém relacionado, acabei de entender algumas das várias limitações que há anos venho percebendo nas pessoas. Acabei de entender por que é que tanta gente à minha volta lê tããããão devagar, palavra por palavra, causando-nos uma perda enorme de tempo e de produtividade. Taqui a explicação. Ou: "p*rra, por que esse cara está gastando um tempo enorme para ler esse pedaço que òbviamente não é o que interessa na discussão?"

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Andei lendo:
Superman #7 (julho de 1987), "Rampage", publicada em Superman: the Man of Steel v. 4.
http://tirinhasfi.blogspot.com/ -- Fi - Futuro Incerto, de Felipe Acosta;
http://lidetemeraria.blogspot.com/, de Ana;
http://calmaqueficapior.blogspot.com/, da Srta. T;
http://www.interney.net/blogs/imprensamarrom/, do Gravatai Merengue;
http://revistaerrata.blogspot.com/, dos Doutores Albieri, Banner, Gori, Jekyll e Jivago (PQP, tou velho. Entendi todas as piadas embaixo das apresentações dos doutores. Isso inclui o Doutor Gori).

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16 abril 2009

Incertezas vespertinas

Para minha desgraça em uma vida tão atribulada pela falta de tempo quando há tanto que fazer ou que quero fazer, agora entrei em mais um blog reading spree. Sabe como é: quando você começa a ler um, que linca pra outro, que linca pra outro, e você vai lendo tudo, opiniões, pontos de vista sendo compartilhados racionalmente, emocionalmente. Fico cheio de inveja que esse pessoal escreva tão bem. E tenha tempo. Ou pareça ter. E entro em fluxo de consciência e, como já disse outras vezes, quem escreve bem tem o dom de fazer você querer escrever tão bem. E muito, para aprender com a prática e ficar igual a eles. Ao lado dos belogues que referencio aqui no lado direito da tela, existem dezenas, dezenas que visito de vez em quando ou uma vez e nunca mais, mas cujos URLs anoto. Acho que vou passar a mencioná-los aqui.

Como esta entrada do Cocadaboa: que me fez vir aqui.

Sou ateu.

Agora que choquei, confesso: isso não é plenamente verdade. Não sei se Deus existe. A cada dia, mais me convenço de que não existe. Fui criado em escolas católicas, induzido a crer na existência, bondade, sabedoria e amor ilimitados de Deus, mas não sei não. Prefiro dizer: a eventual existência de Deus é irrelevante.

De um lado, impossível provar que existe. Deus se descobre é pela fé. A prova é racional, a fé não é. Se você chegasse a Deus pela razão, estaria tornando a fé desnecessária, o que contraria Deus. (Eu sei que não; isso foi uma falácia. Mas é apenas incidental; prossigamos.)

Por outro lado, impossível provar que não existe. Então, os ateus também estão agindo de acordo com uma fé. E fé é o que não tenho.

Deus, se existir, é inatingível: se Ela quiser se esconder, conseguirá isso melhor do que ninguém (a onipotência faz parte do conceito). Então, inútil me preocupar em descobri-La ou me convencer a favor ou contra.

Deus, se existir, é amoral. Não pune pecados nem premia boas ações. "Ah, então tá liberado! Então, Ela encoraja o mal, é isso?" Não, não é isso. Se fosse assim, Deus seria Imoral. Mas um Deus imoral premiaria pecados e puniria boas ações. Não creio que Ela faça isso. Creio que, se existir, não esteja nem aí. Fez o mundo e foi tirar férias, foi fazer outros mundos, está ocupada com as galáxias ou tentando resolver o problema da expansão cósmica, que levará ao esfriamento dos buracos negros, ao esgarçamento do espaço e à extinção da vida. Não está nem aí para o que nos acontece, não ouve orações, não concede audiência, não manda catástrofes nem salva aquele sujeito que ficou doze horas esmagado embaixo do caminhão e saiu sem ferimentos. Imagine como se sente o Dr. Manhattan (este ponto é mais contundente para quem leu o quadrinho).

Se Deus é amoral, que diferença faz eu puxar Seu saco? Que Lhe importa se eu repetir palavras mágicas enquanto seguro um colar de contas? O que Ela ganha com isso?

A alternativa seria um Deus maligno: se eu não repetir trinta pais-nossos, ou comer carne na sexta-feira, ou chutar a imagem da santa, vou para o inferno sem sursis. Para isso não acontecer, puxo-Lhe o saco. Mas sempre me identifiquei com a causa dos que vivem sob um regime tirano. Minha tendência é à rebeldia contra quem me tira minha God-given liberdade. Inclusive contra Ela: e eu e Ela saberíamos que seriam só aparências, e eu diria, não faço mais, me mande pro Inferno se quiser, aliás Você vai me mandar pro Inferno se quiser mesmo apesar de toda a minha puxação de saco, porque é onipotente e não responde perante ninguém, não tem que dar satisfações a algum tribunal olímpico ou valhállico, então vou exercer minha liberdade no pouco de vida que me resta. Prefiro ser sincero. E, no Inferno, lá estaria eu, com um punho cerrado e elevado em sinal de protesto, dizendo, Você sabe que eu estou aqui porque estou certo, eu ganhei de você: pode me quebrar, mas não pode me dobrar.

Mas Deus, se existir, não é maligna. Isso não faz parte do pacote. Então, em Sua infinita misericórdia, também não me mandaria pro Inferno nem que eu fosse mau. Então, pra quer esquentar a cabeça? Preocupemo-nos com esta vida, com quem sente fome e não sabe ler.

Se Deus existir, é onipotente (faz parte do pacote). Então, pode alterar as leis da Física a qualquer momento, inclusive retroativamente, reescrevendo a História, e nem saberíamos que o universo está mudado. Pode me fazer crer nEla de uma hora para outra, e eu nem saberia que um dia não teria crido (está certo esse particípio?). Então, inútil rezar, inútil resistir, inútil tentar puxar Seu celestial saco. Vai fazer o que quiser fazer, e não há nada com que eu consiga convencê-La do contrário. Nem há nada que eu possa fazer por Ela tal que ela retribuísse me fazendo algum favor: onipotentes não costumam precisar de qualquer ajuda. Para que acender velas e jejuar, então? Só para satisfazer Seu incomensurável ego? Deus tem problema de auto-estima, precisa que Lhe digamos quanto Ela é linda e maravilhosa?

Se Deus existir, é indecifrável, certo? Então, não adianta pensar sobre Ela, tentar entendê-La, filosofar sobre Ela -- só se for para ser uma filosofia de nós mesmos, mas aí é sobre nós, não sobre Ela. Da mesma forma, inútil perscrutar quais são Seus indecifráveis planos para mim.

Isso se Deus existisse. Não creio que exista, então não tenho o que pensar dEla. De todo modo, irrelevante.

Mas e Jesus Cristo: existiu? Sua existência não é impossível, mas também a tenho considerado cada vez mais improvável. Se tiver existido, coitado, terá sido um sujeito brilhante, que teria tentado ensinar civilidade às pessoas, uma espécie de live-and-let-live hippie, só que alguns milênios off the mark. Òbviamente, foi devidamente punido por isso.

Mas então, e se eu decidir viver pelo Evangelho, isso faz de mim um cristão? Eu, que sou ateu? Adoro a parábola dos trabalhadores que passam o dia na vinha pelo mesmo salário (que, para mim, se traduz em "cuide da sua vida em vez de ficar com inveja de seu vizinho"), bem como a do irmão que vai trabalhar após ter dito que não ia, enquanto o outro não foi, mesmo tendo dito que ia. Adoro a história de se atirar a primeira pedra, e tudo mais. Se eu concordar com as regras de boa vizinhança que estão ali, isso faz de mim um cristão? The horror, the horror. Espero que não, mas talvez seja tarde demais.

Então, de um lado tenho vergonha de não admitir que sou ateu: pelo certo, eu deveria admitir logo, como sugere o Cris Dias. De outro, nem sequer disso tenho certeza!

Recém-lidos:
Justice League #1 (maio de 1987), "Born Again", publicada em Coleção DC 70 anos no. 5 (setembro de 2008); Detective Comics #574 (maio de 1987), "...My Beginning... and My Probable End", publicada em Coleção DC 70 anos no. 6 (outubro de 2008);

http://yourinnergoddess.blogspot.com/ -- Goddess Bless America, sobre a erosão dos direitos individuais numa América tornada insalubre pela direita religiosa;

http://diariodeumdoentedosnervos.blogspot.com/ (de meu ex-discípulo André. Como bom padawan, superou o mestre. Estou orgulhoso e o acrescentei aqui à direita);

http://infinitadiversidade.blogspot.com/ (da Cláudia Freitas, uma das pessoas que me recebeu tão amàvelmente no JETCOM em fevereiro de 1994, que Deus a tenha em Sua infinita ironia);

http://marjorierodrigues.wordpress.com/ (sugerido pelo Alex Castro);

http://www.horsepigcow.com/ (não sei nem quem é, mas me amarrei em seu cenário jornalístico-belogueiro-literário e lhe desejo todo o sucesso, além de ela ser uma gata);

http://johneaves.wordpress.com/ (de John Eaves, criador da esguia Enterprise-E);

http://drexfiles.wordpress.com/ (Drex Files, de Doug Drexler, CGI artist em Deep Space Nine);

http://www.warbirdregistry.org/ (que compila os aviões restaurados pelo mundo -- desejo-lhes sorte);

http://www.umsabadoqualquer.com/ (Um Sábado Qualquer, genial);

http://www.malvados.com.br/ (Malvados -- outra boa tira online);

http://verbeat.org/blogs/manualdominotauro/ (Manual do Minotauro -- o belogue das GENIAIS tirinhas do Laerte, que, se Deus não existe, pelo menos ele é a coisa mais próxima que um cartunista alcança);

http://substantivolatil.com/ (da Mirian Bottan, musa do Cardoso).

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15 abril 2009

Alguém me explique a lei 11.922, art 20

É assim. Anteontem, saiu a lei 11.922, que tem 19 artigos tratando de créditos da Caixa Econômica Federal, financiamento imobiliário, fundo habitacional e sonho da casa própria. Beleza.

