26 dezembro 2007

As primeiras histórias do homem que avoa


Prosseguindo na realização da utopia, estou lendo Superman: crônicas: volume um, na mesma linha do então já comentado Batman: crônicas. São as quinze primeiras histórias do Super-homem, em ordem cronológica, todas de 1938-1939.

Ali se vê que Clarque Quente já usava cueca para fora da calça, embora não voasse (só saltasse bem alto e longe) e, às vezes, usasse disfarces para se passar por outrem.

A maioria das histórias não tinha nome quando originalmente lançadas. Uma delas é a de Action Comics #5 (outubro de 1938), que foi denominada "The Big Scoop" ("O Grande Furo de Reportagem") ao ser reproduzida em Superman Archives vol. 1 e "Superman and the Dam" ("Super-homem e a represa") neste Chronicles. Esta história mostra o kryptoniano desentortando uma ponte ferroviária para o trem não descarrilar e, em seguida, segurando uma barragem para que a inundação não atinja uma cidade próxima. Quando ele não consegue conter a fúria devastadora das águas, o carro de Lois Lane (que estava indo justamente cobrir esse evento) é atingido e submerso, e ela fica inconsciente dentro da bolha de ar. Nosso herói chega a tempo de resgatá-la até a superfície e desviar o curso da torrente, evitando danos maiores.

Você notou a semelhança? Com algumas adaptações, esses acontecimentos fazem parte do clímax de Superman: o filme, de 1978. As diferenças foram (1) que SH deitou sobre um intervalo nos trilhos da ponte para que o trem passasse por cima dele e não saísse da linha e (2) que o carro da mocinha foi colhido por uma fenda aberta por um terremoto, em vez de pela água. De resto é igual.

24 dezembro 2007

Perdi a razão de viver

No Brasil, os quadrinhos da DC Comics são publicados da seguinte forma: cada edição original americana é traduzida junto com duas ou três outras e essas três ou quatro são publicadas em uma só edição brasileira. Assim, por exemplo, Superman/Batman #31 (jan/2007), Aquaman #45 (nov/2006), Green Arrow #66 (nov/2006) e Green Lantern Corps #5 (dez/2006) saem juntas em Superman & Batman no. 29 (nov/2007) no Brasil.

Faz alguns anos que venho sonhando em fazer uma gigantesca base de dados que relacione as edições brasileiras às americanas e vice-versa. Assim, cada entrada para uma edição brasileira mostraria quais as revistas originais que a compõem, e cada americana teria mencionada de qual edição brasileira faz parte. Isso sem falar no detalhamento de título da história, escritor, editor, desenhista e colorista etc.

Alguns websites fazem um excelente trabalho nesse sentido. Um dos melhores que vi até agora foi o Inutiologia, de Lucio Luiz. Já eu, modéstia à parte, orgulho-me de minha tabela com mais de 3800 linhas (e crescendo) que relaciona o conteúdo de todos os quadrinhos que tenho, com meses originais de publicação e seus correspondentes no Brasil. Uma tremenda ferramenta, que começou em Word e logo migrou para Excel, sempre com o propósito único de me permitir ler tudo na ordem (dentro da utopia que já comentei aqui).

Agora, é o seguinte. Encontrei dois saites. Um tem toda a informação que você procura sobre as edições originais: reprodução da capa, semana exata de publicação, e título e equipe criativa de cada história. Chama-se Mike's Amazing World of DC Comics e merece o nome.

O outro saite é brasileiro e faz exatamente o que eu tanto queria fazer. E eu crente que era o primeiro a pensar nisso. Bem, pelo menos eles encararam a tarefa, e devo dizer que com ótimo resultado (já foi útil à minha tabela ao me expor o conteúdo de Superman no. 1 da EBAL, de 1947). Chama-se Guia dos Quadrinhos e acaba de tornar minha vida inútil. Preciso urgentemente de uma nova razão de viver.

(Não estou me queixando. Na verdade, eu queria que alguém fizesse aquilo que não tenho tempo de fazer, porque a idéia é valiosa demais para permanecer não executada.)

21 dezembro 2007

Você entuba

O YouTube realmente é uma tremenda máquina de marketing viral. Uma pessoa indica um vídeo a outra, que indica a outra, e em poucos dias milhares já assistiram. Hoje, indico cinco vídeos para você.

1. Dambusters à la Star Wars
Um dos episódios bastante documentados e conhecidos da II Guerra Mundial foi o ataque às represas do Ruhr. O Engenheiro Barnes Wallis, idolatrado pelos ingleses, concebeu uma bomba que seria capaz de destruir os paredões de concreto dessas represas alemãs, desse modo interrompendo o fornecimento de energia hidrelétrica das aciarias e fábricas da região. A Real Força Aérea criou o Esquadrão 617 “Dambusters” especialmente para essa missão, adaptando vários bombardeiros Lancaster Mk I e incumbindo Guy Gibson do comando dessa tarefa secreta, arriscada e considerada importante.

Um dos inconvenientes da bomba é que, para um lançamento de sucesso, a aeronave tinha que vir voando baixo e reto sobre a represa e sob o fogo da antiaérea. O ponto de liberação tinha que ser exato e podia ser encontrado pelo bombardeador através de uma mira rudimentar e de um par de holofotes, apontados da barriga do avião para a água, que, se formassem o desenho de um oito, indicavam a altura correta.

A missão foi um sucesso e levou à criação do filme The Dam Busters, que, em 1954, pretendeu reproduzir os eventos com a maior fidelidade possível. O filme é um clássico de guerra. Na semana passada, descobri que foi no clímax do filme que Jorge Lucas se baseou para criar a igualmente clássica cena do ataque rebelde à Estrela da Morte no primeiro Star Wars. Ao que consta, até os diálogos são iguais, e isso explica por que um X-wing tinha que vir de cada vez e demorar a fazer pontaria para dar seu único tiro.

A propósito, The Dam Busters é o filme em preto e branco a que o personagem Pink Floyd está assistindo ao longo de The Wall, de 1982.

Então, juntando as cenas do filme original com a trilha de som de Star Wars, um fã criou isto.

2. Outro criou isto.

3. Star Trekking Across the Universe -- esse vídeo era muito popular no início dos anos 90, mas assista por sua conta e risco.

4. Aqui, o que acontece quando a Enterprise-D enfrenta a mesma Estrela da Morte.

5. E, por último, Jesus Christ -- the Musical.

Os vários usos da salinha do café

Acabei de voltar do almoço e fui me servir do cafèzinho. Pois foi assim que descobri que a faxineira se esconde na salinha do café. Tava lá, sentada, olhando p'ra parede.

Biografia do Sr Atoz: dos sete aos treze

Quando eu era mais miúdo, meu principal passatempo era a leitura. Na verdade, ainda é, mas estamos falando do período em que eu estava no primeiro grau, hoje dito “ensino fundamental”. Naquele tempo, eu tinha dezenas de livros, depois promovidas a centenas.

Às vezes eu ia brincar na casa dos amigos, ou ia a festas de aniversário -- vocês conhecem o esquema. Acontece que eu estudava em um colégio onde todos os garotos provinham de famílias mais ricas do que a minha. Então, ao entrar na casa deles, eu via uma enorme oportunidade: se eu tinha tantos livros, e se os pais deles eram tão mais ricos do que o meu, eu imaginava que eles tivessem inúmeros livros, todos enormes, ilustrados, sobre todo tipo de assunto, quiçá em outras línguas. Livros importados, caríssimos, livros que meu pai não podia pagar e que eu, compreensivo, nem lhe pedia, mas cobiçava nas livrarias. Eu tinha que explorar essas bibliotecas domésticas, absorver quanto pudesse, admirar e apreciar. Para mim, essa era a parte mais valiosa das visitas, muito mais do que os carrinhos ou o vidiuguêime. Por isso, eu sempre pedia para ver os livros deles.

Meus anfitriões sempre tinham a mesma reação. Primeiro, estranhavam: “livros?” Depois, querendo receber-me tão bem, faziam o melhor que podiam: levavam-me até seu quarto, onde, sobre uma prateleira no canto, eu encontrava exatamente os mesmos livros que já conhecia da escola. Os mesmos livros de Português e Matemática, os mesmos paradidáticos daquele ano. Com sorte, os do ano anterior ainda estavam lá, e um ou dois que a escola não tivesse exigido mas que, muitas vezes, eu também tinha. Naturalmente, meus colegas ficavam intrigados: por que eu quereria ver os livros deles, se os meus eram os mesmos?

Não menos naturalmente, eu ficava decepcionado e perplexo. Como criança tem pouco tato, perguntava, só esses? A isso, vários respondiam ainda mais intrigados mas com a mesma boa vontade: coçavam a cabeça, meio perdidos, e comentavam, “é... eu acho que o meu pai tem uns livros aí”. Muitas vezes, os apartamentos tinham uma pequena biblioteca, aonde me levavam: sisudos livros de Medicina ou Direito e coleções de clássicos da Literatura. Em outras ocasiões, levavam-me ao quarto de empregada, onde uma prateleira, fora de alcance, abrigava empoeiradas enciclopédias de capa monótona no lugar mais distante da luz possível. Ou onde os livros estavam disciplinadamente arrumados em caixas de papelão, prontos para a próxima mudança da família.

Isso me dava uma frustração danada. E também me intrigava muito: como podiam não ter livros? Era só isso mesmo? Será que não estavam escondendo nada de mim, julgando que eu fosse destruir seus pertences? Mas eu tratava os livros alheios como relíquias de culto, jamais seria capaz de profaná-los...

