28 abril 2008

Maré de tranqüilidade

Conforme já comentei aqui, estou lendo The Wanderer, de Fritz Leiber. A idéia do livro é simples: de repente, não mais que de repente, oriundo do hiperespaço durante um eclipse lunar, surge um planeta bem junto da Terra, logo além da órbita da Lua. O Autor demonstra os fenômenos que decorrem daí e as diferentes reações das pessoas.

Foi por causa dessa premissa que comecei a ler o livro. O que eu não sabia era isto: que a narrativa é arrastada e que está fragmentada em (que eu lembre agora) doze perspectivas, cada uma com seus protagonistas tendo uma visão parcial do fenômeno. Bem, tendo eu lido metade do livro, ele melhorou da chatice e, apesar dela, persisto porque estou muito curioso em saber o que o Autor propõe.

A propósito, é sintomático que, quando fui pesquisar sobre The Wanderer na Internet, eu tenha encontrado várias resenhas repetindo a mesma crítica que fiz acima: há personagens demais e a narrativa fica toda entrecortada. Com isso, o próprio Autor revela-se incapaz de uma caracterização adequada, patinando e cansando o leitor.

Mas não foi pra falar disso que entrei no assunto. É o seguinte: o planeta tem massa semelhante à da Terra. Sua proximidade causa tremendos efeitos de maré sobre a Terra e, mais importante, sobre a Lua. Na primeira, o mar sobe muito além do que a civilização consegue tolerar, e a segunda é toda deformada e partida em pedacinhos. Vai daí que, em certa passagem, um cientista lembra que a força de maré decai com o cubo da distância.

Na hora, parei a leitura e pensei: tem algo errado. A força de maré é uma decorrência da gravidade, e esta decai com o quadrado da distância, não o cubo. Mas o Autor insistiu no parágrafo seguinte e ainda deu um exemplo. Além do mais, não escreveu o algarismo 3, mas pôs “cube” por extenso.

Nesse ponto, vocês sabem o que eu tinha que fazer: consultar minha nova amiga, a Wikipedia. Para meu espanto, o verbete sobre a força de maré não só confirma que ela decai com o cubo da distância como ainda mostra a dedução da equação.

(Incidentalmente, se você precisa saber, grosso modo é o seguinte: a força de maré é um diferencial da força da gravidade. Expandindo a gravidade em uma série polinomial, a força de maré aparece no segundo termo e é por isso que sua potência é –3 em vez de –2. Mas isso não interessa.)

O enfoque aqui é o seguinte: senti placidez ao ver a dedução da equação.

É preciso entender que, durante todo o curso de Matemática do segundo grau e, depois, durante todo o curso de Engenharia, você aprende a nunca aceitar uma equação pelo valor de face. Todas as equações que expressam leis naturais devem ser provadas através de dedução. Isso faz todo o sentido, porque a carreira do engenheiro será construída sobre o pressuposto de que as equações são válidas, e não haverá tempo para ficar verificando se estão corretas. Então, você deduz uma por uma, penosamente, para prová-las para si mesmo, uma única e sólida vez, não ter mais que olhar para trás depois e poder consultá-las sempre que quiser, sabendo que é território já conhecido e provado. Desse ponto em diante, elas podem ser consideradas verdadeiras, e você saberá todos os pressupostos que vão implícitos, todas as premissas e, a partir delas, os limites até os quais se pode acreditar em cada equação.

Então, ao longo da minha vida, toda vez que me deparei com uma equação, tornou-se uma reação quase instintiva verificar se realmente ela estava correta, se nenhum termo estava faltando, quais eram as premissas. É verificar se posso acreditar no que estou lendo, do mesmo modo como você confere a retórica de qualquer texto, verificando se os argumentos são válidos, se o Autor não omitiu nada, se seus exemplos se aplicam. Porque uma equação é um argumento como qualquer outro, sujeito a verificação para o Autor te convencer com base na credibilidade que adquiriu junto a você. Isso é importante, porque às vezes eles erram mesmo, e as conclusões passam a estar furadas. Minha própria dissertação de mestrado nasceu de um erro de sinal cometido por um conceituado pesquisador ao deduzir uma equação. Levei meses para aceitar que o cara realmente tinha errado, mas a oportunidade de fazer do jeito certo foi uma das grandes motivações do trabalho.

Assim, quando a Wikipedia mostrou a dedução da equação da força de maré, senti uma tremenda segurança: eu já tinha passado por tudo aquilo, todas as grandezas físicas eram minhas conhecidas. Especìficamente, nunca havia estudado a força de maré, mas isso não importava, porque eu tinha a certeza de que, com o conhecimento de que a escola me munira, a qualquer tempo seria (e sou) capaz de conferir se a dedução está correta.