Aí, o artigo 20 estende o prazo para registrar ou entregar arma de fogo à Polícia Federal dentro do Estatuto do Desarmamento.

O artigo 21 trata da vigência da lei. Aí acaba o texto dela.

Peraí, volta. Que que diz o artigo 20?

Fui investigar. Tudo começou com a medida provisória 445 de 2008, cujos dois artigos tratavam de créditos da CEF com negócios imobiliários. Aí, a MP tramitou na Câmara dos Deputados, onde recebeu 18 emendas (detalhes aqui), todas pertinentes ao assunto. Todas exceto duas.

A emenda 16 autorizaria a DNIT (Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes) a fazer obras com determinados recursos que não os tratados pela MP. Naturalmente, estava fugindo do assunto, e o Deputado Duarte Nogueira se insurgiu contra sua aceitação. Foi indeferido. Recorreu e perdeu. Detalhes aqui. A emenda entrou na então-MP 445, futura-lei 11.922.

A outra emenda era a de número 10, do Deputado Sandro Mabel. Ele considerou oportuno estender o prazo relativo às armas (e, pelas razões que ele expôs, concordo com ele) e, out of the blue sky, pediu para enfiar lá um artigo relativo a isso nessa MP-mas-em-breve-lei. Mais detalhes aqui.

E ficou assim! Olhei todos os pareceres escritos e falados na Câmara, inclusive das comissões, e ninguém falou nada! Passou totalmente embaixo do radar!

Eu estava entendendo que, pela boa técnica legislativa, não se podia usar lei de um assunto para tratar de outro. Em matéria de lei orçamentária (que não é o caso), isso é até proibido.

Vou ver se alguém no Senado reparou nisso. Mas não ponho muita fé.

PREMONIÇÃO

Depois da notícia das chicotadas no trem, vi esta, do Laerte:

http://verbeat.org/blogs/manualdominotauro/2009/04/dragea-033.html

Detalhe: é da VÉSPERA.

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14 abril 2009

Pulling bags

Então, o Yahoo! publicou u'a matéria sobre a tendência que as pessoas podem ter ao puxa-saquismo em tempos de crise. Confesso que a li.

Mas vejam só este trecho:

"A [Consultora Fulana] diz que não é preciso envergonhar-se desse tipo de comportamento. O conselho dela para tempos de dificuldade econômica é: vá para o trabalho mais cedo, fique até mais tarde, assista às reuniões e ofereça-se como voluntário para fazer trabalho extra."

Ué. No meu dicionário, chegar cedo, sair tarde e fazer trabalho extra chama-se TRABALHAR. Ela parece entender que isso seja puxar o saco.

Agora quem trabalha está puxando saco? Isso tem toda a cara da ética que impera neste País desde Martim Afonso. Você não pode trabalhar mais que os molóides, não pode (eventualmente) se destacar; você tem que ser medíocre. Têm que estar todos, em ordem unida, abaixo da média.*

Suponho, então, que quem puxa saco esteja trabalhando. Quer dizer, não posso trabalhar mais que outros, porque dirão que estou puxando saco. Que é só pra aparecer, apesar da produção medida e da receita maior para a empresa.

*Bonus points para quem percebeu que, por definição, é impossível estarem todos abaixo da média. Agora vá explicar isso pro Tenente [name withheld for privacy], meu instrutor no segundo ano do NPOR/IME, que queria todos os alunos acima da média.

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13 abril 2009

Pérolas matinais de segunda-feira

Algumas pessoas acham que isto é arte genial e espontânea: o "Grande Artista" encher a cara e sair pela madrugada aporrinhando os outros, gritando barbaridades e mostrando a bunda. Acham que isso é ser grande, é desbravar fronteiras, é demonstrar aonde podemos chegar se sonharmos alto.

Eu acho que é babaquice.

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Lei cínica número 47: se alguém disser a você que você está bem na fita e que a batata de outrem está assando, pode ter certeza de que é o contrário.

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Eu venho no metrô sendo tratado pior do que gado, sendo lembrado de minha condição proletária massificada nos subterrâneos de Metropolis, e ainda querem que eu fique de bom humor?

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12 abril 2009

Anotações -- Isaac Asimov

Prossigo no intento de ler o núcleo da obra de Isaac Asimov: o pequeno conjunto de livros que o tornou célebre e que despertou o interesse de tanta gente na ficção científica. São menos de trinta livros, dos quais li os dois primeiros (Foundation e I, Robot) e estou no terceiro (Foundation and Empire). Creio que, agora, faltem vinte livros.

Diz-se que os dois primeiros concentram o que de melhor ele escreveu. Talvez ele tenha mesmo criado um choque em comparação com Autores anteriores, não sei. Talvez ele tenha trazido um pouco de humanidade a um campo que, de outro modo, é tido por árido. Talvez ele tenha sido o primeiro, ou um dos primeiros, a deixar as tecnicalidades de lado para se concentrar na trama. Pode ser. Por certo, o ponto rico do que ele escreve é um certo conteúdo de mistério, convidando o leitor a decifrar o que vai acontecer. Há, ainda, uma outra constante que identifiquei na obra e que indica muito da personalidade do escritor, que é uma confiança na Ciência e no racionalismo.

Os livros são mesmo bons, mas permitam-me dizer que Asimov é um tanto overrated. Em I, Robot, todos os personagens humanos, exceto a protagonista Susan Calvin, têm o pavio bem curto, estão sempre perdendo a paciência sem motivo, gritando, exasperando-se, de um modo irritante e sem explicação. Tenho duas hipóteses de trabalho para isso. A primeira é que o Autor, à época ainda pouco experiente, estivesse tentando criar personagens realistas, ele que era tão cerebral, e tenha errado na mão. Na tentativa de imitar as demais pessoas, teria acabado por fazer personagens excessivamente emocionais.

A segunda hipótese é que fosse um contraste intencional entre os defeituosos humanos, imprevisíveis e sempre à beira de um ataque de nervos, e os robôs, sempre equilibrados e racionais. Essa hipótese parece-me a melhor das duas, especialmente porque a Dra. Calvin aparece como um modelo de nerd respeitada -- mais ou menos uma versão feminina e mais monótona do próprio Asimov -- e difìcilmente perde a compostura. Porém, saiba que, com isso, o Autor acaba sendo repetitivo e inverossímil.

Além do mais, contrariando o caráter nerd do próprio Asimov, encontrei mais de um erro nos livros. Há momentos em que ele troca nomes, o que causa uma certa estranheza para quem vem lendo a história. É curioso que o editor original não tenha percebido isso, lá nos anos 40. Agora, passados mais de sessenta anos, naturalmente é tarde demais para uma correção, ainda mais que o Autor está morto.

Voltando à história da Fundação em si mesma: um dos atributos dos bons livros é estimularem você a procurar suas referências. Neste caso, Asimov já comentou que sua grande inspiração foi o Declínio e queda do Império Romano, onde Edward Gibbon demonstrou fatores sociais e econômicos como explicação para a evolução do império. Isso aparece na Fundação, cujo maior efeito sobre mim, até agora, é a vontade de ler o livro de Gibbon -- todos os seis volumes.

Recém-lidos:
Justice League of America #244 (novembro de 1985);
2009-03-21 — I, Robot, de Isaac Asimov; Bantam, ISBN 0-553-29438-5;
2009-03-23 — O que muda com o novo Acordo Ortográfico, de Evanildo Bechara; 1a. edição, 2a. impressão, dezembro de 2008, Nova Fronteira: Lucerna, ISBN 978-85-209-2138-8 (cheio de erros de português -- e olha que o Autor é imortal, membro da Academia de Ciências de Lisboa, gramático ilustre, autoridade na língua e o escambau);
Justice League of America #245 (dezembro de 1985);
Superman #416 (fevereiro de 1986), "The Einstein Connection", publicada em Superman 70 anos no. 3 (dezembro de 2008);
Man of Steel #1 (1986), "From Out the Green Dawn...", publicada em Coleção DC 70 anos no. 1 (maio de 2008);
Man of Steel #4 (novembro de 1986), "Enemy Mine...", publicada em Superman 70 anos no. 3;
Superman #2 (fevereiro de 1987), "The Secret Revealed", publicada em Superman 70 anos no. 1 (setembro de 2008);
2009-04-11 -- History of the DC Universe, de Marv Wolfman e George Pérez, ISBN 1-56389-798-9;
Detective Comics #572 (março de 1987), "Dick Sprang Remembers", publicada em Coleção DC 70 anos no. 6 (outubro de 2008).

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06 abril 2009

E ainda querem que eu pague para pagar?

Estava voltando do almoço e vi a manchete do jornal na banca: "veja aqui onde fazer declaração do imposto de renda de graça".

Pensei: ué, em casa. Você vai à delegacia da Receita, pega o formulário, preenche e entrega. Tudo de graça. Ou, se tiver Internet em casa, baixa o programa, preenche e manda pela própria Internet, também de graça.

Eu, hein.

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20 março 2009

Crie sua própria igreja

Não sei em outros lugares, mas, na Europa e, pelo pouco que sei, nos Estados Unidos mais ainda, é muito comum que as igrejas tenham letreiros junto à calçada, trazendo a programação de sermões ou eventos do gênero.

Na disputa por novos seguidores, algumas igrejas parecem não conhecer limites. Vejam só a foto que encontrei hoje:












Oquei, confesso minha cupidez. Primeiro, encontrei esta imagem, junto com seu broxante esclarecimento. Depois, segui o linque para o original. Você pode criar sua própria igreja, tal como fiz acima.

Recém-lidos:
Escape! e Evidence, contos de Isaac Asimov em I, Robot;
Tales of the Teen Titans #42 (maio de 1984), “The Eyes of Tara Markov”; #43 (junho de 1984), “Betrayal”; #44 (julho de 1984), “There Shall Come a Titan”; Tales of the Teen Titans Annual #3 (1984), “Finale”, publicadas em The New Teen Titans: the Judas Contract;
Superman #400 (outubro de 1984), páginas de Frank Miller publicadas em Superman 70 anos no. 1 (setembro de 2008) e “The Exile on the Edge of Eternity”, publicada em Coleção DC 70 anos no. 1 (maio de 2008).