Além disso, os livros de meus colegas estavam sempre em perfeito estado. As bordas não tinham qualquer amassado, as capas nenhum risco, os cantos das páginas não estavam virados pelo uso. Você poderia jurar que os livros estavam tão intocados como se estivessem na livraria, a ponto de as folhas ainda guardarem aquela compactação que só é possível quando nunca foram abertas. Quando eu abria os livros colados, as lombadas chegavam a estalar, indicando que eu era o primeiro leitor a desvirginá-los, o que me dava o ambíguo sentimento de estar invadindo território alheio, ainda que com permissão.

Já os meus livros, você pode imaginar, eram o oposto disso: amassados, com as pontas viradas para cima, as lombadas cheias daquelas rugas de abertura freqüente, com ocasionais manchas de meus dedos sujos de caramelo. Aviões de guerra número 34 ainda tem a mancha de meu sangue deixada por um mosquito infeliz, colhido por distração minha. Então, eu ficava me sentindo culpado, achando que não tratava meus livros tão bem quanto meus colegas. Pois veja -- dizia-me --, veja como conseguem ler todos e ainda guardá-los tão bem a ponto de as folhas se colarem novamente.

Mal sabia eu, não é mesmo? Foi só após a maioridade que me dei conta da verdade, ao me deparar com pessoas normais e descobrir que ninguém sabia *nada* sobre os romanos e egípcios, os bichos e as máquinas, ou que língua se fala na Jamaica, ou que o Hindenburg era recheado de hidrogênio, ou que enxofre no combustível causa chuva ácida, ou que Cervantes foi quem escreveu Dom Quixote, ou sei lá o quê. Não, eu também não sei nada de nada, mas sei aquilo que a escola me ensinou, sei o que vi em todos aqueles livros, e considerava inadmissível que não tivessem aquele mínimo essencial, sem o qual não se vive. Eu também não entendia como era possível que pessoas educadas, pessoas que haviam ido à escola, continuassem dizendo “por causa que” ou “pra mim fazer”.

E foi então, somente então, que entendi que essas pessoas eram os meus colegas já crescidos, e que sua infância havia sido bem diferente da minha. Sim, sou lento. Talvez seja mais apropriado dizer que eu seja iludido.

Esta mensagem é minha pequena homenagem à Bárbara, à Letícia e à pequena notável cuja privacidade prefiro preservar. Continuemos carpindo, minhas caras, que o dia é longo e não vai dar tempo de ler todos os livros.

P.S. Acho que tenho resmungado muito. Belogues são para isso mesmo, para o que chamam de desabafo mas que não passa de resmungo. Só que acho que estou reclamando demais dos outros. Então, vamos fazer o seguinte: qualquer hora eu venho aqui e conto o que aprendi recentemente sobre os celtas. É muito mais interessante.

Alforria

No último dia 11, estive no palácio Duque de Caxias, ao lado da Central do Brasil (a mesma do filme com a Arlette de Cascadura). Fui, pela última vez, cumprir com meu cívico dever militar.

Muita gente não sabe, mas todo brasileiro que já serviu tem que, nos cinco anos após sua baixa, procurar a sede da Região Militar e se apresentar, dizer que está vivo e onde mora. Esse foi meu quinto ano.

Pois bem. Pela terceira vez consecutiva (teve dois anos em que faltei por não conhecer a lei, mas paguei a multa e estou regular), o sargento que me atendeu perguntou se eu servi mesmo. Pelo terceiro ano, pediu-me para preencher a ficha que já deveriam ter pronta. Pela terceira vez, disse que o quartel onde servi não lhes comunicou nada. Pela terceira vez, disse que vão ter que mandar um ofício para lá.

Aliás, é engraçado. Se, nos dois anos anteriores, eu preenchi aquela fichinha, pergunto onde é que a enfiam para eu sempre ter que preencher tudo de novo. Veja bem, não estou dizendo que os militares sejam mais desorganizados do que a média das pessoas. São apenas tão organizados quanto a média das pessoas; faça você as contas para ver quanto é isso.

Nos minutos em que eu preenchi a ficha, percebi que o chefe do setor era um coronel. Isso foi um tremendo apigreide, porque, nos dois anos anteriores, era um segundo-tenente. Aí você fica pensando, ou é falta de pessoal ou é excesso. Mas patético mesmo foi ver que ele estava tão ocupado com o que fazia que, quando entrou um soldado para consertar o condicionador de ar, o Sr. Coronel se agarrou à oportunidade de quebrar o tédio. Ficou concentradíssimo no ofício do visitante e logo disparou: "é a ventoinha, né?" (Alguém por favor explique a ele que condicionador de ar não tem ventoinha. Tem ventilador, mas ventoinha não.)

Essas duas situações lembram-me a carta que recebi há um ano ou dois. Um outro coronel enviou-me uma pesquisa pelo correio. O Exército estava preocupado com a evasão de seus engenheiros e ele me perguntava o porquê de minha saída. Só que a carta vinha num envelope datado de 7 DE DEZEMBRO (aliás a date that will live in infamy), pedindo-me para responder até 4 DE DEZEMBRO. Como eu ainda não aprendi a pilotar DeLoreans com capacitores de fluxo, respondi por email dizendo, em síntese, o seguinte: sua carta é um perfeito exemplo de por que saí, e não é necessário explicar mais nada.

Você acredita que o cara me escreveu de volta pedindo desculpas e insistindo para que eu respondesse? Mas agora só volto quando o Brasil entrar em guerra com a Argentina.

18 dezembro 2007

Interrupção nos serviços do jornal

O jornal O Globo On de hoje, terça, 18/07, traz notícia de uma interrupção nos serviços do Metrô Rio.

Primeiro, diz que os trens que vinham de outros pontos, como PRAÇA XV, também foram afetados. Ora, não há estação do metrô na praça XV. Há, isto sim, na Praça Onze. Roga-se ao jornal que verifique se ao menos faz sentido o que diz. Correção é fundamental para a credibilidade.

Depois, diz que os passageiros que passaram mal foram atendidos no hospital Souza Aguiar. "Todos já foram liberados e passam bem, garantiu a concessionária."

Que raio de jornalismo conformista é esse que simplesmente repete o que diz a parte mais interessada em mentir? Não estou dizendo que o Metrô mentiu, mas que o autodenominado jornalista não foi atrás dos fatos nem foi ouvir o outro lado. Limitou-se a reproduzir as declarações do Metrô, sem verificá-las. Foi para isso que estudou durante quatro anos? É esse o papel social do jornalista?

Alguns jornalistas gostam de divulgar a importância de sua atuação contra os abusos do Poder Público. Gostam de se arrogar em fiscais da sociedade. Quis custodies ipsos custodes? De onde vejo, quem escreveu a matéria está longe de honrar essa tradição.

17 dezembro 2007

Refrão de hoje

Eu não agüento mais ouvir, mas ainda vou ter que ouvir muito. Repitam comigo.

"Prezado, Cliente [neste caso, a vírgula foi inevitável; parece que faz parte do discurso falado mesmo]:

"O M.R. destina carros especiais para às mulheres. Nos dias úteis, entre seis e nove horas da manhã, e entre cinco da tarde e oito da noite. [Desculpem, mas a crase e a pontuação são essas mesmas, por mais erradas que sejam. Quem escuta sabe.]

"Respeitar a lei, é uma questão, dE cIdadania. Carro das mulheres: respeito é bom, e elas merecem."

Tem outra:

"Prezado, Cliente,

"Os bancos de cor laranja, são preferenciais, para idosos, gestantes, pessoas com crianças de colo e pessoas, com necessidades, Especiais. CEDA o lugar. M.R.: a qualidade de vida, ANDA, aqui."

Omiti alguma coisa? Não sei, já ouvi tanto, acho que decorei. A parte mais difícil é reproduzir a pontuação, tão sutil e tão errada. Mas acho que consegui.

16 dezembro 2007

Horizontes

Quando eu era miúdo nos anos 70, havia um comercial da A Camélia Flores na televisão. A voz do locutor era acompanhada de uma peça musical em violão.

Anos depois, tornei-me apreciador e conhecedor da obra do Genesis. Um dos álbuns da banda é Foxtrot, de 1972, que traz uma faixa de 1 minuto e 21 chamada Horizons. Trata-se de um belíssimo solo de violão, composto e desempenhado pelo guitarrista Steve Hackett.

Alguns anos depois disso, não sei o que foi que me despertou a percepção de que a música no antigo comercial fosse justamente Horizons. Infelizmente, já não tenho como confirmar isso. Buscas no Google foram òbviamente infrutíferas.

Se alguém tiver conhecimento ou, pelo menos, a mesma impressão, por favor me comunique. Eu gostaria muito de ter definitiva certeza, mesmo que isso não tivesse nenhuma utilidade.

07 dezembro 2007

Má companhia

Hoje de manhã, a moça do telejornal leu uma notícia que começava mais ou menos do seguinte modo: "o diretor da companhia, Michael Hayden, informou ter dado ordem para destruir fitas de vídeo gravadas em 2002. O serviço secreto mais famoso do mundo havia gravado fitas sobre dois importantes suspeitos de terrorismo. A revelação foi feita aos funcionários da companhia nessa quinta-feira".

Aí você pergunta: "companhia"? Qual companhia?

Montando o quebra-cabeça, você percebe que a moça mencionou o "serviço secreto mais famoso do mundo", que é a CIA.

Outro dia, comentei o despreparo irresponsável de alguns autodenominados jornalistas brasileiros. Agora, soma-se a isso um resultado, digamos, inadequado na leitura de um reles teleprompter. Até que eu acharia engraçado e, no meu caso, a notícia não deixou de ser dada, mas observe que o objetivo não foi atingido. Tenho certeza de que muita gente não entendeu e, portanto, a notícia não foi dada.

26 novembro 2007

Então acho que a guerra durou muito

Hoje cedo, o telejornal mostrava um evento que aconteceu ontem no Museu Aeroespacial do Campo dos Afonsos: a comemoração dos cem anos do Demoiselle, que foi o segundo avião de Santos-Dumont e o primeiro do mundo com a configuração que os aviões têm hoje (motor na frente, controles na cauda).