E o melhor de tudo é que não tenho que. Eu não estava interessado na fórmula exata, nem queria verificar se estava correta, nem seria obrigado a isso: bastava-me confirmar se o denominador tinha um raio ao cubo, e passei a ser o responsável por minha própria certeza e meu eventual e irrelevante erro. Há uma demonstração para acompanhar, e sempre existe o argumento de autoridade de que, se o digitador se deu ao trabalho de demonstrar (e com isso deu a cara a tapa, porque qualquer um pode conferir), então provavelmente está certo. E não abro mão do poder de verificar a correção. É só que não tem importância nenhuma, não estou projetando nenhum satélite para estar proibido de errar a conta.

Então, vejam: eu procurava a confirmação de uma declaração que encontrei em um livro. O Autor não é nenhum tolo. Se sua ficção científica é respeitada, é que ele tomou certos cuidados e não ia cometer um erro desses. Aí, fui investigar e encontrei demonstração de que a força realmente decai com o cubo da distância, qualquer que seja a fórmula completa. É quanto basta, e me senti totalmente por cima daquilo tudo, território já dominado, onde tàcitamente sei tudo que preciso saber para me convencer da correção do aprendizado novo. As equações apareciam desnudadas para mim, sem possibilidade de se imporem, de eu ter que ficar quebrando a cabeça com alguma realidade física desconhecida.

A propósito, meu exemplar é tão velho e está tão seco que vai se fragmentando à medida em que vou lendo. As páginas vão quebrando quando são abertas e acabam caindo, de modo que, por mais que eu leia, não muda o número de páginas entre a primeira e o ponto onde estou. O negócio é ler mais rápido do que o livro se desfaz antes que ele me alcance, feito Tom Hanks subindo a escadaria em Um Dia a Casa Cai.

Recém-lidas:
Justice League America #61 (abril de 1992);
Justice League Europe #37 (abril de 1992), apenas as primeiras páginas;
Flash #62 (início de maio de 1992);
The Sandman #37 (maio de 1992).

23 abril 2008

O Evangelho do Coiote

Recentemente, terminei de ler Animal Man #5, do inverno de 1988. A história chama-se “The Coyote Gospel” e foi escrita por Grant Morrison e desenhada por Chas Truog e Doug Hazlewood, com capa de Brian Bolland. O motivo de eu ter procurado essa edição de AM é a grande quantidade de elogios que li na Internet, principalmente os que dizem que a história é perturbadora e inovadora, usando a simbologia cristã para trazer uma interpretação de seu Autor sobre o significado e as intenções de Deus.

ATENÇÃO: VOU CONTAR A HISTÓRIA E SEU FINAL. Você foi avisado.

Tudo começa com um caminhão atropelando e matando um coiote, que em seguida ressuscita. Um ano depois, o motorista volta ao local, acreditando que sua vítima seja um demônio que prejudicou sua vida de lá pra cá e determinado a matá-lo de uma vez por todas. Ele atira no coiote, que vemos cair no abismo e ficar pequenininho, cada vez menor, até virar uma fumacinha lá embaixo. E uma pedra cai em cima dele.

Isso lhe parece familiar?

Mas o coiote sobe de volta e o sujeito explode uma bomba que o deixa mutilado. Nisso, chega o Homem-Animal, que, apesar de teòricamente ser o protagonista, é um mero espectador nesta história. Aí, o animal ferido lhe estende um papel enrolado: o Evangelho do Coiote, que o leitor tem chance de saber o que contém.

O Evangelho é a história de como, no mundo dos bichinhos, tudo era violência e eles passavam o dia se matando uns aos outros em atos de crueldade fútil: bombas explodindo na cara, bigornas caindo, rolos compressores atropelando-os etc. Os bichinhos sempre ressuscitavam para serem mortos de novo em um ciclo de carnificina sem fim.

Um dia, o coiote Crafty (Engenhoso em português) estava preparando uma armadilha para o pássaro que corria -- e agora, reconheceu? --, quando a passagem súbita do corredor fez a armadilha reverter e ele levou um tiro de canhão na cara. Para Crafty, isso foi a gota d'água. Ele foi se queixar a Deus, que lhe respondeu que essa era a ordem natural das coisas e mais: a inconformidade de Crafty foi um desafio à autoridade divina, e ele devia ser punido. Mas Deus era misericordioso e permitiu que a punição tivesse um propósito. Então, Crafty pediu que seu suplício servisse para que não houvesse mais violência no mundo dos bichinhos. Em resposta, Deus condenou-o a morrer sucessivas e trágicas vezes no mundo real, sempre sentindo as dores. Enquanto isso continuasse acontecendo, os bichinhos seriam poupados. Assim, Crafty tornou-se um mártir, que aceitou sobre si todo o sofrimento do mundo para que outros pudessem viver em paz.