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11 março 2009

Who Watches Watchmen

Viu só? Tentei fazer um trocadilho com o título do filme, dizendo "quem assiste a Watchmen", mas fracassei miseràvelmente. Faltou o "the". Paciência.

O fato é que fui ver hoje. Gostei, é um bom filme; vale o preço que se paga.

Mais de metade do cinema eram nerds como eu, barrigudos, na faixa de 35 a 50 anos, alguns acompanhados de outros nerds, outros arrastando as parceiras. Previsível, ainda mais em meio de semana: se fizeram como eu, esperaram a garotada se divertir e foram no horário mais tranqüilo, para poderem apreciar. Algumas risadas e aplausos mostravam que tinham lido os quadrinhos.

ATENÇÃO: VOU COMENTAR O FILME. Se não quiser saber detalhes, taqui um linque para você pular fora agora: é a entrada anterior deste belogue, sobre o vídeo do bacalhau.

Você foi avisado.

A fita está bem feitinha, mesmo desde a abertura com os créditos. Com a montagem que fizeram, ela já conta logo o que aconteceu a Dollar Bill, ao Traça e à Silhueta sem ocupar tempo de história e tirando esses pormenores do caminho ao mesmo tempo em que supre muito bem a necessidade de contar o que foi acontecendo aos heróis.

Aliás, um detalhezinho bobo mas expressivo é a pequena variação sobre a clássica foto do beijo em Times Square ao fim da Segunda Guerra Mundial.

Passado o início, o que mais chama atenção é uma diferença previsìvelmente necessária em relação ao original: a supressão de detalhes. Na maior parte, não tenho queixas, porque atrasariam o filme sem contribuir para a história. É claro que, se Alan Moore os pôs ali, ele teve suas razões e a obra não estaria completa sem eles, mas, diabos, então vá ler o quadrinho, que, afinal, é genial mesmo. O filme não os comporta. A saber (e lembrando-me enquanto digito): os conflitos conjugais do psiquiatra e das lésbicas na banca de jornal, as reações de pessoas nos interrogatórios que Rorschach faz nos bares, a senhoria de Rorschach, a segunda visita dele a Dreiberg (perdendo-se o humor da segunda fechadura perdida), as reaparições do policial que primeiro entrou no apartamento do Comediante, o pai do Dr. Manhattan jogando o relógio pela escada de incêndio, o início da vida profissional de Manhattan, o homicídio de Hollis Mason, o encontro organizado pelo Capitão Metrópole onde vemos o destino do Traça. Tales of the Black Freighter não conta, porque já havíamos sido avisados de que não estaria no filme. Mas também não estão lá os resmungos do jornaleiro, embora o próprio jornaleiro esteja e o garoto lendo o gibi também. Para mim, é óbvio que estão lá sòmente para benefício dos fãs, porque nada acrescentam.

Outros detalhes foram trocados, também a benefício da simplicidade. A visita de Rorschach à torre de Veidt foi substituída por uma visita de Dreiberg. A discussão sobre brinquedos juntou-se à "tentativa de homicídio". No encontro frustrado da segunda geração de vigilantes, o Capitão Metrópolis foi limado, juntamente com seus sonhos infantilóides e patéticos; seu lugar foi assumido por Veidt, que aparece já arquitetando seu plano. A entrevista de Janey Slater à Nova Express deu lugar a sua aparição no estúdio. A morte do pai de Manhattan foi trocada pela de Wally Weaver. Várias falas mudaram de lugar na história ou, então, aparecem ditas por outras pessoas. Os clássicos de saifai do cine Utopia foram trocados por uma exibição de The Outer Limits. Etc., etc. Regra geral, não creio que a versão para cinema tenha saído pior por isso.

Por outro lado, alguns detalhes foram acrescentados desnecessàriamente: a cena de sexo estendida a bordo de Archie (e grosseiramente explícita, em que pesem os benefícios, knowwhatImean, knowwhatImean, winkwink, nudgenudge, saynomore, saynomore, knowwhatImean, knowwhatImean, say -- no -- more!); a porta do banheiro revelando a Nite Owl e Silk Spectre que Big Figure estava lá dentro; e a exageradamente gráfica remoção dos braços de Larry.

Também o teletransporte é representado com efeitos demais. O original é instantâneo e mais discreto. Em especial, o de Rorschach, logo no começo, é tão súbito que, na percepção subjetiva do próprio, ele só nota que foi transportado depois que termina a frase. No filme, demora-se demais, com perda do humor.

Um detalhe estranho: na tentativa de estupro de Sally Jupiter, depois de apanhar mais do que no quadrinho (gratuitamente, a meu ver), ela não reage mais! No original, ela só não luta porque não consegue se mexer. No filme, fica esperando, sem estar imobilizada. Pergunto-me por quê.

Um detalhe bacaninha: Lee Iacocca no bolso de Veidt.

Um detalhe que tem tudo a ver com o filme todo e era de se esperar do personagem (e não sei como Moore não pensou nisto): descobrimos quem matou John Kennedy. Bem... ao menos naquele mundo.

Um detalhe contemporâneo demais: lutas em câmera lenta. Depois de Matrix, todas as cenas de luta estão em câmera lenta. Pelo menos dá para acompanhar, mas Moore não teria pensado nisso. Não é um mero uso de CGI que não havia em 1985; é uma inserção despicienda.

Por um terceiro lado, o filme (e insisto: é um bom filme) peca na tentativa de, às vezes, ter que enfiar todas as falas sem ter tempo para isso. Várias ficaram aceleradas em relação ao quadrinho, de um modo em que pessoas reais não teriam tempo de pensar, desconjuntadas, descontextualizadas. O exemplo mais forte é o reencontro de Rorschach e Dreiberg no porão. Quando Dreiberg pergunta, "whatever happened to them?", ele não está contemplativo, e assume um ar de cobrança.

Também assim se perderam vários comentários cínicos de Rorschach, que, além de acelerado, foi parcialmente descaracterizado. Em alguns trechos, emocional demais: p.ex. pedindo para Nite Owl levantar Archie para não bater nas falésias; ou implorando para Manhattan no finalzinho. O Rorschach original é absolutamente apático, indicando a gravidade de sua doença mental. Especialmente na prisão, permanece sereno e não se dirige a ninguém com raiva nem com ironia (as quais demonstra diante do psiquiatra no filme). Imagino, entretanto, que só quem estava atento aos quadrinhos fosse notar a inconsistência. E o ator que o faz está ótimo. Aliás, fìsicamente, Rorschach estava igualzinho, em especial a voz, que foi desperdiçada em narrações aceleradas. Para ouvir uma versão correta de seu diário (aliás a única, em função de quem lê): aqui (original) e aqui (cópia conjugada ao quadrinho, mas abafada).

Um detalhe que não acrescenta a quem leu o quadrinho, mas que compõe um pouco no filme (embora, infelizmente, também o torne mais óbvio): quando o gordo Larry tenta pegá-lo através das grades e pergunta o que ele tem, a resposta nos quadrinhos é "your fingers. My perspective". No filme, "your fingers. My pleasure".

A determinação cínica de Rorschach também foi atenuada. Antes de aplicar o golpe ao seqüestrador, ele hesita, o que não faz no quadrinho. Ademais, aquele golpe é indolor (o cérebro já não está ali para sentir) e misericordioso (porque final). No quadrinho, a forma de execução é mais cruel.

O Comediante: perfeito. Infelizmente, a cena com Moloch padece do mesmo mal de quererem dizer tudo sem contexto para isso. O único outro exemplo ruim que me ocorre é Fernanda Montenegro como a prostituta/cigana de A Hora da Estrela, esquecível e torta imitação do indecifrável.

Uma falha que considero mais severa, embora outros vão discordar: quando Manhattan levanta seu relógio da areia, o efeito é o mesmo que seria se o relógio estivesse pronto e submerso e sùbitamente emergisse, afastando os torrões que estão no caminho. Brutal demais. No original, o efeito mostra a extensão do domínio de Manhattan sobre a matéria: o relógio é reunido a partir da areia que está na superfície, sem sujeira, mostrando que não existe nenhuma parte oculta, que você está vendo tudo que há. Isso faz diferença, porque ele enxerga aquele balé cósmico que empolga os astrônomos e vê o equilíbrio de tudo, todos os instantes são como fotografias estáticas onde ele escolhe se focalizar. Não há violência nem restos deixados por suas ações, que respeitam a ordenação elegante do universo.

A respeito disso, houve uma tentativa de se mostrar a perspectiva temporal dele, com as superposições de instantes em um só. Ainda assim, penso que se perdeu o vigor do trecho, tão curto, em que ele contemplava uma fotografia nas areias de Marte. Mais uma vez, parece-me ter sido o esforço de se enfiar tudo em menos de três horas.

Por falar em perspectiva, tem umas que são iguaizinhas. A saber: a primeira, com o sangue do Comediante na calçada; a de Manhattan ao som de Wagner; a da chuva sobre o túmulo do Comediante; a do controle da multidão; as da penitenciária. Ah, quase todas, se não todas.

A atriz que faz a Silk Spectre é bem ruim, mas não tem problema; é a mó gata.

Finalmente, o Grande Plano de Ozymandias. Acho que ficou melhor no filme. O original é muito complexo, envolve mais personagens, mais absurdos e, francamente, é um deus ex machina que sempre considerei especialmente inverossímil, não correspondendo ao conjunto da obra. A versão do filme é mais simples, requer menos detalhes na história (Max Shea, a genética) e, francamente, mais coerente, usando uma ameaça concreta, conhecida de todos, sem mensagens psíquicas.

Falei mal à beça, mas são queixas típicas de quem, na verdade, gostou. Claro que não é perfeito e, até certo ponto, é uma colagem; mas há suficientes passagens iguais para agradar aos fãs do original, que vejo como o principal público alvo.

Não me dê ouvidos (ou, neste caso, olhos). Vá ver e julgar por si mesmo.

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06 março 2009

Rádio Comida e a receita de bacalhau

Era uma vez um grupo teatral de Sorocaba chamado Rádio Comida. Hoje recebi, por email, o primeiro dos vídeos abaixo.