Mostraram aviões da FAB: C-130, Xavante, AMX, F-5. Aí, mostraram um Cessna 185 todo camuflado, prefixo PR-IAB, dizendo que era um avião que a FAB havia usado na II Guerra Mundial.

Aí. Certos jornalistas são MUITO ignorantes. O Cessna 185 é um avião dos anos 60. Que eu saiba, nossa Força Aérea nunca o usou. O avião estacionado no MUSAL era um avião civil (como se vê do registro) cuja camuflagem NEM SEQUER estava em qualquer estilo que o Brasil algum dia tenha usado. É verdade que o avião porta a bolacha do 1o. Grupo de Aviação de Caça, mas todos os aviões do 1o./1o. Grupo usam essa bolacha há sessenta anos. Portanto, não há NADA no avião que dê a entender que date dos anos 40.

O jornalista não é obrigado a saber nada disso. Mas também não pode, por sua iniciativa, "achar" que é um avião da época da Guerra e, sem procurar confirmação, jogar isso na reportagem. Se você não sabe, pelo menos NÃO INVENTA! ACHISMO NÃO É JORNALISMO.

Fotógrafo: Wesley Minuano, arrow4t arroba yahoo.com.
Título: Cessna A185F Skywagon 185, PR-IAB. (04/10/2006)
http://www.aviacaopaulista.com/aeroporto_de_atibaia/041006_8.htm

23 novembro 2007

Obiter dictum

Preciso dividir um pensamento com você sobre a evolução recente do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro.

A meu ver, o sistema começou errado ao copiar o sistema americano, de controle difuso. Não por ser o americano, mas por ser cópia.

De todo modo, o sistema americano confere autonomia a cada juiz, para que declare a inconstitucionalidade de uma lei ao ser aplicada a um caso concreto. Após uma tal declaração de inconstitucionalidade, a lei continua em vigor para a sociedade como um todo, mas vê-se que é inaplicável ao caso que foi trazido ao juiz. Isso destoa da tradição latino-portuguesa brasileira, onde os órgãos centrais chamam a si todo o poder de decidir e a periferia não tem nenhuma autonomia.

Era assim até 1965, quando surgiu a representação de inconstitucionalidade, que segue o sistema austríaco, de controle concentrado, e difere radicalmente do que se faz no sistema americano. A representação de inconstitucionalidade evoluiu, transformou-se na ação direta de inconstitucionalidade (a famosa ADIn) em 1988 e, hoje, a ADIn é um instrumento cada vez mais comum com o qual se atacam leis nacionais, federais e estaduais perante o Supremo Tribunal Federal. Com a ADIn, o STF é o único órgão que pode pronunciar-se sobre a constitucionalidade de uma lei e, desde o momento em que a declara inconstitucional, é como se a lei não existisse mais. Para ninguém.

Em teoria, os dois sistemas coexistem no Direito brasileiro (embora esteja claro que o controle difuso de determinada lei só vale enquanto não acontece seu eventual controle concentrado). Acontece que venho reparando em uma coisa: cada vez mais o STF se manifesta no sentido de que o resultado de seu julgamento difuso também se aplica a este ou aquele outro caso. Ou seja, transborda para fora do caso que deveria ser o único onde acontecesse o controle. Nos últimos meses, têm sido ajuizadas reclamações

(Pausa. Reclamação é uma ação onde a parte pede ao STF que faça valer uma decisão anterior sua que alguém está descumprindo.)

... reclamações onde se diz que alguém está desobedecendo a decisões do Supremo sobre a inconstitucionalidade de determinadas leis havidas em controle difuso, onde as partes eram outras. Você dirá: ué, beleza. A decisão só valia naquele caso mesmo, não tinha nada a ver com estas partes aqui. Em cada reclamação destas que estou comentando, a lei nunca foi objeto de controle concentrado, nem há decisão alguma que já tenha havido e que esteja sendo descumprida.

Só que o Supremo, todas as vezes, vem decidindo assim: aquilo que eu disse lá também vale aqui, e este aqui está, sim, descumprindo minha decisão. Na teoria do Direito brasileiro, só o que vale, mesmo, é o dispositivo da decisão (ou seja, a parte final, onde o juiz conclui concedendo ou não concedendo o que se pede), mas o STF tem dito que a fundamentação da decisão também vale, não só contra as partes, mas contra todo o mundo. É o que se chama de teoria da transcendência dos motivos determinantes: os motivos que fundamentam a decisão transcendem aquele caso e espalham-se sobre todas as pessoas. Ou, em outras palavras, o pensamento do Tribunal já te vincula, mesmo que você não tenha participado da discussão original.

Assim, o controle difuso está, cada vez mais, tornando-se em controle concentrado. Mais: estamos descobrindo que as decisões dadas em controle difuso, na verdade, valem como se fossem dadas em controle concentrado. Portanto, está deixando de haver controle difuso, e todos os casos de controle são de controle concentrado.

Eu, particularmente, não tenho nada contra. Só lembro que os casos de controle concentrado estão previstos na Constituição e são poucas as pessoas que podem mover ADIn, mas admito que o controle concentrado tem as enormes vantagens de diminuir a carga de trabalho do Supremo (com isso o tornando mais ágil) e de dar mais segurança a todos para saberem como o Tribunal pensa e se determinada lei é ou não constitucional.

Além disso, o controle concentrado tem mais a ver com nossa tradição centralizadora e segue a prática alemã. Assim, os ministros têm julgado conforme se faz na Alemanha, onde, de todo modo, já julgam estar faz tempo.

Para referência: Informativos STF #458 (onde sugiro procurar sobre a reclamação 4219), #463 (idem reclamação 4335) e #474 (reclamação 2475), todos de 2007 e disponíveis em http://www.stf.gov.br/.

P.S.: você já reparou? Nenhum advogado, juiz, procurador, professor de Direito etc. pronuncia "constitucional" nem suas derivadas. É sempre "cons'nal", "consional", "constcional" etc.

21 outubro 2007

Atoz, o profeta II

Eu em 30 de janeiro: http://sratoz.blogspot.com/2007/01/atoz-o-profeta.html

Notícia da semana passada: Incêndio atinge prédio da Uerj na zona norte do Rio.

ATENÇÃO: PARA LER MINHAS DUAS CRÔNICAS DE HOJE SOBRE QUADRINHOS DA DC, POR FAVOR CONTINUE LENDO ABAIXO. OBRIGADO.

O retorno da utopia

Em 1984 ou por aí, a editora Abril adquiriu os direitos de publicação da DC Comics no Brasil. Por sorte ou por azar, foi nesse ponto, aos nove anos de idade, que passei a ler as histórias da DC, sem compromisso. Ao longo dos últimos dois anos, percebi que o que então saía pela Abril era uma variedade de material publicado originalmente de 1970 a 1982, provavelmente ainda inédito por aqui desde o finado tempo da EBAL. Aparentemente, o descomunal descompasso em relação à publicação original deu à editora paulista a vantagem de poder melhor selecionar as histórias e personagens que traria ao público nacional.
De todo modo, a maioria dos leitores eram crianças. Não havia Internet, e a Nova Ordem Mundial estava ainda por iniciar. Portanto, os leitores não tinham fácil acesso (como hoje temos) a saber o que de mais recente a DC estava publicando, nem conseguíamos pôr as mãos (como hoje conseguimos) em material importado. Diante disso, não havia a necessidade (como hoje há) de a editora brasileira perseguir de perto o material que saía na América, contanto que as histórias fossem boas.
Nos anos seguintes, dei-me conta de que as histórias da DC (assim como as da Marvel) tinham uma continuidade (e hoje têm mais ainda). Trata-se de uma única, gigante, entrelaçada história, com meandros e influências mútuas entre os títulos, personagens de um título aparecendo em outro e uma consistência interna difícil de se atingir quando tantos Autores escrevem simultaneamente. (Na verdade, a falta de uma consistência suficiente foi um dos argumentos editoriais que conduziram à Crise nas infinitas Terras em 1985. Mas não quero entrar nisso agora.) Foi minha primeira exposição a um universo compartilhado que se iniciara em 1938, com Action Comics #1, a estréia do Super-homem, alegadamente a primeira história de super-herói.


De certo modo, quem começa a ler DC e Marvel sempre pega o bonde andando. Sempre existem histórias mais antigas, que a gente não leu. Alan Moore descreveu muito bem essa situação em sua introdução ao encadernado Saga of the Swamp Thing: "aqui, as histórias não acabam -- não do modo como um filme acaba ou um livro acaba. Oh, a ameaça atual pode ser evitada ou vencida, mas haverá outra coisa dentro de um mês, pode ter certeza. O personagem continuará indefinidamente até que vendas fracas ou algum outro fator dite o cancelamento de sua revista. Mesmo então, o protagonista despossuído provavelmente encontrará espaço suficiente nas histórias de outros personagens para evitar o limbo total. A história raramente acaba, mesmo quando os títulos que a trazem cospem sangue e caem mortos a seus pés. Nem, a menos que você seja suficientemente sortudo para identificar uma série de sucesso quando estréia ou suficientemente rico para comprar as edições atrasadas depois, a história um dia começa. Qualquer pessoa que pegue uma revista em quadrinhos pela primeira vez pode estar certa de se encontrar no meio de um contínuo que pode ter começado antes do nascimento do leitor e que bem possivelmente continuará muito após sua morte." Seu avô já lia Super-homem, como seus netos também lerão.
A ignorância desse passado traz a mim a frustração de estar perdendo alguma coisa e me levou a formar uma utopia: a de que, um dia, eu haveria de ler tudo que a DC publicara desde 1938, preferivelmente em ordem. Com isso, teria acesso a todo o histórico dos personagens. Poderia entender suas origens, poderes e relações entre si, e todas as referências (que freqüentemente apareciam) a histórias passadas. Estamos falando de centenas de edições anuais, perfazendo dezenas de milhares de edições no total. Apesar do que diz o bom-senso, não é impossível cumprir tal tarefa. De fato, ao tempo da Crise, a DC contratou gente para fazer justamente isso e tomar notas. Já faz mais de vinte anos, mas, se fosse hoje, a diferença seria mormente quantitativa; eu só precisaria de mais tempo.