Infelizmente, o Homem-Animal não consegue ler a escrita e devolve o papel sem ter tido acesso a seus ensinamentos. Ato contínuo, o motorista do caminhão atira em Crafty com uma bala de prata e ele morre pela última vez, estatelado com braços e pernas abertos sobre o asfalto, o corpo na mesma atitude que vemos nos crucifixos. Fim.

Em primeiro lugar, confirma-se o que li na Internet: história perturbadora, inovadora, chocante e, definitivamente, não o tipo da coisa que se costumava ver em quadrinhos. Eu nunca vi temas dessa seriedade serem discutidos assim, ainda mais misturando seu conteúdo com o de desenhos animados considerados infantis.

Em segundo lugar, existe a admissão aberta de que os desenhos da Warner são violentos sim, o que chama atenção diante do fato de que a DC já pertencia ao grupo Time Warner na época da edição. Reconhece-se abertamente que seus personagens sofrem crueldades que matariam qualquer um. A única explicação possível é que, em seu mundo surreal, as mortes seqüenciais são sucedidas por imediatas ressurreições, e também o absurdo dessa situação é abordado de frente, escancarando que as leis físicas dos desenhos animados são diferentes das de nosso mundo.

Em terceiro lugar, a história é um vislumbre da visão que Grant Morrison deixaria mais clara entre as edições 23 e 26 de Animal Man: a de que o universo dos quadrinhos (e também o dos desenhos animados) não é mais nem menos real do que o nosso, e de que cada um tem suas próprias regras. A "realidade" dos desenhos não é absurda, apenas funciona de outro modo.

Em quarto lugar, existe aí um tema bastante grave e que exige reflexão. É a possibilidade, intuída e apontada por Morrison, de que nós, criaturas, não passemos de joguetes nas mãos de um Deus que nos usa apenas para Seu próprio divertimento. Assim como não dedicamos um segundo pensamento a formigas ou bactérias, da mesma forma talvez estejamos sendo tratados sem a menor consideração por um criador que não poderia sequer ser chamado de cruel. A própria Bíblia autoriza essa interpretação quando traz a idéia de termos sido criados para servi-Lo. Assim como Morrison se importa com personagens que considera bastante reais, também demonstra preocupação com seu poder de manipular esses personagens, como seu criador que é. Na qualidade de autor, ele teria uma responsabilidade, que ficaria mais evidente nas edições 23-26 da revista. Não por coincidência, o rosto de Deus não aparece, mas Ele é representado usando roupas como as nossas e portando lápis e pincéis.

Finalmente, a noção de um coiote como o Cordeiro de Deus, como o redentor que se oferece a livrar o mundo de seu sofrimento absorvendo o padecimento sobre si mesmo, é dolorosamente familiar e, por isso mesmo, há de ser considerada sacrílega por quem não tiver o poder de generalizar. Afinal, por que somente os homens teriam a possibilidade de uma tal salvação? A história é totalmente coerente com a visão ecológica de que a raça humana não tem a importância que atribui a si mesma e de que os animais têm tanto direito a este planeta (e universo) quanto nós.

Ao mesmo tempo, “The Coyote Gospel” é uma subversão da visão tradicional da figura de J.C., na medida em que retrata Deus como um tirano que exige sacrifício. Nessa óptica, J.C. não seria Deus encarnado, mas uma vítima da autoridade sanguinária. É até de se estranhar que a história não tenha levado multidões com archotes a apedrejar o prédio da DC nem o escocês Morrison a ser banido de escrever nos puritanos Estados Unidos.

Incidentalmente, “The Coyote Gospel” foi publicada no Brasil em DC 2000 no. 7, de julho de 1990, e republicada nos Estados Unidos no encadernado Animal Man, de 1991.



Recém-lida: Armageddon: Inferno #1 (abril de 1992).

Aqui como lá

Alguns dias atrás, o Strange Maps mostrou a curiosa situação da cidade alemã de Büsingen am Hochrhein: existe um pedaço de Suíça entre essa cidade e o resto da Alemanha. Então, o mapa da Suíça tem um olho, ou um buraco, onde fica Büsingen; e o mapa completo da Alemanha tem um pedaço destacado do principal, tal como o Alaska dos Estados Unidos.

Essa anomalia territorial tem algumas conseqüências curiosas, como o fato de o único posto de gasolina de Büsingen afirmar (aparentemente com razão) ter a gasolina mais barata do país, em decorrência de acordos alfandegários que a cidade mantém com a Suíça.

Comentei essa situação com o Filósofo, que me lembrou: temos isso no Brasil também. Como assim? perguntei. É em Brasília: a sede do STF, com seus Onze Alemães.