Estes caras têm que se tornar conhecidos. E você TEM que ver o vídeo do bacalhau abaixo:

http://www.youtube.com/watch?v=tP5jd2e1o04

Aqui, o saite oficial da trupe, com a receita do yakisoba:

http://www.radiocomida.com.br/

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04 março 2009

Cabelos em pé

Acabo de ler aqui e aqui: um asteróide de trinta metros acaba de passar a 66 mil quilômetros da Terra.

Essa distância é menos que o dobro da órbita dos satélites de comunicação.

Se isso não lhe dá calafrios, vou lhe dar uma dica: multiplique Hiroshima por mil.

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02 março 2009

Segundo elogio

Já que estou me sentindo particularmente bem, hoje vim aqui para fazer meu segundo elogio.

Uma das características mais nobres do ser humano é o impulso de contribuir para alguma obra maior. Os bons fãs de segmentos da cultura pop costumam verter esse impulso em fan fiction: histórias usando os mesmos personagens ou ambientadas no mesmo universo de Star Trek, Star Wars, Babylon 5, Harry Potter e pràticamente qualquer seriado, filme ou livro de sucesso entre nerds e geeks.

Com a tecnologia digital e o barateamento dos meios de produção, tem-se multiplicado um tipo de criação muito peculiar entre os trekkers: os fan films. Então, meia dúzia de integrantes de um fã-clube decide juntar seus recursos, sua pouca ou nenhuma habilidade e, doando seu tempo e seu dinheiro, divertem-se criando seus próprios episódios de Jornada nas Estrelas, que depois lançam na Web.

Algumas dessas criações chamaram minha atenção. Regra geral, sua qualidade é ruim, mas percebe-se imediatamente que são feitas com paixão. Esse é o caso de Star Trek: Hidden Frontier, Starship Exeter, Starship Farragut e Star Trek: New Voyages, que me parecem as mais célebres produções desse tipo (mas certamente não são as únicas, como uma googlada lhe permitirá descobrir).

Hidden Frontier está na sétima temporada e já gerou três spinoffs. O capitão tem uma das piores dicções que já vi em tela, os diálogos são óbvios, os uniformes são as típicas e patéticas cópias que cada um comprou de um fabricante diferente (com todas as variações de feitio e cor) e os atores (muito ruins) estão muito mal encaixados em cenários virtuais tirados de videogames. Mesmo assim, a série tem cinqüenta episódios no ar (ou melhor, nos cabos), o que é bem mais do que a média atingida por gente que só fala mal, feito eu. As outras séries têm menos episódios e são melhor produzidas, mostrando que o foco de HF está mais na quantidade: o negócio é gerar novos episódios contìnuamente, ainda que não perfeitos.

New Voyages foi uma das grandes surpresas de minha navegação incerta. A série estreou em 2004 e, desde então, tem seis episódios publicados. O produtor, diretor, roteirista, dono do estúdio e manda-chuva geral, James Cawley, despejou seus próprios sestércios -- adquiridos como ator em Las Vegas -- na montagem de uma ponte de comando idêntica à da série Clássica. Ele mesmo faz o Capitão Kirk em uma continuação que rotula como o quarto ano que a série não teve.

Em New Voyages, é claro que novamente os atores são ruins, mas você não poderia esperar alguém que igualasse o talento de um Leonard Nimoy ou a experiência de um DeForest Kelley. Nesse ponto, o maior pecado é que Cawley tenta overshatnerizar o próprio Shatner. Apesar disso, os valores de produção da série são notáveis. Não apenas os cenários e uniformes ficaram perfeitos. As tomadas de câmera são as mesmas dos episódios da Clássica. A iluminação das paredes é igual, nos mesmos tons pastéis de amarelo, roxo, verde. Há os mesmos efeitos sonoros, os mesmos closes, o mesmo tratamento portentoso de quando alguém se materializa na sala de transporte, o mesmo acompanhamento próximo das lutas. Apesar de toda a tecnologia que se tem hoje, até o teletransporte foi feito igual. As histórias são escritas profissionalmente e os diálogos convencem, como se estivessem sendo ditos pelos próprios Kirk, Spock, McCoy e Scotty.

Essa qualidade chamou a atenção de pessoas envolvidas na produção das séries oficiais de Jornada. Agora, entre os produtores está Doug Drexler (artista de CGI em Deep Space Nine), um dos ilustradores é o reverenciado Andrew Probert (criador dos desenhos da Enterprise nos filmes e da Enterprise-D), e há episódios escritos por D.C. Fontana e David Gerrold. Também já participaram Walter Koenig, George Takei, Grace Lee Whitney e J.G. Hertzler (General Martok).

New Voyages vem ganhando tanto reconhecimento que a Paramount assumiu a postura de não se meter e, mais recentemente, a série mudou de nome para Star Trek: Phase II -- que é o nome informal dado à série de Jornada que teria sido produzida no fim dos anos 70 (e que acabou se tornando o primeiro filme de cinema).

Nessa esteira, alguns episódios que haviam sido escritos para Phase II em 1977 já estão sendo filmados: "Kitumba" e "The Child". Este último havia sido escrito por Jon Povill, que era o editor e um dos principais criadores da Phase II original. Em 1988, esse episódio foi adaptado para A Nova Geração, mas, agora, retorna à forma original, tendo Povill como diretor. Além desses episódios, também estão filmando "Blood and Fire", que havia sido escrito por David Gerrold para a NG em 1987, mas foi recusado à época.

Nos próximos episódios, o modelo de CGI da Enterprise vai ser alterado para tomar as feições que teria tido na Phase II original. É uma espécie de versão mais modesta da grande reforma que Probert desenhou e que se materializou no primeiro filme de cinema, em 1978.

Em particular, eu gostaria de comentar o quarto episódio, “World Enough and Time”. Trata-se de mais uma versão de A tempestade, de Shakespeare (e faz a referência). A produção visual é perfeita e começa com Takei revivendo o Capitão Sulu a bordo de sua Excelsior. Em um flashback, voltamos aos tempos da série Clássica e a Enterprise invade a Zona Neutra para resgatar um cargueiro em perigo, fazendo referência retroativa ao Kobayashi Maru. Há um breve entrevero com algumas Aves de Rapina (magnìficamente representado em CGI como as séries nunca conseguiram), e a Enterprise é aprisionada em um fenômeno cósmico. Òbviamente, começa uma corrida contra o tempo para libertá-la antes que seja destruída, e, para colher dados, Kirk envia o Tenente Sulu, que é interpretado por um ator tão jovem quanto Takei era em 1969. No retorno à Enterprise, ocorre um acidente com o teletransporte (sempre ele, mas em fan film a gente perdoa, porque é isso que a gente quer, até cair em coma alcoólico no drinking game). Por causa do acidente, quem volta para bordo é um Sulu trinta anos mais velho, que revive seus velhos tempos de Star Trek tanto quanto George Takei, que lhe dá vida.

O episódio só peca por ter mais de uma hora, extrapolando a duração dos originais em 20%. A meu ver, o problema foi não terem sabido cortar uma porção de diálogos que não contribuem para a história.

Não vou contar mais, mas sugiro baixar e assistir essa homenagem bem feita à série Clássica de Jornada nas Estrelas. O linque para "World Enough and Time" está aqui.

***
Não se pense que eu só esteja falando mal do Acordo Ortotrágico para ser do contra. Justiça seja feita: as regras para os hífens são mais claras agora. Antes, eram muito casuísticas, mas agora são sistemáticas.

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Recém-lidos: Guia prático da nova ortografia, de Douglas Tufano; 1a. edição, agosto de 2008, Melhoramentos, ISBN 978-85-06-05464-2;
Little Lost Robot, conto de Isaac Asimov em I, Robot;
Tales of the Teen Titans #41 (abril de 1984), Baptism of Blood, publicada em The New Teen Titans: the Judas Contract.

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28 fevereiro 2009

Segundo e iconoclástico resmungo contra o Acurto Ortográfico

Até dezembro de 1971, usavam-se acentos diferenciais no Brasil. Naquele ano, por força da lei 5765, deixamos de usá-los. Com isso, deixamos de diferenciar acerto (substantivo: eu acertei, isso foi um acerto) de acerto (do verbo acertar).

Haverá quem diga que o contexto sempre nos permitirá dizer qual das duas palavras está sendo usada. É verdade. Só que, com isso, o texto fica mais difícil, você leva mais tempo na leitura, tem que espremer mais raciocínio que seria melhor empregado interpretando o texto inteiro do que só uma palavrinha. O texto sofre, fica menos fluido, sua velocidade de leitura cai. Eu, pelo menos, sempre fico mais revoltado quando isso acontece.

Posso dar um exemplo de como a reforma de 1971 piorou minha vida sob alguns aspectos. Existe um livro de Monteiro Lobato chamado A reforma da Natureza (não da ortografia). A passagem mais criativa é onde Emília imagina papel nutritivo e com sabor, sugerindo que a fome do corpo seja tratada junto com a do espírito, de uma vez só. Você leria e, ato contínuo, comeria seu livro. Eis aqui o trecho original (cortesia do Scribd, onde você viola direitos autorais sem ser perturbado):

"-- Muito simples. Em vez de impressos em papel de madeira, que só é comestível para o caruncho, eu farei os livros impressos em um papel fabricado de trigo e muito bem temperado. A tinta será estudada pelos químicos -- uma tinta que não faça mal para o estômago. O leitor vai lendo o livro e comendo as folhas; lê uma, rasga-a e come. Quando chega ao fim da leitura está almoçado ou jantado. Que tal?

"A Rãzinha gostou tanto da idéia que até lambeu os beiços.

"-- Ótimo, Emília! Isto é mais que uma idéia-mãe. E cada capítulo do livro será feito com papel de um certo gosto. As primeiras páginas terão gosto de sopa; as seguintes terão gosto de salada, de assado, de arroz, de tutu de feijão com torresmos. As últimas serão as da sobremesa -- gosto de manjar branco, de pudim de laranja, de doce de batata."