Pouco depois da Crise, parei de ler DC. Parei, mas não desisti. O velho projeto continuou, dormente porém vivo. Aí, mais ou menos em 2003, a Panini começou a publicar DC no Brasil. De início, fui atraído pelos desenhos e comprei pouca coisa. Depois, fiquei intrigado com a história trágica da ascensão e queda de Hal Jordan (qualquer dia escrevo sobre ela) e com as histórias do Flash envolvendo o Hipertempo. Isso me trouxe de volta a ler DC e, gradual mas rapidamente, passei a comprar tudo que saía.

Só que eu tinha que recuperar o tempo perdido. Danei a catar todas as histórias relevantes do período 1985-2003, que havia perdido. Virei pesquisador da História das histórias da DC, absorvido pelo estudo de sua evolução, de como os quadrinhos retratam a mentalidade de sua época, de como diferentes Autores interpretam diferentemente seus personagens. O velho bjetivo de ler tudo passou a estar subordinado a uma motivação mais abrangente. Minha mente é provocada a discutir se vale a pena persegui-lo e se é viável.
Para atingir a meta de ler todas as histórias da DC, os principais problemas são três: (1) absoluta falta de tempo, já que tenho que trabalhar; (2) absoluta falta de dinheiro, já que o material é vasto; (3) crônica dificuldade de se enumerar quais são todas as edições publicadas até hoje, para saber o que ler. Afinal, não parece existir uma lista definitiva de tudo que já foi publicado pela DC ou pelas editoras que ela foi comprando pelo caminho.

Esse último problema tem sido rapidamente suavizado pela Internet. Os fãs de quadrinhos são numerosos e dedicados, e você se surpreenderia com o tamanho e a complexidade das bases de dados que são capazes de montar (só para exemplificar, dê uma olhada em DarkMark's Comics Indexing Domain!, The Unofficial Guide to the DC Universe, Mike's Amazing World of DC Comics, DC Cosmic Teams!, Flash: Those Who Ride the Lightning, SequArt Research & Literacy Organization e Superman Homepage). Até eu tenho minha pequena tabela, incluindo somente o material que adquiri mas ultrapassando 3200 linhas. Atendendo aos anseios dos românticos que idealizaram a Grande Rede, todos esses esforçados e criativos pesquisadores têm disponibilizado o resultado de seu trabalho, dando visibilidade a grandiosas obras de referência que, de outro modo, permaneceriam obscuras, conhecidas somente pelos vizinhos e amigos íntimos. A meu ver, o maior proveito da Internet é, justamente, pôr em contato as pessoas que têm interesses comuns, permitir a troca de informação entre elas e, com isso, multiplicar os frutos do sempre ingrato trabalho de quem garimpa esse tipo de material. E isso é feito gratuitamente, a benefício de pessoas como eu, que vivemos caçando listagens e glosas.

Naturalmente, o problema de preço é aumentado pelo fato de que edições antigas, em geral raras, custam uma fortuna. A mera importação do material também faz pensar duas vezes no que vale a pena comprar. Sob esses aspectos e também contribuindo para a rastreabilidade das histórias (assim abordando o terceiro problema), nos últimos anos a DC tem ajudado a vida do leitor ao publicar grandes compilações sob o título comum de Archives: The Batman Archives, The Superman Archives etc. Trata-se de seleções abrangentes de histórias, mormente dos anos 30 e 40 -- o que a literatura especializada chama de Era de Ouro dos Quadrinhos, encerrada na DC em 1955. Infelizmente, a série Archives desafia o poder aquisitivo do leitor.

Após dezenas de títulos lançados nos Estados Unidos, Archives foram sucedidos por uma nova série onde as edições têm quinhentas páginas ou mais, também colecionando histórias antigas: Showcase Presents. O primeiro título a ser publicado em português saiu pela Panini no segundo semestre de 2007. O original Showcase Presents: Justice League of America tem o título brasileiro de Arquivo DC no. 1: Liga da Justiça da América.

Agora, a editora americana está iniciando uma nova solução. A série Chronicles pretende publicar todas as histórias dos personagens abordados, em impressão colorida mas a um preço acessível. O primeiro lançamento foi The Batman Chronicles vol. 1, que saiu em 05/09/2007 como Batman: Crônicas vol. 1. O título inclui todas as histórias do Batman, em ordem cronológica, desde Detective Comics #27, de maio de 1939, e abrangendo até mesmo as tiras de jornal. Nos Estados Unidos, a série já chegou ao volume 3 e tem a companhia de The Superman Chronicles.

Conforme comentei em outra ocasião, no momento em que comecei a ler histórias do início da Era de Prata (1956-1985), percebi-as ingênuas e fraquinhas. Quer dizer: a utopia só tem graça enquanto está lá no horizonte. Muitas vezes, quando vislumbramos uma amostra do sonho, sua verdadeira face acaba se revelando sem graça, e vemos que nossa idealização era apenas isso, sem correspondente no mundo real. Então, meu propósito de ler toda a produção da DC já não tem mais o mesmo brilho. Apesar de mais possível hoje do que já foi um dia, contraditoriamente o desejo menos.

Mesmo assim, adquiri e li Batman: Crônicas vol. 1, mesmo que a título de item de colecionador (que reluto em admitir que sou. Continuamente minto para mim mesmo: "só compro para ler, não para colecionar", como se). A bem da verdade, o motivo da compra é outro. Sinto um compromisso diante do garoto que um dia pretendeu ler tudo da DC em ordem. Antes, eu tinha argumento para não atender àquele sonho. Agora que estão me oferecendo uma forma viável de começar a cumprir a promessa, de forma ordenada e segura, não posso omitir-me.

Qualquer coisa, é só disfarçar, dizer que estou lendo pelo "valor histórico"...

Monstro do Pântano: amor e morte. Resenha.

Meu problema é o seguinte. Às vezes, eu leio alguma história em quadrinhos, algum livro, ou vejo um filme que é uma genuína obra de arte, que me empolga e que quero dividir com alguém. O problema é que não tenho com quem. Posso contar para minha namorada, e ela vai ficar feliz em ver minha emoção, mas ela mesma tem que ler outras coisas, não tem tempo para as que li -- e, se tivesse, estaria apenas seguindo minha trilha, não a dela, própria, escolhendo suas próprias leituras. Se eu contar para outra pessoa, vou ter que mostrar por que aquilo é interessante, por que me empolgou, explicar as referências, contar o estilo do Autor... Tanto para mim quanto para quem me escuta, isso nunca é a mesma coisa que ler, minha explicação nunca é suficiente, e isso é frustrante. É óbvio que o leitor só vai ter acesso, mesmo, se ler a obra em primeira mão. Pior do que isso é o fato de que aquilo que gosto de ler NUNCA interessa às pessoas com quem convivo todos os dias. Então, não tenho realmente a quem transmitir, com quem COMPARTILHAR o que leio ou vejo. Já reparei que isso acontece a vários belogueiros e acho que é por isso que eles acabaram criando seus belogues.

Veja meu caso agora, por exemplo. Há pouco tempo, li uma compilação do Monstro do Pântano, Swamp Thing: Love and Death, que é o segundo volume reunindo as histórias da segunda série do personagem e abrange o período de setembro de 1984 a março de 1985.

Permita-me um prólogo. Nos anos 50, a DC começou a publicar dois títulos de terror chamados House of Secrets e House of Mystery. Nos anos 70, esses títulos tornaram-se clássicos. Em cada uma das duas revistas, um dos dois irmãos Caim e Abel era o apresentador (bem à maneira de Rod Serling em Além da Imaginação e Night Gallery e do zelador-cadáver de Tales from the Crypt). Pois bem: House of Secrets #92 (julho de 1971) trouxe uma história passada no início do século XX, na qual um homem era assassinado e enterrado no pântano, transformando-se em um ser vegetal corpulento, mudo e melancólico, condenado a vagar entre a folhagem sem esperança de recuperar sua humanidade. O sucesso dessa história levou à estréia do título Swamp Thing em 1972.

Nesta série, ambientada no presente do leitor, o Monstro do Pântano tem uma origem trágica: Alec Holland, um jovem e brilhante botânico que trabalha em uma fórmula regeneradora de tecidos vegetais, é assassinado com uma bomba em seu laboratório químico e, em chamas, atira-se no pântano da Louisiana. Conforme a narrativa assim publicada, vê-se que as substâncias do laboratório, que o cobriram durante o incêndio, tiveram um efeito horrendo: ele retorna da água parada como uma criatura humanóide porém vegetal, em uma transformação que põe em dúvida se não seria melhor ter morrido. Típica origem de heróis de quadrinhos da Era de Prata. Ao longo das histórias, ele tenta recuperar sua humanidade.

Teoricamente, a primeira história (em HoM #92) servira como episódio piloto não intencional para a nova série, onde os eventos originais se repetiam e o Leitor era apresentado a um novo personagem nesta revista de terror da DC. Após o cancelamento da série em 1976, a DC ressuscitou-a em 1982 como The Saga of the Swamp Thing, cujo número 20 (de 1984) foi o primeiro escrito por Alan Moore.