(Em tempo, cabe um esclarecimento. Habitualmente, nosso Supremo Tribunal profere julgamentos academicamente impecáveis, bem fundamentados etc. Infelizmente, conforme eu e o Filósofo já havíamos conversado, na maioria desses julgamentos os Ministros do Supremo têm a tendência de imaginar que estão na Alemanha, onde há dinheiro para tudo, onde ninguém tem fome, onde a polícia não bate nas pessoas, onde o cidadão acompanha a política e vota conforme uma convicção formada independentemente, onde todos são alfabetizados e conservadores e os vizinhos se respeitam. Apesar de mim, não vai aí uma crítica. Realmente devemos nos esforçar para este País se converter naquela espécie de paraíso dos direitos, e os julgamentos devem ser emitidos no sentido de realizar aquela utopia. É só que, na visão que os Senhores Ministros deixam transparecer, parece que aquilo tudo já é real. Com isso, às vezes os julgamentos se distanciam da realidade e seu conteúdo acaba perdendo efetividade.)

Recém-lidas:
Swamp Thing #98 (agosto de 1990);
Hellblazer # 52 (abril de 1992).

18 abril 2008

A Bíblia é metal total

Hoje à tarde, comentei com o Filósofo que a Bíblia é um livro bem heavy metal. Com isso, dizia que é genocídio, ciúme doentio, radicalismo, guerra total, muito sangue, violência gráfica, cadáveres putrefatos aqui e ali, etc.

Não é à toa que é o livro preferido do Alex Castro, porque tem tudo que um bom livro deve ter: intriga, romance, traições, corrupção, incesto, conflitos familiares, vingança, conflitos morais. Também contém conselhos sensatos (Sabedoria, Provérbios, Eclesiastes), poemas belíssimos (Salmos), recomendações para uma boa dieta (Daniel), Direito (Levítico, Deuteronômio), mitologia e arquétipos junguianos (Gênese), delírios insanos e geniais (Ezequiel, Apocalipse -- vai dizer que as capas dos discos do Iron Maiden não vieram de lá?), épicos (Êxodo, também conhecido pela atuação de Charlton Heston), regras simples mas eficazes de boa convivência (os quatro evangelhos), a lista é longa.

Aí, cliquei no Janer Cristaldo e li seu post sobre liberdade, ateísmo e religião (datado de 13 de abril). Tive que comentar por email:

“Há umas semanas, também comentei em meu belogue: toda vez que a Igreja se mete em política (o que, aliás, é direito dela), é SEMPRE para dizer NÃOPODE. SEMPRE para PROIBIR crentes e incréus de fazer alguma coisa, nunca para permitir.

“Tremenda inimiga da liberdade, essa Igreja. Entre os dela, não me importo (estão lá porque querem. Já estive lá, sei disso). O problema é que querem que EU me sujeite a seus mandamentos, eu, que não escolhi segui-los, não lhes pedi nada nem, em teoria, vou para o Céu.”

Eu poderia ser levado para o Céu contra minha vontade? "Muito bem, Atoz, você agiu com retidão e piedade. Vem pra cá." "Não quero, quero ir para o Inferno." "Veja bem, Atoz, você não tem escolha, tem que vir para onde Eu quero." "Pô. Até aqui? Já não basta antes, estou condenado pela eternidade?!"

***

Vocês sabem a opinião que tenho das pessoas que trabalham em determinada lanchonete de festifúdi. Abaixo deles, o único degrau na escala das qualificações profissionais são os malditos distribuidores de filipetas que abundam em calçadas do Centro. Mas ontem eles se superaram. Sério. Conseguiram me surpreender mesmo.

É uma venda na porta do Metrô da Carioca, só duas moças atendendo. Uma no caixa, outra no balcão. Paguei à primeira, fui à segunda.

Eu: “Boa tarde. Um Chicabon quinhentos, por favor.”

Moça do balcão (com olhar morto e beiço pendurado): “O que que é Chicabon quinhentos?”

Moça do caixa, aflita: “É um milkshake sabor Chicabon. É médio.”

Em seguida, a moça do caixa largou a cliente que estava sendo atendida e foi fazer o milkshake pra mim enquanto a moça do balcão só olhava.

***

Já esta foi no caixa eletrônico, menos de dez minutos depois. A máquina tinha cinco opções de valores para saque: R$ 10 -- R$ 60 -- R$ 110 -- R$ 180 -- R$ 330. Escolhi a terceira: cento e dez reais.

Deu mensagem de erro: “VALOR INVÁLIDO -- VALOR DEVE SER MÚLTIPLO DE R$ 50”

Sou eu?

Recém-lidas:
Swamp Thing #96 (junho de 1990);
Swamp Thing #97 (julho de 1990).

16 abril 2008

Anotações: Swamp Thing #70 e #74

Enviado a Greg Plantamura em dois momentos diferentes:

"Greetings.