Quando li esse trecho pela primeira vez, interpretei essa última ocorrência da palavra gosto como o verbo gostar: eu gosto. Foi só anos depois que descobri que era o substantivo, sinônimo de sabor.

Como poderia Lobato ter resolvido a ambigüidade? No original mesmo, publicado lá pelos anos 40, ela estava resolvida, porque ele pôs acento em gôsto. Nos exemplares pós-1971, tratando-se do verbo, ele poderia ter posto um pronome reto eu, mas, no caso do substantivo, a ambigüidade não tem cura: você fica sem saber mesmo.

Apesar da "solução" de 1971, alguns acentos diferenciais permaneceram: pêra, pára e devo estar esquecendo outros.

Mas, agora, nossos Acadêmicos (que mais parecem os do Salgueiro do que os da Academia Brasileira de Letras) decidiram que não poderiam manter meio erro: tinham, por coerência, que ir até o fim e cometer um erro inteiro. Então, pelo novo Acordo Rotográfico, aboliram os acentos diferenciais que ainda restavam. Está lá, falaciosamente, no Anexo II do Acordo, item 5.4.1:

"As razões por que se suprime, nestes casos, o acento gráfico são as seguintes:

"a) Em primeiro lugar, por coerência com a abolição do acento gráfico já consagrada (...) pela Lei nº 5.765, de 18/12/1971 (...)"

As regras já não fazem sentido, a grafia já não tem lógica. Eles dizem que a pronúncia foi o principal critério da reforma, porém refazem as regras de modo que você não tenha como descobrir a pronúncia de nada a partir da leitura.

***
Podia ter sido pior. De acordo com o mesmo Anexo II, o acordo de 1986 abordou o fato de que algumas palavras levavam acento circunflexo no Brasil e agudo em Portugal (p.ex.: cômico x cómico). Para resolver esse problema, trouxe uma solução muito simples: pretendeu abolir TODOS os acentos da língua. O acordo de 1986 só não foi adiante porque os portugueses o rejeitaram em massa. Aí, os luminares decidiram repensar o caso e descobriram que, puxa vida, olha só, essa dupla acentuação só acontecia em 1,27 % (sim, isso mesmo: um vírgula 27 por cento) das palavras acentuadas! Por causa delas iam eliminar TODOS os acentos!

Repensado o caso, os gênios da Lexicologia descobriram que a eliminação dos acentos traria algumas dificuldades, a saber:

- ao ler as palavras, todo o mundo correria o risco de passar a pronunciá-las errado;

-ao aprender palavras pouco usadas (especialmente as de uso científico), o leitor correria o risco de aprender a pronunciá-las errado;

- de modo geral, seria mais difícil aprender a língua;

- ficaria mais difícil descobrir se o Autor de um texto estaria dizendo análise ou analise ("contanto que eu analise"), fábrica ou fabrica ("a Embraer fabrica aviões"), etc.

Vem cá. Primeiro, os caras resolvem abolir 98,73% dos acentos porque os outros 1,27% têm grafia variável; depois de rejeitada a medida, descobrem que era melhor avaliar o caso antes de tomá-la; e, finalmente, descobrem que sem os acentos ninguém ia mais conseguir ler nada? Qual foi a parte que eu perdi?

Tenho mais perguntas. Vocês já notaram que isso só acontece entre Brasil e Portugal? Nunca ouvi falar de ter havido imbroglios assim entre, por exemplo, a França, a Bélgica e o Canadá; ou entre Reino Unido, Estados Unidos, Austrália, África do Sul e Nova Zelândia. Só nós, os numerosíssimos países falantes do português, é que ficamos dando essas voltas.

E pra que mudar se a gente continua conseguindo ler tudo?

***
Da última vez, comentei que havia algumas próclises e ortografias proibidas no texto do Acordo. Pra que não se pense que estou inventando ou que os exemplos são poucos, trago-vos mais alguns:

- No Anexo II, item 5.3(b): "com a possibilidade de, sem acentos gráficos, se intensificar a tendência (...)".

- No Anexo II, item 5.4.1(a): "cor (ô), substantivo, e cor (ó), elemento da locação de cor;" -- exceto que o certo é locução, não locação! Não tem ninguém alugando nada!

- No Anexo II, item 7.1: "Se, de fato, se abolisse o uso restritivo (...)"

Veja bem, não é que tenha que sair perfeito. É que quem está cagando a regra são eles. Então, quem tinha que PRESTAR ATENÇÃO no que está fazendo e FAZER CERTO são eles, não eu!

***
Já que não dá pra respeitar o que esses caras escrevem, estou pensando sèriamente em esquecer tudo isso. Estou -- juro -- disposto a voltar a escrever conforme pré-1971, com todos os acentos diferenciais que foram extintos então -- e olha que nasci depois da reforma de 71. Assim, no trabalho eu vou até respeitar o Acordo. Mas, aqui no belogue e no Cantinho, realmente cogito se não vou passar a escrever cabêlo e obsoléto (sim, eu sei que obsoléto não levava acento).

***
Recém-lidas:
Action Comics #544 (junho de 1983), primeira história, publicada em Superman 70 anos no. 3 (dezembro de 2008);
Green Lantern #172 (janeiro de 1984), primeira história, publicada em Coleção DC 70 anos no. 2 (junho de 2008);
The New Teen Titans #39 (fevereiro de 1984) e #40 (março de 1984), publicadas em The New Teen Titans: the Judas Contract.

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25 fevereiro 2009

De início, a idéia me pareceu ótima. Adquiri-a em visita à casa de T'Riet e Othon, em Houston. Foi assim: fiqui aqui ao computador o dia inteiro e, como faz muita gente, pus uma trilha sonora no drive. Exceto que, em vez de CD ou Media Player, a trilha era um DVD, que ficou rodando. O vídeo até estava ligado, mas eu queria era ficar ouvindo, com todos os diálogos e efeitos sonoros.

Um dos DVDs que rodei hoje foi Star Trek: the Motion Picture, edição do diretor (outros foram outros filmes da seqüência).

Pronto: agora à noite, meu cérebro não pára de ficar reproduzindo a música do encontro dos klingons com V'Ger. Inteira, com todas as trompas, fagotes, violinos e violoncelos. Quando acaba, começa de novo.

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Primeiro e improvável elogio

Antes: minha irmã me ligou alguns minutos atrás para dizer que o Salgueiro foi campeão do desfile de Carnaval no Rio e que, por isso, estão falando em fechar a praça Saenz Peña para comemorar. Para bom entendedor, meia frase basta: isso signif tudo mij e vomit, vdros quebr, tiros ocasion, tmlto e depred generaliz. Ah, que maravilha morar numa terra de tanta brasilidade, tanta malemolência, tanta ginga e selvageria.

E agora, vamos à mensagem de hoje.

***
Eu vivo falando mal de tudo. Então, para variar do padrão, hoje vou elogiar uma pequena peça tecnológica.

Meu computador anterior rodava Windows 2000. Nessa versão do sistema, o Windows Explorer permite a busca de arquivos: você indica o diretório onde o arquivo deve estar, o nome do arquivo, parte dele ou uma seqüência de texto contida nele, e ele encontra o arquivo para você. Um dos problemas é que essa busca é muito lenta.

Até que instalei o Vista (não tive escolha: veio assim de fábrica). A busca de arquivos do Windows Explorer é desastrosa. Ele só tem um campo para você preencher com palavra-chave, que pode ser o nome do arquivo ou texto contido no arquivo. A busca é extremamente lenta e, depois de alguns testes, confirmei que o Windows não conseguia encontrar um determinado arquivo ainda que fosse o único do diretório e eu apontasse qual diretório era esse. Além disso, retorna resultados que não se enquadram nos parâmetros de busca apontados -- ou, em outras palavras, que não têm nada a ver com o que eu procurava e que só me fazem perder tempo. Devem ser os algoritmos heurísticos da Micro$oft. Sabemos no que deu o último computador que foi concebido para ser programado heuristicamente.

Então, fui à Web e catei uma meia dúzia de programinhas de busca ou gerenciamento de arquivos. Encontrei uma pequena maravilha chamada Effective File Search 5.5, de uma empresinha chamada Sowsoft. É um sharewarezinho básico como há décadas estamos acostumados a ver.

Sem sacanagem: o programa é levíssimo e rápido como um trem britânico em passagem de nível. A melhor parte são as opções de busca: você pode especificar tamanhos mínimo e máximo do arquivo que está procurando, data mínima e máxima, e texto contido no arquivo. Tamanhos e datas já ajudam pra caramba: você sabe que baixou aquele PDF entre dezembro de 2007 e março de 2008, sabe que pesa mais de 100 kB mas menos de 1 MB, só esqueceu o nome. Além disso, ele te dá operadores booleanos: é a opção de procurar arquivos com um nome “ou” outro nome, “e não” aqueloutro nome.

E é rápido. Mal você clica OK, ele já te dá os resultados precisos que você estava procurando, sem a demora inútil e burra do Vista. Para minha surpresa, descobri recentemente que ele dá alguns poucos resultados falsos, mas nisso não se compara ao Vista, que gera muito mais resultados falsos do que verdadeiros. E, como ele gera poucos resultados, é muito mais fácil identificar os falsos e verdadeiros do que no Windows, onde você fica um tempão rolando a tela para chegar no arquivo que procura.

Na instalação, o EFS ainda insere um atalho no menu de botão direito do Windows Explorer. Ali, onde você costuma encontrar “explorar’, “copiar”, “colar”, “excluir”, “criar atalho”, agora tenho também “effective search”.

Usuários de shareware têm o hábito de continuar usando a versão que baixaram e considerar que sejam apenas um mal necessário aqueles popups de lembrete “registre-se já para ter a versão pro”. No caso do EFS, o programa simplesmente pára de funcionar após trinta dias. Mas é tão bom que me fez pensar na justiça de retribuir a quem o criou da maneira mais justa e, além do mais, eu realmente queria continuar a usá-lo honestamente. Então, abri a mão: fui ao saite, paguei os R$ 70 pela licença, e eles me enviaram o código de desbloqueio por email. Bastou clicar e voilà, está funcionando para sempre, sem popups e sem spyware ou algum outro código malicioso oculto (meu firewall é um Comodo 3.5, sensível e atento. Eu saberia). Dinheiro bem e justamente gasto.