Quando Moore assumiu o título do Monstro do Pântano, a revista não deixou de ser de terror, mas acontece que o Autor é genial. As histórias são de uma riqueza, de uma profundidade. Na Web, é fácil encontrar elogios ao clima criado por esse escriba, e a narrativa dele realmente é rica nas descrições, os desenhos são expressivos, mas isso não é tudo.

Em The Saga of the Swamp Thing #21 (fevereiro de 1984), lemos a segunda história escrita por Moore, intitulada "The Anatomy Lesson" e iniciadora da primeira compilação já publicada desta segunda série (The Saga of the Swamp Thing, sem subtítulo). Ali descobrimos que o Monstro nunca foi humano: quando o corpo de Alec Holland mergulhou no pântano, ele efetivamente morreu, mas sua mente foi preservada pela ação da fórmula regenerativa, incorporando-se a um tecido vegetal que imita a forma humana e crê ser o próprio Holland.

Na segunda compilação desta série, que ora comento, a primeira história é "The Burial" (The Saga of the Swamp Thing #28, de setembro de 1984). Ela confirma que o Monstro guarda a mente de Alec Holland, mas também que ele mesmo não é Holland, pois vemos o Monstro levar nos braços os restos mortais daquele que o gerou. Somente Moore conseguiria construir a macabra cena de um homem enterrando a si mesmo na terceira pessoa e inseri-la em um universo fantástico de modo a redefinir seu personagem. "The Burial" tem a importância de levar o Monstro a reconhecer sua natureza e a aceitar que nunca foi humano. Já o compararam a Hamlet pelo momento em que encara sua própria caveira e reflete sobre onde está sua humanidade.

Em outra das histórias, "Down Amongst the Dead Men" (Swamp Thing Annual #2, de janeiro de 1985), o Monstro visita o Céu e o Inferno. Pela primeira vez (que eu saiba), confirma-se que personagens como o Vingador Fantasma, o Desafiador e Etrigan habitam o mesmo universo DC. Mais tarde, em 1989, o tipo de histórias onde eles costumam aparecer seria segregado sob o selo Vertigo, sem deixar de integrar aquele universo. Com esta história, percebi que Moore foi o introdutor da idéia de legitimá-los e reuni-los como parte de uma visão única, um aspecto do mesmo universo multifacetado, o que é quase óbvio para o decenauta de hoje mas era inovador na época.

Encontrei somente uma inconsistência em "Down Amongst the Dead Men": o Vingador Fantasma, fazendo o papel de Virgílio, acompanha o Monstro no Céu e alega não poder fazê-lo no Inferno. Na verdade, conforme veríamos adiante pela mão do próprio Moore (Secret Origins #10, de janeiro de 1987) e, depois, de Neil Gaiman (The Books of Magic #1, de dezembro de 1990), é no Céu que ele não pode entrar. Pois bem, é no Céu que o Monstro do Pântano encontra Alec Holland, o homem do qual ele surgiu, reafirmando que são criaturas distintas e que o primeiro não traz a alma do segundo.

De todo modo, é ou não é genial isto? O Autor explica o Inferno pela boca do demônio Etrigan: "pensa você que Deus construiu este lugar, desejando mal ao homem, e não luxúrias descontroladas ou espadas desembainhadas? Não Deus, meu amigo. A verdade é ainda mais
odiosa: estes salões foram escavados por homens enquanto ainda respiravam. Deus não é um pai ou severo policial distribuindo mimos ou punições a todos. Cada alma sobe ou desce por seu próprio capricho. Ele lamenta, mas não pode prevenir sua queda. Sofremos como escolhemos. Nada está faltando. Todos os tormentos são merecidos..."

A história seguinte, "Pog" (The Saga of the Swamp Thing #32, de janeiro de 1985), é um golpe baixo de Moore. É uma das histórias em quadrinhos mais sensíveis e pungentes que já li. O Autor constrói um clima de simpatia pelos personagens, retratados como bichinhos bunitinhos, mas o final é triste sem nenhuma surpresa. O ponto de vista é o de um visitante alienígena, e o Monstro do Pântano é apenas um personagem incidental -- como, aliás, em quase todas as histórias da compilação. Apesar de teoricamente ser o protagonista, na prática ele atua apenas como um observador, e a ação ocorre pelas mãos de outros personagens. Semelhante a um episódio da série Clássica de Jornada nas Estrelas, "Pog" começa e termina com uma leitura do diário do capitão e acompanha a exploração de um planeta que parece aprazível mas que guarda segredos perigosos. Tem até um personagem semelhante a McCoy, que esconde sua profunda compaixão por trás de resmungos e pessimismo.

Depois de "Pog", The Saga of the Swamp Thing #33 (fevereiro de 1985) inova mais uma vez com "Abandoned Houses". Nesta história, a personagem Abby Cable, amante do Monstro, está sonhando. Seu sonho leva-a a uma fronteira brumosa onde Caim e Abel (em suas primeiras aparições desde o encerramento das duas séries) oferecem a ela a escolha entre um segredo e um mistério na respectiva casa. Ela opta pela Casa dos Segredos, onde descobre que o Monstro do Pântano das revistas Swamp Thing (1972-1976) e The Saga of the Swamp Thing (1982-então) é apenas mais um em uma longa linhagem de Monstros do Pântano, um dos quais havia sido o infeliz protagonista de HoM #92. A revelação vem com uma reprodução das páginas daquela revista de catorze anos antes. Com isso, Alan Moore unificou o Universo DC, trazendo para dentro dele uma história que, doutro modo, teria sido considerado apenas um esboço a esquecer. A prática é semelhante a trazer o Capitão Pike de volta para dentro do cânone de Jornada nas Estrelas com os episódios "The Menagerie".

Em 1989, Neil Gaiman aproveitaria Caim e Abel em caráter permanente em sua série Sandman, mostrando-os como súditos do Perpétuo Sonho no Sonhar. Tendo sido o primeiro homicida e a primeira vítima, eles estão condenados a reviver sua história eternamente, nesse reino onde histórias são a justificativa de toda existência. Na verdade, Moore plantou uma semente com Swamp Thing, Gaiman cultivou-a com Sandman e os dois, embora sem cooperarem, criaram o ensejo para a DC reunir suas soturnas histórias de temática adultaTM no selo Vertigo. Note que tudo começou com o genial Alan Moore.

Um detalhe do maior interesse é a reação do enciumado Caim a Abel quando este pergunta se o primeiro se importa. "Importar-me? Por que eu deveria me importar? Acaso sou responsável por você?" Verifique o Gênesis, capítulo 4, versículo 9.

Na última página da história, primeiro painel, há outro detalhe. A jovem Abby acorda de seu sonho tormentoso, já dele não se lembra, e vemos, na parede atrás de sua cama, a reprodução de um quadro. Apesar da pouca definição, quem procura consegue ver que o quadro mostra um demônio risonho sentado sobre o peito de uma jovem que, apesar de dormir, tem o semblante aflito. É O Íncubo, de Füssli, representante do período romântico, um clássico que simboliza os terrores noturnos do inconsciente. Mais adiante na série, uma referência mais ostensiva seria feita ao mesmo quadro, mas sua aparição em "Abandoned Houses" tem um vínculo mais forte ao contexto.


A última história de Love and Death chama-se "Rite of Spring" e saiu originalmente em The Saga of the Swamp Thing #34 (março de 1985). Aqui se aborda um problema prático: como uma mulher e uma planta podem consumar uma união? Abby está apaixonada pelo Monstro do Pântano e ele por ela, mas não há compatibilidade funcional que os satisfaça. Ora, uma união física não é o verdadeiro fundamento da comunhão dos espíritos. Provando isso, o Monstro gera de seu corpo um tubérculo, que Abby consome. Ao fazê-lo, ela abre as portas da percepção, entrando em uma viagem de alucinações que, na verdade, são seu acesso a ver o mundo como o Monstro o vê. E o mundo transparece belo, unificado, coerente, múltiplo em sensações que a limitada mente humana não alcança. Essencialmente, a história representa como o maior presente de quem ama pode ser alucinógeno e fazer todo sentido, ensinando novas compreensões da beleza do mundo e realidade maior. A vigésima página chega a disfarçar uma inconfundível representação do órgão sexual feminino como se fora um florão simbólico, de textura vegetal.

A atuação de Alan Moore estendeu-se por cerca de cinqüenta edições de Swamp Thing (nome que a série retomou em março de 1986), tendo sido reunida em seis compilações. Dessas, tive acesso a cinco e recomendo todas. Os conceitos inovadores trazidos na primeira e na segunda compilação foram desenvolvidos adiante, mas Love and Death ainda é o volume que mais me marcou dos que li até agora. No volume seguinte, Swamp Thing: the Curse, somos apresentados ao cínico e admirável mago John Constantine (cuja estréia se deu em The Saga of the Swamp Thing #37), personagem com uma legião de fãs que o tem mantido em publicação até hoje.

18 setembro 2007

Festifúdi no Centro do Rio

Estive há pouco no McDonald's da rua São José, no Centro do Rio de Janeiro.

Cheguei ao balcão e perguntei à moça, "o que que vai na Premium Salad?"

"'O que que vai'?"

"É. Do que que é feita?"

A resposta dela veio SEM SEQUER ME ENCARAR, sem descruzar os braços, olhando lá para fora, naquela atitude despeitada de quem não sabe nem tem o menor interesse em saber, mas, ao mesmo tempo, ultrajada com que eu pudesse perguntar o que vai numa salada:

"Ué. É salada."

Aliás, isso foi dito naquele tom de voz particularmente agressivo de gente ignorante que fica indignada quando você faz uma pergunta. Nunca lhe aconteceu? A mim já, muitas vezes. Gente ignorante, quando se depara com uma palavra que nunca ouviu, logo retruca ofendida: "[preencha com a palavra]? O que que é isso? Nunca vi."