"First, let me compliment you on your Annotations for Swamp Thing. One cannot do it enough. Also, I should thank you for the help they provide.

"But then, may I contribute? I have found a minor detail in issue 70, page 22, panel 3. As Swamp Thing is forming, we can read the usual "shlep plep blup"sounds, but this time they are different and appear as "SHLOEL BSSTTE TTLBN". I do not know who "Shloel" is, but do you not recognize the other two names?...

"Once I found this tidbit, I felt I had to share it with you so you could choose whether or not to put it up. Thanks for bearing with me so far.

"Keep up the good work,

"João Paulo Cursino
"Recent fan of Moore and Veitch's Swamp Thing"

"Greetings. Me again.

"In your annotations for Swamp Thing #74, you mention that the cops in page 24 are the same as in #31, page20. Indeed. I realize that you have noticed what follows, but I thought you might like to make explicit mention to this: that #74, page 24, panels 4 to 7 are a precise mirror of #31, page 21, panels 1 to 4.

"Still using your annotations as reference,
"J.P. Cursino"

Deep Space Nine: Jornada em tons de cinza

Em fevereiro de 2007, Alex Castro comentou como Jornada nas Estrelas defende a ideologia do modo de vida americano. De modo geral, concordo com ele. Mas tenho uma contestação a fazer, que fiz por correio eletrônico e que repito abaixo.

"Alex, sou trekker há 17 anos e há 17 anos analiso Star Trek com o mesmo olhar crítico, em busca de ideologias, significados, referências. Você está certo. A Terra do século 24 é a canonização da Nova Ordem Mundial, arauteada por Bush Pai.

"Mas --

"Talvez você gostasse de assistir a Deep Space Nine a partir da terceira temporada (ignore as duas primeiras). Mostra como os humanos/a Federação são egocêntricos e acham que sempre têm razão. O comandante da estação Nove é obrigado a aceitar que existem outros modos de vida (OK, isso as outras séries também tinham, "mas o nosso é melhor") -- E QUE O DELE PODE ESTAR PODRE. Critica-se como é fácil ser santo no paraíso (i.e. Terra) [aqui eu me referia ao magnífico monólogo de Sisko em "The Maquis, Part II"], como os oprimidos podem preferir a opressão, como uma vida mais simples pode ser preferível etc. Os melhores episódios são justamente os que criticam a Federação e lhe fazem um contraponto [p.ex. o discurso de Quark em "The Jem'Hadar"].

"Aliás, não é verdade o que você disse: que nunca há rebelião na Terra do século 24. O par de episódios "Homefront" e "Paradise Lost" mostra justamente um GOLPE DE ESTADO dos almirantes que queriam um Estado policial, usando o medo para manipular a população. Infelizmente, são episódios mal conduzidos, mas é uma grande premissa.

"A série é muito mais madura do que a NG: os personagens cínicos ganham destaque [aqui eu me referia ao Garak mais do que tudo, mas também aos lampejos de cinismo de Quark e Odo e a Sloane, de "Inquisition"], ninguém nunca mais é bonzinho puro nem mauzinho até o fim [q.v. Dukat e Damar], joga-se muita Realpolitik, engana-se, mente-se, trapaceia-se, manipula-se direto.

"A propósito: você disse que Roddenberry transformou a série Clássica em uma conservadora NG. Na verdade, Roddenberry era conservador, fã de Lincoln etc. O que a série Clássica teve de bom no caráter dos personagens é devido unicamente aos *outros* produtores e editores: John D.F. Black, D.C. Fontana e, principalmente, Gene L. Coon. Roddenberry deu só a estrutura e as premissas, mas nunca teve o talento de desenvolver. Isso está fartamente documentado, embora não tenha ampla divulgação fora do círculo trekker. Já na NG, os produtores foram mormente Rick Berman e Michael Piller (especialmente o primeiro), que não tinham as mesmas motivações nem queriam mexer muito com uma série que dava dinheiro porque dizia o que as pessoas queriam ouvir.

"Isso não me impede de ser fã das três, mas é que eu gostaria de pôr tudo em perspectiva.

"Valeu.

"Seu continuado leitor,
João Paulo".

Recém-lida: Swamp Thing #87, de Rick Veitch e Tom Yeates (junho de 1989).

15 abril 2008

Make war not love

Esta notícia mostra alguma coisa sobre a população americana e sua moral. Aparentemente, as pessoas consideram mais tolerável uma agressão extrema do que uma demonstração de afeto.