Um usuário mais avançado poderia argumentar que o EFS não valesse R$ 70, já que, certamente, foi construído em cima de um código mixuruca que um micreiro das antigas conseguiria imaginar na sua garagem em menos de meia hora. Mas você paga pela comodidade: eu não sei escrever o código de busca mixuruca. Tenho certeza de que seria fácil aprendê-lo, mas quanto tempo tenho? Então, prefiro pagar a quem me fez o conveniente e gentil serviço de trazê-lo pronto.

É assim: a empresa faz um programa eficaz, leve, simples, eficiente, e o cliente satisfeito a remunera por isso. Tão satisfeito que ainda faz propaganda de graça. É assim que devia funcionar com todos: dinheiro honesto ganho de maneira honesta.

Recém-lidas:
Wonder Woman #286 (dezembro de 1981), primeira história, publicada em Coleção DC 70 anos no. 3 (julho de 2008);
Justice League of America #200 (março de 1982), páginas selecionadas publicadas em Coleção DC 70 anos no. 5 (setembro de 2008).

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20 fevereiro 2009

O Carnaval começou bem

Acabo de ler que Sérgio Naya morreu hoje na Bahia. Sòzinho.

Para uma família, deve ser muito triste ler os comentários que já começaram a aparecer no saite dO Globo: "já foi tarde", "tomara que o túmulo desabe" etc. Mas você colhe o que planta.

Até há pouco, a riqueza do ex-deputado estava inatingível, impedindo o pagamento de suas vítimas. Diz o mesmo saite que o advogado delas considera que, agora, vá ser mais fácil encontrar esses bens, porque, para que sejam herdados, terão que aparecer em juízo.

Infelizmente, discordo. Existem meios e modos, especialmente em um país ainda não informatizado. Além disso, os interessados sempre poderão continuar a curtir a fortuna sem que ela esteja em seu nome, quanto mais não seja porque ninguém virá reclamá-la. Formalidades jurídicas não importam quando o exercício do poder se faz na vida prática.

Mas o comentário mais sábio que li foi também o mais sucinto (como costuma ser): a esta hora, ele está curtindo a vida no Taiti.

Recém-lidos: Catch That Rabbit e Liar!, contos de Isaac Asimov em I, Robot;
Justice League of America #168 (julho de 1979), publicada em Coleção DC 70 anos no. 5 (setembro de 2008);
Super-Star Holiday Special (abril de 1980), segunda história, publicada em Coleção DC 70 anos no. 6 (outubro de 2008).

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19 fevereiro 2009

Macacos entre os leitores

Em inglês, quando um texto é um absurdo, costuma-se dizer que foi escrito não por um ser humano, mas por um macaco treinado.

Aí, um jornal nova-iorquino satirizou recente incidente onde um chimpanzé foi morto a tiros pela polícia: uma charge mostra o chimpanzé morto e um policial dizendo ao outro, "vamos ter que encontrar outro para escrever os pacotes de incentivo econômico".

No saite dO Globo On, o que não falta à notícia são comentários irados (43 até agora), acusando o jornal de extremo racismo contra o Obama.

Convém não esquecer que não é o próprio Obama quem escreve as leis que aprova; que o verdadeiro Autor é o Congresso.

Acho que o racismo está na cabeça de quem comenta. De onde estou vendo, eles confessam que consideram o Obama comparável a um macaco -- não necessariamente o cartunista considera.

Recém-lidas:
Justice League of America #166 (maio de 1979) e #167 (junho de 1979), ambas publicadas em Coleção DC 70 anos no. 5 (setembro de 2008).

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18 fevereiro 2009

Primeiro grande resmungo sobre o Aborto Ortográfico

Conforme eu disse há mais de uma semana, estou mesmo estudando esta desgraça lingÜística (orgulhosamente a favor do trema -- ainda vai ter passeata em defesa dos tremas discriminados).

Uma das dificuldades com que já me deparo é que não posso confiar no texto do próprio Acordo conforme baixei do saite da Presidência. Granted, os textos legais de lá sempre dizem que não substituem o original publicado no Diário oficial. Mesmo assim, quem é que vai ler direto no D.O.? A gente baixa e confia. Exceto que não.

Por exemplo: em português, é proibido usar pronome oblíquo depois de vírgula. Isso não tem nada a ver com ortografia; é regra de sintaxe. Mas veja o que encontrei no texto:

"... entre os princípios em que assenta a ortografia portuguesa, se privilegiou o critério fonético..."

Além disso, encontrei alguns casos de vírgula entre sujeito e predicado (uma heresia que nem a tiro de canhão 37 a gente consegue extinguir) e a estranha esquizofrenia segundo a qual, às vezes, o texto suprime o trema em sua própria redação (antecipando aquilo que ainda não estava em vigor), mas outras vezes não.

Nesse ponto, pergunto-me se estou estudando no exemplar correto do Acordo. Mas, então, onde?! No saite da Academia Brasileira de Letras, talvez? Lá não tem.

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Ontem, uma advogada veio me dizer que, agora, cocô não vai mais ter acento. Eu contestei que sim, vai continuar a ter acento sim, já que é oxítona terminada em o. E fiquei indignado: como poderiam, como ousariam tirar os acentos das oxítonas terminadas em a, e, o? Não pode; a tendência natural da língua portuguesa é fazer de todas as palavras paroxítonas, o que faz com que essas oxítonas tenham que ser acentuadas para indicar que saem do padrão. Com a displicência de quem vê que vai levar o xeque-mate, ela saiu dizendo que não sabia e que, segundo o Globo Esporte, não saberemos mais o que estaremos comendo: se côco ou se outra coisa.

Primeiro: então Globo Esporte virou autoridade em matéria de ortografia?

Segundo: essa anedota (real embora) revela um aspecto mais profundo e mais nefasto do Acordo Ortopédico. A esta altura, já tem gente acreditando que TODOS OS ACENTOS VÃO CAIR! Para alguns, seria muito conveniente não ter que acentuar mais nada: não precisariam aprender aquilo que nunca souberam.

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Apidêite do apedeuta: na caixa de comentários, aqui no final deste texto de hoje, você vê o estranho caso de uma professora que declarou a sua turma que não vai ensinar-lhes a reforma e que, na verdade, a reforma oficial mesmo é só em 2010. Não sei de onde ela tirou que o Acordo não seja oficial, nem de onde sacou 2010. Se tivesse lido o texto do Acordo, veria que o fim da transição é em 2012. Aliás, deve ser de propósito, para coincidir com o fim do mundo conforme o calendário maia e, assim, ninguém ter que aprender nada.

Agora, essa "professora" mostra uma atitude comuníssima em brasileiros, especialmente os que declaram imposto de renda: vai deixar para o último minuto, e nem um segundo antes. Uma vergonha.

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Procurando por outra coisa, deparei-me com esta coleção de pequenos textos de George Orwell. Se você clicar neste linque que estou fornecendo, vai cair em um ensaio interessantíssimo, publicado em 1945, ainda atualizado (como, de resto, 1984 também está) e chamado Politics and the English Language. Trata-se de uma sagaz análise sobre como a língua inglesa está se deteriorando e como essa deterioração facilita, ou melhor, é aproveitada para finalidades políticas escusas que acabam por retroalimentá-la positivamente.

A leitura é fluida e acaba servindo como uma versão resumida do apêndice de 1984 (inédito à época mas perto de ser concluído), no qual Orwell descreve a criação do Newspeak, a "nova linguagem" do Partido de sua distopia. Faz tempo que estou com vontade de traduzir as passagens mais relevantes desse apêndice, que é uma espécie de manual do método mediante o qual o Partido pretende reduzir a possibilidade de discursos não ortodoxos. Extinguindo-se palavras da língua e amarrando-se a sintaxe, torna-se impossível a formulação de certos conceitos. De fato: se você não tem um nome para sua idéia, você não consegue comunicá-la a outros e, na verdade, será impossível conduzir raciocínios com ela. Efetivamente, a idéia se tornará inconcebível. Diferentemente das demais línguas, Newspeak não pretende expandir, mas limitar a variedade de pensamentos possíveis.

Em particular, há um trecho do ensaio que ecoa com precisão uma passagem do livro. É onde ele menciona que, ao meramente repetir o discurso ortodoxo, você se torna um autômato, e sua laringe emite sons sem que o cérebro disso se aperceba, anestesiado como está. Se a luz bater no seu óculos e fizer determinado reflexo, vai parecer que o óculos são discos brancos, sem olhos por trás, indicando que ali não há uma pessoa. Ora, essa é exatamente a descrição que ele faz de um sujeito que repetia o discurso vazio do Partido na segunda cena do refeitório em 1984.

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Recém-lidas:
Superman #292 (outubro de 1975), primeira história, publicada em Superman 70 anos no. 3 (dezembro de 2008);
The Flash Spectacular (DC Special Series #11, fevereiro de 1978), publicada em Coleção DC 70 anos no. 4 (agosto de 2008);
Batman Spectacular (DC Special Series #15, verão de 1978), terceira história, publicada em Coleção DC 70 anos no. 6 (outubro de 2008).

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09 fevereiro 2009

Chewbacca defense at the Academy

Genuìnamente tentando estudar o Acordo Ortográfico. Mas, como podem ver, ainda escrevo pelas regras anteriores a 1971, onde genuìnamente levava acento grave.

Pois é, como dizia meu professor de Direito civil, um lodaçal. Base XI, item 2o., alínea "a", exemplifica uma regra para proparoxítonas com a pura expressão de como me sinto: "sôfrego, sonâmbulo, trôpego".

O texto do Acordo, conforme baixei da página da Presidência, vem com alguns erros de transcrição que me fazem perder a fé nesse que é o conteúdo oficial divulgado pelo governo. Então, fui procurar o mesmo texto na Biblioteca Nacional. Para minha alegria, de lá salvei um PDF, que, depois constatei, sofre de mutilação textual: algumas linhas foram suprimidas e delas só vemos as cabecinhas de algumas letras. Deve ter sido na conversão de Word para PDF.