Acabei atendido pelo colega dela. Talvez eu devesse ficar espantado com uma vendedora que NÃO SABE O QUE ESTÁ VENDENDO, mas, no contexto, não fico não. Aquele balcão é o maior progresso que ela há de ver na vida.

Dias antes, aconteceu parecido no Bob's da rua Senador Dantas. A moça queria porque queria me expulsar da loja. Cismou que, se eu queria milquichêique, então eu *tinha que* ir lá para fora, para o meio da muvuca e da pivetada que ronda a lanchonete, não podia esperar no lado de dentro.

Mudando de assunto, faz várias semanas, escrevi duas crônicas para pôr aqui, uma sobre o Monstro do Pântano, outra sobre minha relação com os quadrinhos da DC Comics. São rascunhos e estou sem tempo. Fui.

15 julho 2007

Poesia involuntária

Mais uma vez, o relato da viagem a Houston está aqui. Hoje o assunto é outro.

Outro dia, o Daniel, colega de trabalho, perguntou pelo prédio onde funciona a agência dos Correios na rua Primeiro de Março: se eu já tinha estado lá. Já. "E é bonito?"

"É tão bonito e feio quanto qualquer prédio público antigo do Rio de Janeiro."

"Essa foi boa. Bonito e feio, gostei."

"É, eu me enganei. Quis dizer que é tão bonito ou feio quanto qualquer outro, dependendo de quem olha; que não tem nada de mais."

"Não, deixa assim. 'Bonito e feio' tem mais graça."

Ele tem razão. Assim tem mais conteúdo e, ao mesmo tempo, crítica. Assim afirmo minha percepção, não deixando à escolha do observador.

10 julho 2007

O elogio mais sincero

Mais uma vez, o relato da viagem do Sr Atoz a Houston, Texas, está aqui. Hoje trataremos de mais um outro tema.

Ontem, encontrei um website (por sinal muito bom, rico em informação) que citava texto meu sem autorização. Entrei em contato com eles e, hoje, já haviam atribuído os créditos devidos. Por isso, vim aqui e editei toda esta mensagem, inclusive seu título.

09 julho 2007

ZAIRE, TALVEZ?

O relato da viagem do Sr Atoz a Houston, Texas, está aqui. Hoje trataremos de outro tema.

Então, na semana passada, o chefe da delegação americana no Pan foi ter a infeliz idéia de abrir os trabalhos escrevendo na lousa, "Welcome to the Congo!". Isso pegou muito mal, falou-se em preconceito etc. Em conseqüência, foi imediatamente substituído no cargo e a autoridade competente pediu desculpas. Vamos aos comentários.

1. Eu gosto desse senso prático. O sujeito faz eme, o sujeito é removido do cargo na hora. Não como punição, mas para evitar que faça mais eme.

2. Ué. O que que ele escreveu de errado?

3. O preconceito não é dele. O preconceito é de quem pensou o que pensou quando leu o que ele escreveu. Honni soit qui mal y pense.

30 junho 2007

A viagem do Senhor Atoz a Houston

No período de 11 a 15 de junho de 2007, a empresa onde trabalho enviou-me a Houston, Texas, para participar de um seminário de logística. Tivemos palestras e visitas. O que vou narrar aqui são alguns dos aspectos da viagem que ocorreram fora das horas de trabalho e que mais chamaram minha atenção.

Como o evento era em Houston, avisei minha querida amiga — chamemo-la pelo pseudônimo vulcano T'Riet —, que mora lá e que eu não via desde 2001. Finalmente poderíamos nos ver de novo e ela poderia apresentar-me a seu marido (chamemo-lo Othon), com quem se casara em 2004. Na época, eles me convidaram, mas não pude comparecer à cerimônia.

Sábado, 9 de junho. Ocupei o assento 31C do Boeing 767-300ER, prefixo N1609, da Delta, no vôo 60 para Atlanta. Isso é no meio do avião, junto ao corredor esquerdo. Um colega ficou junto ao corredor direito. Ficamos ansiosos por o avião fechar logo a porta sem que ninguém ocupasse o meio, o que é muito bom e realmente aconteceu. Mais espaço para nós. Comecei a ler 2010, de Arthur Clarke.

Domingo, 10 de junho. O nascer do sol é sempre bonito, especialmente com nuvens no horizonte e visto de altitude. Consegui ver uma parte do céu na faixa verde do espectro, geralmente muito fugaz e estreita.

O café da manhã da Delta é fraquinho mesmo. Croissant com geléia, uma barra de Nutry, alguns biscoitos, suco de laranja, água e uma banana. Nem quis provar o chafé. Depois da quase-refeição, mais 2010 até a página 33.

O primeiro dia é sempre o do deslumbramento. Depois diminui.

Você não tem noção do TAMANHO do aeroporto Hartsfield-Jackson, de Atlanta. É MUITO GRANDE. São seis terminais, ligados por um trenzinho interno ("The next stop is concourse D. Concourse D, as in 'David'." Ou, pra quem é carioca, "next stop, Carioca Estation", manja?). Enquanto taxiávamos, eu só via avião da Delta, avião da Delta, avião da Delta. Vários da AirTran, mas Delta domina. Turns out Atlanta é o hub da Delta, que, até há uns anos, tinha a maior frota do mundo. E muito movimentado! O terminal CHEIO de gente, americanos andando dum lado pro outro, muito comércio, comida, muita gente com criança e muitos militares das quatro forças armadas (Exército, Marinha, Força Aérea e Fuzileiros), andando de camuflado, alguns deles pára-quedistas (pude ler no braço deles: "Airborne"), quase todos eram praças. Não, não estavam patrulhando nada, não pense que eram a segurança do aeroporto (até porque, lá, essa é uma tarefa civil, só o Brasil é que militariza tudo). Estavam sem qualquer equipamento, alguns visivelmente cansados. Com toda a certeza era gente voltando de alguma missão para casa — cabe lembrar que, lá, diferentemente daqui, um militar pode servir em lugar muito distante de casa embora no mesmo país. Imagino que houvesse gente voltando do Iraque, do Afeganistão ou de meros exercícios.

Mas é mesmo um aeroporto muito movimentado. Se cada terminal tem 36 portões, faça a conta, é muito avião.

Enquanto eu olhava, o movimento era muito intenso! Eram dois, às vezes três aviões decolando simultaneamente, dois descendo ao mesmo tempo, uma loucura. Foi somente assim, testemunhando em primeira mão, que pude entender (e isto foi uma tremenda coincidência) um trecho de um episódio de Futurama a que assisti à noite na mesma semana: Fry visita a "lost city of Atlanta" (não Atlantis), dizendo que, no século XXI, ela era apenas um aeroporto, ao que uma sereia responde que não, "Atlanta was more than just a Delta hub".

Conexão para Houston no assento 29E do MD-88 de prefixo N985DL. Em Houston, o aeroporto George Bush (o pai) é o hub da Continental. Quer dizer, tinha vôo direto do Rio para lá, mas imagino que pela Delta fosse mais barato. Chamaram-me a atenção os vários Embraer ERJ-135 e -145 nas cores da Continental.


Se, nos Estados Unidos, você tem que ter carro, em Houston isso é ainda mais verdadeiro. Ninguém anda a pé, e só os pobres e turistas despreparados andam de ônibus. A cidade é toda espalhada, tudo é longe de tudo. Só o centro, centro mesmo, tem arranha-céus; o resto são tudo imóveis de um só andar semeados ao longo de inúmeras auto-estradas, não ruas. É tudo freeway, e o que mais se vê são aqueles SUV's bebedores de Diesel. Talk about global warming.

(Centro de Houston.)
O comércio está organizado em enormes lojas de centenas de metros de frente, ou, então, em malls onde as lojas são parede-com-parede ao longo da fachada; você estaciona em frente à loja e entra nela, mas não há uma galeria interna do mall. São muito comuns as lojas de carros, camionetas e caminhões usados onde se vêem dezenas de cada modelo, variando só a cor. Imagino que cada veículo usado seja bem barato, especialmente naquela terra onde eles têm que compactar os carros velhos de tantos que são.


(O comércio.)
O centro da cidade de Houston é relativamente vazio de pessoas, mesmo no horário do almoço no meio da semana. Acontece que, por baixo dos arranha-céus e seus quarteirões, existe um sistema de túneis. Você entra, por exemplo, na Macy's, desce uma escala rolante dentro da loja, e vai parar num corredor, conectado a pequenas praças subterrâneas, com lojas, academia de ginástica, locadora de vídeo, vários restaurantes e outros corredores, que se conectam a outros prédios. Uma boa forma de se escapar do sol escaldante.

Por toda parte aonde fui, constatei que Houston é uma cidade limpa, e as lojas e o hotel são perfumados. Um detalhe interessante é que muitos anúncios, avisos, letreiros de informações e de proibições em geral estão em espanhol, assim como alguns avisos em alto-falante também são feitos nessa língua. Observei muitos mexicanos, mas também uma etíope, uma turca e alguns paquistaneses, trabalhando em serviços que requerem pouca qualificação. Também é fácil encontrar comida mexicana, e pratos "à moda do Texas" vêm com pimenta ou guacamole.

Você sabia que a Mulher-Maravilha abriu uma cadeia de restaurantes nos Estados Unidos?

Segunda-feira, 11 de junho. À tarde, após a visita técnica, parte do pessoal ficou em um mall (este, sim, ao modo como conhecemos os "shopping centers") chamado Greenspoint, ao norte da cidade. Vazio (talvez por causa do horário), descobrimos que todos os seus freqüentadores são negros! As lojas vendem tênis para basquete, soul music, coisas de que o estereótipo do negro americano vai gostar. Pois tinha uma promoção na Victoria's Secret que a mulherada logo descobriu: dez itens (loções ou hidratantes) por US$ 35, ou cinco por US$ 20. Nessa tarde, todo o mundo saiu de lá com uma bolsinha da VS.