Na verdade, não deveríamos nos surpreender: o puritanismo está na raiz histórica daquela cultura. Acontece que se pode fazer também outra leitura: há uma cultura da agressividade, do individualismo; da tomada, por um cão, do pedaço de carne que está na boca de outro cão. É uma cultura da supressão da vontade e da existência do outro em nome da satisfação das necessidades próprias imediatas. Não é sem motivo que a atitude genérica dos britânicos em relação aos americanos é considerar imaturos estes últimos, como um bando de adolescentes mimados com excesso de testosterona e de recursos.

Dirão que o problema está nos vidiuguêimes e criarão leis para suprimir jogos sensuais ou violentos. Feliz ou infelizmente, o capitalismo e a cultura de massa não devem ser encarados como causas dessas tendências. São apenas ambientes que as revelam, que as escancaram.

Acho que o próximo passo vai ser nos amarrarem nas cadeiras e nos forçarem a assistir três dias seguidos de cenas violentas. Então sairemos cantarolando Beethoven e reencontraremos nossos amigos Pete, Georgie e Dim. Videe well.

14 abril 2008

Uma coisa que me irrita e outra que me diverte

Irrita-me a expressão "e nem". São duas conjunções aditivas juntas e, por isso, a expressão está errada. "Não pode sentar na grama, cuspir no chão e nem jogar papel na rua." Está errado.

Por favor, nunca escreva "e nem". "Não pode sentar na grama, cuspir no chão nem jogar papel na rua", por piedade.

Minha última conta de luz traz a lista dos sorteados na promoção do débito automático. É assim: você inscreve sua conta no débito automático e entra na promoção. Se for sorteado, ganha uma televisão de plasma de 42 polegadas! Legal, não?

Muito. Pense comigo: deve haver um bom motivo para a companhia de luz sortear cinco televisões de plasma por mês em troca de sua inscrição no débito automático. Alguma coisa muito importante está acontecendo a ponto de a companhia me acenar com tamanha isca. E tudo que preciso fazer para ganhar uma televisão de plasma é permitir que, todo mês, tirem da minha conta bancária o valor do pagamento da luz, sem me dar a opção de discordar dele: vou pagar, querendo ou não. Se houver algum erro, não é mais possível exigir uma fatura corrigida; primeiro pago, depois discuto.

É o seguinte: se fosse bom pra mim, eles não estavam me oferecendo cinco televisões de plasma por mês, é ou não? Se o débito automático fosse bom para mim, eles estariam é escondendo, não estimulando; eu ia ter que pagar pra fazer. Então, quanto mais eles querem me subornar com o sorteio -- aliás, não é nem com o sorteio: é só com a perspectiva dele, porque não tenho qualquer garantia. É uma promessa vazia --, quanto mais querem me seduzir com o sorteio, mais me convenço de que é uma roubada. Então, estou fora; podem sortear televisões de plasma à vontade, podem sortear coleções completas de Asimov e Clarke e todos os DVDs de Futurama, que só vão me convencer a fugir disso.

Ninharias em troca de minha escravidão eterna. Deparamo-nos com essa escolha todos os dias. Não, obrigado; prefiro eu mesmo trabalhar para comprar a tal televisão. No final, é mesmo a única forma de adquiri-la; todas as outras são ilusão.

Recém-lida: Swamp Thing #84, de Rick Veitch e Tom Mandrake (março de 1989).

13 abril 2008

Você é aquilo que aprova

Na semana passada, acabei de ler Preceitos para uso do pessoal doméstico. Trata-se de uma tradução portuguesa (de João Fonseca Amaral, Lisboa: Editorial Estampa, 1970) que inclui quatro obras de Jonathan Swift: Directions to Servants, A Letter of Advice to a Young Poet, A Modest Proposal e When I Come to Be Old. A edição conta com uma introdução ao Autor, escrita por André Breton, da qual extraio a seguinte passagem:

"Opõe-no a Voltaire (...) a forma de reagir ao espectáculo da vida (...): um, disposto à perpétua chacota, o de um homem que tomou as coisas pelo lado da razão, nunca pelo do sentimento, e que se encerrou no cepticismo; o outro, impassível, glacial, o de um homem que as tomou de maneira inversa, e por isso se indignou com o mundo. Alguém observou que Swift ‘provoca o riso sem dele participar’. (...) Em toda a sua existência, apenas a misantropia é a disposição que não encontra qualquer correctivo e que os factos não desmentem. Ele disse um dia, mostrando uma árvore fulminada por um raio: ‘sou como esta árvore, morrerei pelo cimo’. Como por ter desejado alcançar ‘este grau de felicidade sublime que se chama a faculdade de ser bem enganado, o estado plácido e sereno que consiste em ser louco entre patifes’ (...)."

Assim, Preceitos contém três casos típicos do talento corrosivamente cínico de Swift (a última obra traduzida não segue o mesmo estilo). Permito-me destacar alguns exemplos que bem ilustrarão o senso do gênio. Um deles é justamente o primeiro parágrafo da obra:

"Quando o senhor ou a senhora chamarem um criado pelo nome e ele não estiver presente, que ninguém responda, pois de outro modo não se acabarão os trabalhos (...).