Amargurado, procurei o saite da Academia Brasileira de Letras, o STF de nossa língua, Grandes Pajés da tribo, doutos exegetas das Tábuas da Lei, autoridades máximas a quem nos voltarmos em momentos de grande comoção, confusão e consternação nacional.

Olha só o que encontrei na página de apresentação da ABL!

"Composta por 40 membros efetivos e perpétuos, eleitos em votação secreta e 20 sócios correspondentes estrangeiros, (...) tem por fim o cultivo da língua e a literatura nacional."

Que me perdoe o Alex Castro, mas este é um momento em que não se pode errar no português. Saite da ABL não é notinha de rodapé nem aula de Matemática. Então, vali-me de um serviço que a Academia oferece, no qual você manda sua dúvida de Português e a instituição responde. Taqui a missiva.

"Na página de apresentação da ABL ('Quem Somos'), encontra-se o seguinte trecho:

"'Composta por 40 membros efetivos e perpétuos, eleitos em votação secreta e 20 sócios correspondentes estrangeiros,'

"Minha dúvida é: não falta uma vírgula após o aposto? Assim: '40 membros efetivos e perpétuos, eleitos em votação secreta, e 20 sócios...'

"Uma segunda dúvida é motivada pelo seguinte trecho: 'tem por fim o cultivo da língua e a literatura nacional'.

"Conforme está redigido, o texto poderia reduzir-se a dizer que a ABL tem por fim o cultivo (da língua) e a literatura. O cultivo e a literatura. Há simetria nesse texto? Não seria mais cabível dizer '... o cultivo da língua e DA literatura nacional'?

"Uma terceira dúvida: se a missão da Academia é a preservação (ou, em suas palavras, o cultivo) da língua, não deveria sua página de apresentação ser a primeira a dar o exemplo? É bem verdade que o texto continua compreensível conforme está, mas seu objeto não é outro assunto, nem a língua é nele meramente instrumental. De fato, é a página de apresentação, a oportunidade primeira de se estabelecer um padrão e demonstrar autoridade sobre a matéria. Se falhar a ABL, bastião mais nuclear da língua, é que nada mais há. A ela se volta o cidadão em busca de raízes -- para sua frustração.

"São minhas dúvidas para hoje."

Cabe um debate sobre a melhor concordância: "da língua e da literatura nacionais"? Mas preferi não entrar nisso; a falta de simetria era mais chocante.

Veja bem, não estou criticando alguma página informal da Web. Saite da ABL é coisa séria; é lugar onde eles têm que ser os primeiros a dar o exemplo. O padrão para eles tem que ser muito mais alto do que para mim, porque eles têm que ser o padrão.

Se for para fazerem como está, melhor fechar a porta e ir pra casa. Se bem que, conforme ouvi quando comentei isso, o Brasil inteiro tem que fechar a porta e ir pra casa.

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Apidêite em 15/02/2009: hoje recebi um email de resposta da Academia: "concordamos com suas palavras". Mas não mudaram nada no saite!

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A transitoriedade da arte

Um artista de nome Scott Wade mora em uma estrada de terra. Essa terra é feita principalmente de calcário, que deixa uma poeira bem fininha. Todo carro que percorre a estrada a mais do que a velocidade de uma tartaruga a galope (inclusive o carro de Wade) levanta atrás de si uma nuvem de poeira branca que forma um filme no vidro traseiro.

Deparando-se com uma tábula rasa para a arte toda vez que sai com seu carro, Scott gerou este magnífico resultado.

Recém-lida: Justice League of America #122 (setembro de 1975).

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07 fevereiro 2009

Talvez um disruptor assustasse mais

Saiu no Denver News: câmeras de vigilância flagram ladrão assaltando uma 7-Eleven com uma bat'leth. Exceto que não era uma bat'leth de verdade, mas uma miniatura.

O melhor são os comentários:

"A 7-Eleven tinha que mandar os caixas guardarem tribbles atrás do balcão para eventualidades como essa."

"Sim, mas o grão não pode estar envenenado."

"Essa é uma boa hora para a 7-Eleven usar borgs como seguranças. 'We are the Borg. Robberies are futile. You will be assimilated into prison. Existence, as you know it, is over . From this time forward, you will service inmates in prison.'"

"This man shows no honor, and brings disgrace upon his family."

"Aposto que havia bloodwine envolvido."

"É uma pena ver que a crise abalou até o Império Klingon a ponto de recorrerem ao crime."

"Isso já aconteceu no episódio 55. Acho que os romulanos estão envolvidos e deveriam ser investigados."

"Today is a good day to rob!"

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Apidêite

Alguns especialistas atentos denunciaram que não era realmente uma bat'leth, mas uma Valdris. Não era sequer uma arma klingon. Falha minha, pois eu deveria saber disso. Afinal, klingons não são manés.

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06 fevereiro 2009

Bioética para quem gosta de saifai

Agora que o Genoma está decifrado, a Genética anda brincando com algumas potencialidades bem sérias que, até pouco tempo atrás, só interessavam a quem gostava de ficção científica. Em particular, existe uma possibilidade (bastante concreta mesmo que hoje ainda não esteja disponível) de os pais interferirem no código genético de seus filhos.

Abstraindo de governos totalitários e seus padrões eugênicos (Admirável Mundo Novo, alguém?), muita gente concordaria em se valer disso. Eu sou um deles. Afinal, você aproveitaria toda chance de evitar que seu filho nascesse com alguma doença séria, ou autismo, síndrome de
Down, diabete ou mesmo alguma perturbação menor, como miopia. Queremos o melhor para nossos filhos, não é verdade?

Mas para quem faríamos isso? No momento em que interfere no genótipo, você pensa que está favorecendo seu filho. Está mesmo? Considere que ele ainda não existe. Você não está dando nada a ninguém, porque o donatário não está lá para receber. "Ah, mas está sim, estará aqui no futuro, vai aproveitar os benefícios no futuro." Sim, mas seu filho, hoje, não recebe nada, porque não existe. Existe um conjunto de células, ou apenas uma célula, com a qual você interfere. A conseqüência é uma criança saudável, mas a criança saudável já nasce assim. Para ela, nunca houve um estado não saudável, nem mudança de um estado para outro. Ela sempre foi saudável. Você poderia pensar, "tem que me agradecer por isso, sem interferência não teria nascido assim". Não teria, mas teria nascido de algum jeito. Ou não teria nascido. Para ela tanto faz, porque, seja como for que nasça, dali para a frente ela vai se virar, vai continuar existindo. O filho dirá lìcitamente ao pai: você não ME fez nada. Fez alguma coisa, mas não a mim, porque não havia eu. Qualquer coisa que tenha sido feita à criança, só terá sido feita depois de seu nascimento (essa vírgula era proibida, mas útil à compreensão da frase).

Considere, ainda, que o embrião não teve escolha nem foi ouvido. Imagine a possibilidade de que, afinal, ele escolhesse nascer como Down. A convenção social dirá que ele seria infeliz e que essa escolha não faz sentido. Mas lembre-se de que o Down pode não saber que é Down. A vida nunca foi de outro jeito para ele, assim como o cego que nasce cego não sabe o que é enxergar, nem, portanto, tem padrão de comparação. A vida, para eles, sempre foi isso, então é possível que estejam satisfeitos. É como a Matemática do colégio onde estudei, que era ensinada pelo método
Papy. Diziam-me: esse método é mais difícil, não é? E eu, perplexo, perguntava: mais difícil do que o quê? Não conheço outra; para mim, Matemática é isso.

Se o embrião não tem escolha, será que o estamos beneficiando? Se o embrião ainda não é gente (aliás, não é nem embrião: é zigoto), não existe ainda a pessoa. Na óptica do Direito, não existe o sujeito de direitos; ele não tem direitos nem liberdade, porque, antes de tudo, ele não é. Não confunda com uma situação em que a pessoa está dormindo, ausente, em coma ou de outro modo incapacitada. "Você não estava, então eu tomei a liberdade de lavar a louça." "Você ainda estava na barriga de sua mãe, então reprogramamos suas células." Não. Nessas frases, não haveria o "você" nem o "suas". Ninguém é destinatário dessas ações, porque a pessoa não existe, nem sequer o feto. Não há ninguém na barriga da mãe.

Mas estamos beneficiando alguém. Precisando de uma resposta, meu foco se volta para o outro interessado: os pais. Submeto esta hipótese a sua apreciação: ao escolher características genéticas do filho, os pais não beneficiam o filho; beneficiam a si mesmos. Preocupam-se com suas escolhas, com seu bem-estar, seu alívio de ter um filho com tais ou quais atributos. Atenção: não estou dizendo que estejam errados, nem estou dizendo que não amam os filhos. É só que, enquanto o filho não nasce, não há nem o "a quem" amar. Estou só apontando quem realmente é o interessado na manipulação genética. Se pensarmos no filho, a pergunta nem se aplica: enquanto ele nem existe, não faz sentido dizer que o "quem" seja ele. Ele só existe depois que já houve a manipulação.

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Em outro tópico, estive novamente no KFC da rua São José, no Centro do Rio de Janeiro. É impressionante: de todas as vezes em que fui lá e pedi uma refeição, nunca acertaram meu pedido. Eu digo: feijão, salada KFC e purée de batata. Eles trazem arroz, salada KFC e purée de batata. Ou: feijão, salada KFC e arroz. Ou: feijão, salada KFC e farofa. Ou: feijão, arroz e batata frita. É consistente mesmo, tem direito até a certificação ISO 9000: erram meu pedido em 100% das vezes.

Pergunta Tostines: eles são desqualificados porque o salário é baixo ou o salário é baixo porque são desqualificados? Do alto de minha crueldade resmungona liberalista, acredito na segunda hipótese. A óptica do coitadismo preferirá a primeira.

Beiços-caídos no KFC me fazem pensar em eugenia profilática.

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Recém-lido: Reason, conto de Isaac Asimov onde, a partir do raciocínio lógico, um robô se torna um fanático religioso.

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Os encargos suspensos

Às vezes eu comento como a imprensa brasileira anda açodada e como tem gente desqualificada nas redações, agindo na contramão dos jornalistas responsáveis que não merecem meu enxovalhamento.