No final do dia, T'Riet veio buscar-me. Jantei em casa dela.

Terça-feira, 12 de junho. Alguns de vocês sabem que, agora, sou um colecionador de quadrinhos da DC Comics. Existem várias edições antigas que persigo. Então, assim que soube que ia viajar, fui ao Google procurar endereços de lojas de quadrinhos em Houston. A mais recomendada por leitores era a Bedrock City Comics, então eu precisava ir lá: 6517 Westheimer. T'Riet não conhece quadrinhos nem tem qualquer interesse por eles, mas, anfitriã querendo fazer-me feliz, levou-me depois de minhas horas de trabalho. Assim, enquanto meus colegas iam a um jogo de baseball, fui caçar revistinhas. Entramos quando faltavam dez minutos para fechar, e fiquei alucinado com a quantidade e variedade de quadrinhos da loja. Freneticamente, pus-me a catar os itens de minha listinha tão rápido quanto conseguia, T'Riet ajudando-me. Em voz alta e inglês, lamentei não ter mais tempo. Aí, o proprietário Mike (ainda não havíamos sido apresentados), vendo o volume de compras e o inusitado de minha situação, pensou rápido e perguntou a um empregado se podia ficar até mais tarde. Não podia. Então Mike me disse que eu podia ficar enquanto ele terminava o que estava fazendo. Saí de lá mais de uma hora depois, tendo explicado a ele como é a publicação licenciada da DC pela Panini no Brasil, que temos um ano de atraso, que Crise infinita ainda está saindo etc. Também dei a ele a cópia mais atual de minha megatabela (cerca de 3200 linhas) para leitura ordenada dos títulos da DC. De um fã para outro, tal como se vê gratuitamente as pessoas disponibilizarem seus árduos trabalhos de pesquisa na Web, peguei meu flashdrive Atoz e espetei no notebook do Mike. Se ele vai ganhar dinheiro com meu arquivo, se meu arquivo vai ser útil no trabalho, se ele vai apagar o arquivo, não me importo; já estou registrado na Biblioteca Nacional como o autor e, se o arquivo tiver alguma utilidade para ele, já estarei feliz.

A primeira foto é metade das novidades do mês. A segunda foto são as edições antigas, em ordem alfabética. A terceira são os encadernados (TP's, trade paperbacks, para quem é do ramo).
Impressionou-me o conhecimento do Mike: se eu perguntava, "tem Legião dos Super-Heróis # 38?", ele respondia, "é do final dos anos 80, né? Se tiver, tali". Se eu procurava edições antigas da Action Comics, ele me dizia, está junto com Superman — mas ele está pensando em dispor AC na ordem alfabética mesmo, porque o público que chega querendo "Superman", genérico, é a molecada, que nunca procura back issues e sim está atrás das novidades, enquanto quem olha as back issues são os colecionadores, que conhecem muito melhor o produto e que procurariam na ordem alfabética. Não adianta Mike juntar AC com outras do Superman (já que colecionadores não querem "qualquer revista do Superman", mas sim alguma revista específica).

Na Bedrock, virei criança na loja de doce. Levei dezenas de edições antigas, mais Crisis on Infinite Earths, Absolute Edition, Superman: the Ultimate Guide, Batman e JLA Ultimate Guides, The DC Comics Encyclopedia, guia visual de Star Wars, cinco volumes do Monstro do Pântano por Alan Moore e três do Sandman (com esses fechei a coleção). Com o volume de compras que fiz, Mike me deu um desconto de 10% em cima do valor que deixaria na loja (e, mesmo assim, não deixei pouco), mais dois catálogos de brinde para eu mostrar na Point HQ, sua contraparte que freqüento (e que recomendo). Perguntei a ele se é comum que alguém gaste tanto, ao que ele me disse que há clientes que vêm mensalmente e gastam bem mais, mas que, sim, o que eu fiz é raro (e bem-vindo). Tive que sair de lá com duas caixas de papelão, que ele me cedeu, para carregar esse material todo.

Pode me chamar de recalcado, mas, enquanto encaixotávamos os livros e revistinhas, eu não parava de comemorar o fato de serem todos imunes a impostos no Brasil (q.v. Constituição, artigo 150, VI, d). Eu ficava imaginando a cara de decepção do fiscal da Receita no Galeão, com a sanha de me tributar mas só encontrando material imune...

Depois T'Riet me levou a jantar em um lugar excelente, com boa variedade de hambúrgueres, comida mexicana, tudo. Sempre sonhei fazer uma refeição em uma dessas lanchonetes que a gente vê em filme americano, com a arquitetura dividida em booths. Comi um frango grelhado sensacional, coberto com um generoso molho apimentado de cogumelos (Hobbits gostam de cogumelos) e acompanhado de guacamole, fajitas e um margarita com sabor de tangerina.

Quarta-feira, 13 de junho. Após o expediente, visita à Waldenbooks, uma livraria pequena, perto do hotel. Fiquei fascinado: aqui, livreiro sabe o que vende! O livreiro Greg lamentou comigo não haver Asimov à venda (nem unzinho!), mas indicou-me outros Autores. Como eu procurava a Fundação, ele indicou-me Duna, de Frank Herbert. Também: antes de eu sair do Brasil, uma advogada americana comentara comigo que o marido a presenteara com uma trilogia de História alternativa, onde a II Guerra Mundial é travada com armas de hoje. Ao percorrer a Waldenbooks, deparei-me com Designated Targets, de John Birmingham, mostrando um F-35 com uma suástica na capa. É óbvio que era parte da trilogia! Mais sobre isso adiante. Anotei o que teria de comprar ali.

À noite, coquetel. O Prof Dale Rogers perguntou-me por que não há sitcoms no Brasil, e dei-lhe uma aula sobre como o brasileiro se relaciona com a televisão e sobre como nos falta uma auto-estima associada a uma identidade nacional. Ele ficou fascinado. Por meandros que a conversa tomou e em razão de minha curiosidade, explicou-me como funciona o sistema educacional americano.

Quinta-feira, 14 de junho. Visita ao porto de Houston, um dos maiores do mundo. Fica ao longo de um canal concluído lá por volta de 1917, o Ship Channel, que tem uns 40 km. Ao longo dele, uma porção de refinarias e terminais. A visita foi concluída com um passeio a bordo do M/V Sam Houston (esse barquinho aí da foto), gratuito, aberto a turistas (embora só nosso grupo tivesse feito dessa vez), e onde era proibido tirar foto (mesmo assim houve quem tirasse). Cozinha no porão, almoçamos ***excelente*** camarão Creole (= cremoso à moda da Louisiana, com bastante pimentão e lembrando bobó, o que é natural: a cultura Creole é de origem africana, igual à afrocultura da Bahia). O barco tem janelas grandes, ar condicionado e poltronas luxuosas de couro por dentro, mas é mais interessante ficar no lado de fora, na proa, onde se aproveita melhor o passeio narrado pelo alto-falante.
Também fiquei sabendo que o encouraçado USS Texas está ancorado por ali, como museu.

Por falar em afrocultura. Faz um tempo que venho constatando que, nos Estados Unidos, as diferenciações raciais não se baseiam só em cor de pele. Há uma segregação cultural. Eles parecem acreditar que "negros devem gostar de coisas de negros e brancos, de coisas de brancos". Isso se manifesta de várias formas, uma delas a linguagem. Pois constatei que o sotaque dos negros, ao menos por ali, é bem aquele sotaque característico que a gente vê nos filmes (geralmente vinculado ao Sul do país, mas valendo também nas metrópoles), esticando a vogal tônica das palavras, diferente do sotaque dos brancos, que, se forem texanos, é mais enrolado. Definitivamente, estou convencido de que o linguajar é usado para demarcar o grupo cultural. Os negros foram-me mais difíceis de entender, eu tinha que pedir que repetissem.

À tarde, fui ao Fry's Electronics. Fiquei abismado com a variedade de DVD's de filmes e séries de TV. Saí de lá com coisas que nem sabia existirem: dois documentários sobre o Genesis, The Battle of Britain, Von Richthofen and Brown (filme B de 1971, a que me prendo por razões emocionais: Richard Bach pilotou pelo menos um dos aviõezinhos), a série Monty Python's Flying Circus inteira, e uma promoção: todos os dez filmes de Star Trek, todos na versão do diretor (ou de colecionador, conforme o caso), por US$ 65! (Depois vi: tá por US$ 82 na Amazon, mais frete.) Depois Othon levou-me à casa deles, onde novamente jantei e assisti ao vídeo do casamento. Novamente lamentei não ter podido ir na época: foi um casamento trekker maneiríssimo, celebrado na ponte da Enterprise-D do Star Trek Experience, em Las Vegas.

Sexta-feira, 15 de junho. Fui a uma Barnes & Noble. Não era nem a maior das várias de Houston, mas era a que melhor conjugava tamanho e distância ao hotel. Fiquei besta de novo. Tem, facilmente, o triplo ou quádruplo da área de uma Saraiva Megastore e estantes mais altas. E o atendimento?! A livreira que me atendeu, supersolícita, conhece o que está vendendo. Perguntei por livros do Carl Sagan, ela perguntou de que gênero (porque tem Astronomia, Evolução, Ciência genérica...). Perguntei por Richard Dawkins, ela perguntou qual; quando eu disse The Blind Watchmaker, ela perguntou se eu também não queria seu mais recente The God Delusion (não quis, já que não tenho referência boa nem ruim sobre ele; está cedo) ou, talvez, o clássico The Selfish Gene (esse eu quis). Um milhão de vezes melhor do que os vendedores de livraria brasileiros, que não conhecem nada do que tem na loja e, aliás, nem sabem se tem. Fiquei lá uma hora e meia e saí com três bolsas carregadas de Pale Blue Dot do Sagan, dois do Dawkins, vários de Rama do Clarke, vários da Fundação de Asimov, dois do Sandman (presente para T'Riet), dicionário de Direito Random Webster, The Wild Blue de Stephen Ambrose, The Hobbit e The Silmarillion (que só depois lembrei estarem em inglês americano, mas espero que isso não me prejudique — de todo modo, é mais barato do que pagar o frete da Amazon.co.uk), o primeiro volume da trilogia Axis of Time (Weapons of Choice — também tinham o segundo, mas estava amassado e eu sabia que encontraria melhor na Waldenbooks)... Todos, conforme eu mais me lembrava e mais me alegrava, imunes a impostos.