"Não se sujeitem a mexer um dedo seja para que trabalho for, diferente daquele para que foram contratados. Por exemplo, se o moço de estrebaria estiver embriagado, ou ausente, e o mordomo receber ordem de fechar a cavalariça, a resposta imediata deve ser esta: 'Salvo o devido respeito por Vossa Senhoria, nada percebo de cavalos' (...).

"Para ficar a conhecer os segredos das outras casas, conte à confraria os da sua; tornar-se-á, assim, um favorito, dentro e fora de portas, e será tido por pessoa importante."

E por aí vai. Há recomendações para que os empregados não peçam permissão antes de se ausentarem, para não aborrecerem seus senhores: em lugar disso, saiam sorrateiramente para que sua falta não seja notada e, se chamados ao retorno, sempre possam dizer que saíram há coisa de um minuto.

(O conteúdo desta mensagem foi cortado pelo próprio autor. Motivado por considerações políticas, tirei dois parágrafos que estavam aqui.)

Recém-lida: Animal Man #5, de Grant Morrison e Chas Truog, inverno de 1988.

12 abril 2008

Correndo atrás

Não brinco nem exagero quando digo que gostaria muito de um dia ter lido todos os livros de e sobre Jornada nas Estrelas. São várias centenas. Confira aqui.

Se você não é um trekker, é difícil que entenda ou sinta o prazer de ler livros de ficção ambientados no universo criado por Gene Roddenberry. Esses livros só podem ser mesmo apreciados por quem ama essas séries e conhece seus personagens a fundo. De modo geral, descrevem um universo ainda mais rico do que aquele mostrado na televisão, porque não se submetem aos limites do filmável e apelam à imaginação de quem os lê. Também são recheados de referências, que só podem ser compreendidas por quem tem intimidade com as séries. Ao que consta, isso é especialmente verdadeiro nos livros publicados de uns quinze anos para cá.

Faz muito tempo que não leio ficção de Jornada. Especialmente, nunca li nada mais recente do que a quarta temporada da NG, de 1991. Não há mal nisso, porque, se a opinião dos trekkers dos anos 70 bater com a minha, os livros dos anos 80 parecem os melhores. Foram escritos por verdadeiros fãs e vêm do coração. Já os mais recentes também são escritos por fãs, mas têm três desvantagens: (1) os Autores são profissionais; (2) dependem de muitas referências de episódios recentes, que não vi; (3) os Autores parecem fãs mais novos, de um tipo que nutre menos afeto por personagens e histórias e mais por mistério e ação.

Mesmo apesar disso, sinto falta de ler o abundante material publicado desde o final dos anos 90. Tantas obras de ficção, situadas em um ambiente tão familiar a mim, seriam um confortável retorno a uma versão mais simples de minha vida.

Nos últimos minutos, estive visitando as atualizações dos saites de Steven Roby, que lhes havia acrescentado as capas de sua enorme coleção de fanzines dos anos 80. Lá estavam nomes como o de Jean Lorrah, autora de Kobayashi Maru, e desenhos de pessoas que òbviamente os extraíam de seus sentimentos.

A nostalgia é forte. Sinto saudade de um movimento trekker do qual só pude testemunhar o final, no momento em que despontava uma nova juventude, que já não se importava. Perdi a melhor parte: os amadores e apaixonados anos 70 e 80.

No fone de ouvido: Nightwish, End of an Era, ao vivo, incluindo Nemo e Wish I Had an Angel. Há poucos dias, Pink Floyd, Comfortably Numb.

11 abril 2008

Gravidez

Eu não sou trekker porque gosto destas coisas. Eu gosto destas coisas porque sou trekker.

Com atraso de três meses, acabei de ver o teaser de Star Trek XI.

Coisas que me deixam arrepiado:

- as vozes de Kennedy prometendo os anéis de Saturno em 1961, do controlador se despedindo de John Glenn, da Águia pousando, de Tio Neil dando um pequeno passo, e de Spock, “espaço, a fronteira final...”;

- conseguirmos saber qual é a nave antes de o nome aparecer;

- o tema original de Alexander Courage quando vemos o nome da nave;

- a ponte de comando como era na época de “The Cage”;

- as letras “Enterprise” como eram antes de “The Cage”.

Posso fazer uma autocrítica: toda a nostalgia da Era Espacial é voltada para o público americano. Só que convenhamos: aqui no Ocidente, durante a Guerra Fria, a Era Espacial era um produto americano. Foram eles que fizeram aquilo tudo. Se quiser apelar para essa lembrança coletiva, não tem jeito, é americanóide mesmo. Então embarquemos.