Olhem só esta. O Yahoo! Brasil reproduz a Agência Estado, que teria criado a seguinte matéria.

http://br.noticias.yahoo.com/s/06022009/25/mundo-juiza-retira-acusacao-prisioneiro-guantanamo.html

O texto diz assim: "A juíza Susan J. Crawford, que supervisiona os julgamentos por terrorismo na base militar norte-americana de Guantánamo, retirou ontem as acusações contra (...) um suposto terrorista saudita da Al-Qaeda (...)"

Juízes não "retiram acusações". Juízes julgam. Quem acusa (ou "retira acusação") é uma das partes do processo -- no Brasil, é o Ministério Público, que, aliás, está impedido de "retirar acusações". Lá não sei quem faz isso. Sei que é um órgão estatal, mas o que importa é que não é a própria juíza.

O texto prossegue: "Os encargos contra al-Nashiri representavam o último caso em andamento por crimes de guerra..."

Não tem algo soando estranho, não? Que "encargos" poderia haver contra ele? Em casos assim, costumo retraduzir para o inglês. "The charges against al-Nashiri..." Charges são acusações, não "encargos". Sabe o que foi que causou isso, né? O bom e velho controlcê-controlvê. Usa-se um programa de tradução automática (Babylon, Babelfish etc.) e joga-se no texto aquilo que sai, sem nenhuma crítica.

Mais adiante, a matéria diz que "O porta-voz do Pentágono Geoff Morell disse que Susan retirou as acusações contra al-Nashiri sem entrar no mérito do processo." Isso confirma minha dedução acima: de que a juíza extinguiu o processo desconsiderando as acusações, mas não as "retirando". Está faltando técnica. Está faltando, mais do que tudo, PESQUISA. Olha só o que diz o texto original (que achei aqui): "On Thursday, two Obama administration officials said that the charges against al-Nashiri will be dismissed without prejudice. That means new charges can be brought again later." "Dismiss" uma acusação não é "retirá-la", mas desconsiderá-la, deixar de julgá-la.

O Cardoso tem razão: os caras querem ter conteúdo, mas só o que fazem é repetir o dos outros, sem nenhuma contribuição própria, sem dedicar um iota a pensarem no que estão escrevendo. Fala-se muito em reações rápidas, mas não adianta reagir rápido se só o que sai são barbaridades.

Agora, entrando no mérito. Alguns dias atrás, eu soube que o Obama tinha mandado suspender os processos contra os prisioneiros de Guantánamo. Quem olhar de fora pode pensar que isso é uma indicação de mudança de ânimo no sentido de libertá-los. Mas observe um detalhe: se o réu está preso, o que mais lhe interessa é que o processo ande. Assim haverá resolução e ele ou irá logo para a rua, ou ficará preso mais tempo -- mas terá uma duração definida para sua pena, cujo cumprimento começa a contar imediatamente. Já se o processo é suspenso, ele continua preso indefinidamente, sem ainda ter iniciado o cumprimento de sua pena, estendendo um tempo de prisão que não conta (aos bacharéis: estou presumindo que não haja detração penal [CP, art 42] nos Estados Unidos, ou que, havendo, eles não a apliquem aos terroristas). Muito ruim para ele. Então, isto que é anunciado como grande salvação pode ser, na verdade, um agravamento da situação desses presos.

Recém-lidas:
Detective Comics #439 (março de 1974), primeira história;
Wonder Woman #214 (setembro-outubro de 1974), primeira história.

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03 fevereiro 2009

A geração Y e o distúrbio de deficit de atenção

O Globo On de ontem ainda trazia esta matéria:

http://oglobo.globo.com/economia/seubolso/mat/2009/01/31/comeca-chegar-ao-mercado-turma-que-nao-conheceu-mundo-sem-internet-754222883.asp

Ela diz que "A capacidade de realizar várias tarefas ao mesmo tempo é uma das características desses jovens, que cresceram em meio à velocidade e enxurrada de informações da era digital."

Discordo fundamentalmente. Não, essa capacidade não é uma das características deles. Pelo que tenho constatado no ambiente de trabalho e como leitor dos textos dos outros, essa geração, que já nasceu com DDA, na verdade não consegue fazer sequer UMA tarefa ao mesmo tempo. Sai tudo errado.

"Nascidos a partir da metade dos anos 80, aprendem e se adaptam a novas situações com facilidade."

Aqui tenho outra discordância. Não, eles não se adaptam com facilidade. Eles não se adaptam, ponto. Ficam só te olhando e querem tudo pronto.

"Proporcionalmente, são mais ousados e criativos."

Ousados são, como todo adolescente. Criativos nunca. Aliás, é pior: não apenas imitam descaradamente como esperam que você os premie pela suposta criatividade. Questionados, reconhecem quem teve a idéia primeiro, bem como o fato de que sabiam disso, mas não admitem que estejam copiando!

Conheço uma moça que, embora seja da minha geração e não da Y, não conhece o conceito de criatividade. Ela tinha o estranho hábito de copiar textos dos outros e apresentá-los como próprios. Parecia julgar que, se trocasse o nome do Autor pelo dela, automàticamente o texto passaria a ser dela, como ela gostaria que tivesse sido. Certa vez, mostrei-lhe alguns desenhos de naves espaciais que eu havia feito. Respondeu-me elogiando e perguntando de onde eu os havia copiado. Mas não perguntou em tom de deboche, não: de boa fé, ela realmente acreditava que fosse impossível alguém criar alguma coisa; que, òbviamente, se alguém lhe mostra um desenho (bonito ou feio), é que necessariamente copiou de algum lugar. Imagino que seu cérebro fosse incapaz de alcançar o conceito de que alguém tinha que ter sido o primeiro. Senão, seria como esclareceu o sábio hindu: "it's turtles all the way down".

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Em outra nota, o governador do Illinois, Rod (ou Rob, as fontes divergem) Blagojevich, perdeu o cargo em razão da dificuldade de pronúncia de seu nome. A primeira-ministra da Islândia, Jóhanna Sigurðardóttir, mostrou-se preocupada por ser a próxima.

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Recém-lidos:
Runaround, conto de Isaac Asimov;
Superman #233 (janeiro de 1971), primeira história;
Superman #247 (janeiro de 1972), primeira história;
Batman #250 (julho de 1973), terceira história;
Batman #251 (setembro de 1973).

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30 janeiro 2009

Interpretando a Bíblia

Aqui na Internet, muita gente diz que a Bíblia é um monte de histórias da Carochinha, que é tudo mentira etc. Eu também não acredito em algumas de suas histórias, mas isso não quer dizer que tenham sido escritas de má fé. Prefiro acreditar que tenham sido escritas (ao menos em parte) por gente sincera.

Considere que, naquele tempo, o conhecimento científico era muito incipiente e carente de método. O mundo era grande fonte de assombro; em tudo se via a mão sobrenatural, divina ou otherwise. Além disso, nós, humanos, temos o vício de não narrarmos os fatos objetivamente, mas transmitindo já a nossa própria visão deles, eivada de sentimentos e julgamentos.

Considere, também, o episódio de I Crônicas 13 em que a Arca da Aliança estava sendo transportada em um carro de bois. Um dos bois tropeçou, a Arca quase caiu do carro, e o garoto hebreu Uzá, que vinha caminhando ao lado, estendeu a mão para evitar que ela caísse. Dizia a regra divina que era proibido tocar na Arca. Diz a narração que o pobre Uzá foi imediatamente fulminado por um raio.

Considere, ainda, que a Arca era revestida de ouro e que ela e o carro de bois eram feitos de madeira. Considere, finalmente, que, por décadas e séculos, ninguém tocara na Arca diretamente: só nas varas de madeira com que era transportada.

A madeira é um isolante elétrico. É concebível que, com o roçar das varas e carros durante tanto tempo, a superfície da Arca tenha acumulado um bocado de carga eletrostática. Um dia, o camponês Uzá, certamente descalço sobre o chão do deserto, toca a Arca com seus dedinhos -- e fecha o circuito de aterramento. A descarga flui imediatamente por seu corpo, causando parada cardíaca. Como ninguém sabe fazer ressuscitação cardiorrespiratória, Uzá morre. É claro, isso é só uma hipótese. Não sei quanta carga o revestimento de ouro sustenta sem romper o dielétrico.

Outra explicação plausível para mim é um pouco mais elaborada e exige que o boi não tenha tropeçado tanto quanto ficado inquieto. Considere que uma Arca, sendo transportada pelo deserto, projeta-se uns dois metros acima do chão, destacando-se na paisagem. Suponha que estivesse ameaçando chuva (o que é raro mas acontece). Com o acúmulo de eletricidade estática no ar, forma-se um pouco de ozônio, cujo cheiro os sensíveis animais logo percebem (até nós: é o “cheiro de terra molhada” de antes da tempestade). O boi fica inquieto, a Arca quase cai, Uzá estende a mão e, com isso, conecta a Arca à terra. A Arca atua como um pára-raio, rompe o dielétrico (ainda mais porque está carregada há anos) e um raio realmente cai em cima do garoto.

É claro, isso são apenas hipóteses. Não tenho como testá-las, mas os Mythbusters têm. Nem sou tão bom em Eletricidade, cujo ramo da Engenharia era minha última opção ao fim do curso básico (acabei indo para a mecânica, que era a primeira).

Se eu não for apedrejado por causa dessa mensagem, pretendo vir aqui outro dia e reinterpretar a idade de Matusalém e o Sol parado de Josué. Uma dica: calendários.

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Recém-lidas:
Robbie, conto de Isaac Asimov;
The Flash #155 (setembro de 1965);
Wonder Woman #163 (julho de 1966), primeira história;
The Flash #165 (novembro de 1966);
The Flash #179 (maio de 1968);
Wonder Woman #178 (setembro-outubro de 1968 -- até agora, a história mais influenciada pela Contracultura dos anos 60);
Justice League of America #77 (dezembro de 1969);
Green Lantern #74 (janeiro de 1970)
... e, com isso, acabei a Era de Prata. A qualidade das histórias já está melhorando.

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