T'Riet e Othon vieram me buscar no hotel para assistirmos a Spamalot, a peça de Eric Idle que é versão de Monty Python e o Cálice Sagrado. Era o último dia de apresentação naquela cidade! O povo todo emperiquitado (os distintos senhores de terno, as senhôras de casaco de oncinha), mas Othon de camiseta e eu sem ter tomado banho ainda. A peça está(va) percorrendo todos os EUA há bastante tempo, tendo começado na Broadway em 2005 com direção de Mike Nichols e ganhado três Tonies e alguns outros prêmios. Muito parecida com o filme no roteiro, mas bem diferente na música, que é paródia do teatro da Broadway e também dos agudos esganiçados da Whitney Houston. Estavam lá as cenas do "bring your dead", da discussão sobre a andorinha transportando o coco, do Cavaleiro Negro, do coelhinho assassino, dos cavaleiros que dizem Ni e da descoberta de que Lancelot é gay.

(Arthur inflige uma mera "flesh wound" ao Cavaleiro Negro. Desculpe o borrão.)

Diferentemente do filme, na peça o Cálice Sagrado é afinal encontrado. Estava escondido na platéia, embaixo de uma cadeira. O ator desceu procurando, parou ao lado da vítima (é por isso que eu e muita gente não vamos a teatro), pôs-lhe a mão no ombro, gritou para o palco que tinha achado o Cálice, depois falou para o cidadão, "yes sir, it's your lucky day". Pelo menos não esculacharam o sujeito, já um tanto idoso. De forma bem-humorada, levaram-no ao palco, tiraram foto com ele, deram-lhe um troféu e a peça seguiu para seu final.

Depois, T'Riet e Othon me levaram para jantar em um restaurante italiano/irlandês (sim, é isso mesmo). Comi uma tilápia enorme, com molho de camarão e acompanhada de penne com um molho que era mistura de Alfredo e marinara. Estava de cair pra trás, você devia provar. E para acompanhar: draught bitter Guinness como não tomava desde minha visita a terras de Sua Majestade, em 1998! Eu tinhaquê, entende?

Sábado, 16 de junho. De manhã, visita à Waldenbooks para completar os livros que faltara comprar na B&N. Peguei The Mists of Avalon, perguntei se o volume único era quatro-em-um e, embora a velhinha não soubesse, pelo menos sabia do que eu estava falando (só para constar, afinal era 4-em-1 sim e acabei comprando). Saí dali tendo completado a trilogia Axis of Time (D. Targets, Final Impact), mais levando dois do Hemingway (For Whom the Bell Tolls e A Farewell to Arms), 1984 e Animal Farm. Sempre imunes a impostos.

Entre livros, DVD e promoção da Victoria's Secret, a mala (que, aliás, T'Riet me deu, porque eu fôra só com bagagem de mão) veio pesando 35 kg e a bagagem de mão, dezesseis.

Quem nos levou ao aeroporto foi o terceiro taxista nigeriano que vi na semana (de seis táxis que peguei). Ainda vou entender o que há. Mas, enfim, depois da chuva torrencial que se abateu sobre partes de Houston no meio da tarde, ficamos no aeroporto a aguardar o avião que nos levaria a Atlanta. O aeroporto George Bush é também muito movimentado; era um tal de subir e descer avião que você não imagina — quase todos da Continental e a maioria Embraer ERJ-135 e -145. Mas teve uma hora que chegou um 747 da KLM. Você não acredita que tanto metal consiga estar no ar, ele parece até mais lento. A pista estava molhada da chuva recente e, quando ele acionou os quatro reversores de empuxo, foi aquela nuvem acompanhando os esporrentos motores e atraindo todos os olhares.


(Embraer ERJ-145 e ERJ-135; e 747 da KLM.)

E fomos ficando angustiados, que nosso avião não chegava e a conexão estava marcada para hora e meia depois do pouso em Atlanta. Saímos com mais de duas horas de atraso. Veja adiante a conseqüência disso.

Os passageiros ainda se acomodavam quando vi ali fora, sem alarde nenhum, um F-16 monoposto da Texas ANG, taxiando. Quisera ter podido vê-lo antes. Acho que isso foi o mais perto que já estive de um F-16!

A bordo do avião de Houston para Atlanta, uma passageira muito simpática estava sentada à minha esquerda. Não lembro quem puxou papo, mas ela me contou ser natural da Georgia. Tentei ser agradável dizendo que era o mesmo estado de nascimento do Dr. McCoy, mas ela não me entendeu. "Bones McCoy", eu disse, mas não adiantou. Tive que explicar que, muitos anos atrás, houvera uma série de TV chamada Star Trek e que ele era o médico da nave... Ela nunca vira, só ouvira falar. Resulta que é professora de primeira série, canta na igreja batista e ensina "tudo" a crianças de seis anos: Matemática, Inglês, Ciência... Quando fui contar o episódio de Futurama, comentei a parte em que Fry questionava como os atlanteanos haviam virado sereias em apenas dois mil anos se a evolução leva milhões (solução: a cafeína da fábrica, vocês sabem de quê, é que acelera o processo). A isso ela respondeu, com a maior tranqüilidade que a certeza lhe dá, que não acredita (sic) em evolução.

Nesse ponto eu não soube reagir. Só me certifiquei de que ela tivesse entendido a idéia de evolução, mutação e seleção natural. Ela até disse que sim, mas, pensando em retrospecto, está evidente que não. Desisti de qualquer esforço, não era o momento de deflagrar o velho debate (aliás falacioso) de Ciência versus religião. Nem valeria a pena.

Em Atlanta, enquanto taxiava para encostar no portão, o piloto anunciou que os (21 ou mais) brasileiros a bordo deveriam proceder imediatamente ao portão E36, onde nossa conexão esperava. "DO NOT STOP." Acho que julgaram mais barato atrasar um vôo por uma hora do que pagar diária de hotel em Atlanta para 21 ou mais pessoas. Mas, se nosso terminal de partida para o Brasil era o E, é óbvio que o avião encostou no terminal A. Tive uma oportunidade única de participar da Corrida de Atlanta, carregando 16 kg de bagagem de mão, eu e todo o pessoal. Cheguei completamente ensopado, todos nós agitados, falando alto, esbaforidos, a bordo do 767-300 de prefixo N192DN, carregado de passageiros que deviam estar adorando ter que esperar esse bando de atrasildos desde sei lá que horas. Como requinte final e necessário, é claro que tinha que ter alguém no meu lugar. Eu o escolhera mais de uma semana antes, fiz o checkin a tempo em Houston, mas òbviamente a Delta, demonstrando o maior respeito e consideração pelo passageiro, deu o mesmo assento a um garoto que, estou convicto, não teve uma fração do meu cuidado. Nem perdi tempo discutindo com ele (que é o que o brasileiro médio faria); fui, na mesma hora, procurar um flight attendant, que acabou me arrumando o assento 34C, felizmente ao lado de uma colega muito gente boa.

No vôo de volta, estavam todos eufóricos depois de uma semana estimulante e uma correria para embarcar. Por isso, tinha gente andando e conversando até duas da manhã, hora de Brasília. Uma americana, sentada à minha diagonal, perguntava a um colega qual era a moeda brasileira e qual o câmbio para o dólar. Pensei, essa aí tá lascada. Já o japonês à minha esquerda (oquei, na verdade era americano, perdoe-me, Hiro), esse tinha um mapa e um guia, havia pesquisado e me fez perguntas muito mais inteligentes, sobre lugares a visitar, meios de transporte, custo de vida e bebidas alcoólicas (!). Estava a par da Costa Verde, que sugeri visitasse.

Após o desembarque no Rio, vimos que o improvável havia acontecido: as malas do nosso grupo chegaram junto conosco apesar da barafunda da conexão! Lamentavelmente, o mesmo não podem dizer os sorteados de algum vôo com destino a Brasília, cujas malas ficaram dando voltas na mesma esteira das nossas, a milhares de quilômetros de onde deviam estar. Eu só peço à Infraero, ou a quem quer que seja, que, por piedade, TIRE O SAXOFONISTA que fica desafinando Tom Jobim, Toquinho e João Gilberto como som ambiente para quem, estressado e cansado, está esperando suas malas aparecerem na esteira. Tá certo que a música é uma profissão difícil, ingrata, mal paga; mas, francamente, ali não é o lugar nem a hora. Ele podia fazer par com seu contraparte que fica na porta do metrô da Carioca; quem sabe um ensina ao outro. Ou não.
Por último, a alfândega. Enquanto eu ficava no free shop, a Receita deglutia um vôo que chegara de Miami logo antes do meu. Quando foi minha vez, mal havia fila, e os fiscais me ignoraram! Ninguém sequer me viu; só entreguei o formulário, nada a declarar (nada mesmo: por dois dólares, fiquei dentro da cota, e livro não paga), e sequer tive que apertar o temido verde/vermelho. Eu olhava em volta, mas nenhum fiscal me via! Portanto... fui.