O apelo à herança da Era Espacial não é novidade. A lamentável e esquecível série Enterprise tinha essa virtude em sua abertura.

Estou tão descrente quanto a maioria: temo (e considero provável) que o filme não respeite o cânone, não seja um bom filme nem uma boa homenagem. Mas, se corresponder ao teaser, contrariará maravilhosamente essa expectativa cinzenta. 

04 abril 2008

Andando sobre esteiras

Quando estive em viagem no Exterior, tive uma impressão marcante que agora divido com você. É uma impressão que também me vem quando vejo fotografias desses lugares e anúncios em revistas, na Web e na televisão, mas ao vivo é bem mais forte.

Eu olho para fora do veículo na estrada e vejo aqueles enormes cartazes (no Brasil são chamados de outdoors, o que é uma obviedade; lá são billboards). Se estiverem em inglês, eu até entendo as palavras, mas, qualquer que seja a língua, não entendo os cartazes. Nem em português, quando viajo para qualquer outro Estado do Brasil.

O primeiro choque é que não sei do que estão falando. Anunciam empresas das quais nunca ouvi falar, produtos que não conheço, nem sei com que facilidade estão presentes no mercado local. Não sei o quanto deveria ser óbvio eu conhecê-las quando estou ali. Não fazem parte da minha vida, não tenho um referencial nem qualquer familiaridade; não há aquele conforto do reencontro com as coisas conhecidas. Faltam-me parâmetros para orientação e avaliação do que estou lendo. São cartazes vazios de significado para mim e meramente fazem poluição visual na paisagem.

O segundo choque é que não importa o que estão falando. É sempre a mesma baboseira, com as mesmas frases prontas e genéricas: "a vida na sua mão", "com você em todos os momentos", "pensando sempre em você", "você pode esperar mais". Então, na verdade eu sei, sim, o que está escrito, porque nunca é diferente disso.

O terceiro choque é ver como fui capaz de decifrar o código. É ver como é trágico que não haja tanta identidade cultural nos lugares aonde vou. É ver como, em qualquer lugar do mundo, os anúncios são iguais, porque o capitalismo é absolutamente homogêneo, as empresas se comportam da mesma forma, os padrões e sistemas são os mesmos. Com a Nova Ordem Mundial e a globalização, o mundo ficou mais pasteurizado.

Olhem esta fotografia, por exemplo. Isso poderia ser o que eu estivesse vendo de dentro de um ônibus, é a típica foto que eu poderia tirar em viagem. Na verdade, baixei-a do saite de um banco holandês chamado ING e não entendo o que está escrito no cartaz. Mas preciso? O banco poderia ser qualquer banco no mundo, o aeroporto poderia ser qualquer aeroporto do mundo (provavelmente é Schiphol, mas isso não faz diferença). Os anúncios são todos iguais, os cartazes são os mesmos da estrada do Galeão. Provavelmente está escrito algo como "o ING quer falar com você".

Às vezes me incomoda visitar o país dos outros e encontrar as mesmas coisas que vejo em casa.

Recém-lidas:
Swamp Thing #75 (agosto de 1988);
Swamp Thing #76 (setembro de 1988);
Swamp Thing #79 (dezembro de 1988).

03 abril 2008

Estranhas compulsões

Na última terça-feira, entrei na estação do Metrô da Saenz Peña, cerca de uma da tarde. Bilheteria com quatro guichês. Dois com fila, um fechado. Diante do primeiro, uma linha de cinco ou seis pessoas; diante do segundo, outra com três ou quatro. Eu ia entrar na fila de três ou quatro quando fiz o que sempre faço: procurei algum guichê aberto e disponível.

Tinha! Atrás do vidro, a moça estava sòzinha, olhando para fora meio desolada. Imediatamente, em vez de me enfiar atrás dos outros, fui ali, fui o primeiro a ser atendido.

O detalhe é que ela não estava abrindo naquela hora, não. Simplesmente ninguém a procurou! Até perguntei, por que que não tem fila? Mais intrigada do que eu, retrucou, sei lá, vai ver que não vão com a minha cara.

É mesmo muito engraçado: diante de uma fila, as pessoas logo procuram garantir o seu e vão entrando sem questionar. Como em tudo na vida, sempre acaba custando mais caro a miopia de só enxergar o que está na sua frente e de se contentar com o que se consegue sem ter que ter muito trabalho. A *primeira* coisa que faço antes de entrar em uma fila é me certificar de aonde ela vai dar, e se não tem outra mais curta. Só depois me torno o último.

Do alto de meus recalques, fantasio e festejo que as pessoas da fila menor, bem ao meu lado, ficaram revoltadas ao me ver ser atendido antes delas, ofendidas ao me ver furar.