24 fevereiro 2008

O Rei adormecido

Até o século V, a Bretanha era ocupada pelos celtas bretões. Do século I ao IV, a Ilha havia sido colonizada pelo Império Romano, mas, no final desse período, as legiões tiveram de retirar-se para socorrer as demais fronteiras e a capital, que eram acossadas pelos bárbaros. Com isso, a Bretanha ficou desprotegida e passou a sofrer o assédio dos saxões, que começaram a conquistá-la no século IV.

De acordo com a tradição medieval, foi no século IV ou V que um rei bretão, Arthur Pendragon, liderou os celtas na defesa contra os saxões. Freqüentemente se retrata Artur como defensor da fé cristã em face de invasores pagãos, embora eu tenha por bastante provável que essa noção tenha sido acrescentada apenas mais tarde. A origem das narrativas sobre o Rei Artur não é de todo clara, mas costuma-se aceitar a hipótese de que se baseiem na história real de um importante líder guerreiro. Conforme registrada desde a Idade Média, a lenda arturiana é, antes de tudo, um exemplo vigoroso de mitologia céltica, como célticos são os nomes envolvidos.

A confusão entre História e mitologia é explicável na medida em que são parcos os registros da Alta Idade Média, um tempo cuja memória se imiscui com o misticismo de uma Europa ainda bárbara, largamente analfabeta e atemorizada pela crise do desaparecimento do Império Romano. Não à toa, a tradição histórica desse período depende em parte da oralidade, fazendo desaparecer sua confiabilidade na bruma dos tempos e obnubilando a compreensão dos estudiosos.

Alguns importantes relatos medievais que mencionam Artur são os Annales Cambriae (coleção de crônicas britânicas), o Mabinogion (coleção de lendas célticas pré-cristãs) e a História dos Reis da Bretanha (obra de Geoffrey de Monmouth, considerada fictícia por Autores posteriores). O culto literário da lenda começou com o francês Chrétien de Troyes no século XII e, no século XV, Sir Thomas Malory compilou e interpretou tais histórias em seu Le Morte d’Arthur, considerado uma das principais fontes sobre o tema.

Artur é representado como filho do Rei Uther Pendragon, que já defendia a Bretanha de invasões com ajuda do mago Merlin. Conforme a lenda, a Espada da Bretanha (também conhecida como a Espada na Pedra) é engastada por Uther em uma rocha e somente seu sucessor seria capaz de retirá-la. Após a morte de Uther, seu filho consegue puxar a espada, demonstrando sua linhagem real. Conforme é cediço, a lenda de Artur é rica em detalhes de sua corte em Camelot e das conquistas de seus Cavaleiros da Távola Redonda.

O mago Merlin (Myrddin na grafia celta) apresenta-se com a descrição característica de um sábio druida. Sua apresentação como filho de um demônio e a atribuição de poderes mágicos que se lhe faz são indícios da interpretação que se passou a dar ao personagem após a cristianização da Europa: tudo que não fosse cristão era declarado maligno e associado a bruxaria -- inclusive o preceptor de um rei mitológico tão popular.

Outro elemento da lenda é a meia-irmã, bruxa e arquiinimiga de Artur, Morgana le Fey. Convém observar que “le Fey” possivelmente significa “a Fada” e que o nome dessa antagonista provavelmente deriva do nome da deusa celta Morrigan, naturalmente também demonizada por ser uma entidade de culto anterior ao estabelecimento do Cristianismo na Europa. Ainda como parte da narrativa, tem-se a Dama do Lago, Excalibur (distinta da Espada na Pedra), a ilha mística de Avalon, a Rainha Guinevere ou Gwenhwyfar, o filho, sobrinho e rival de Artur, Modred ou Mordred, o triângulo amoroso entre Artur, seu melhor amigo Sir Lancelot e sua rainha, e a busca do Santo Graal.

Há uma narrativa medieval, a lenda de Tristão e Isolda, que se considera anterior à lenda arturiana, mas que acabou incorporada a esta última. Assim, Tristão passou a ser o cavaleiro Sir Tristan, que, com sua amada Isolda (Iseult ou Isolde), vive uma história de paixão e adultério que viria a influenciar o triângulo de Artur, Guinevere e Lancelot. Na década de 1850, Richard Wagner adaptou a lenda como uma das óperas mais famosas do período romântico e, em 2006, o filme Tristan & Isolde, de Kevin Reynolds, utilizou seu roteiro.

Considera-se que a lenda arturiana seja ambientada em Gales e no Sudoeste da Inglaterra, o que, não por coincidência, corresponde à porção Sul do território bretão que continuou céltico após a conquista da Bretanha pelos saxões (a porção Norte é a atual Escócia, e a porção Oeste, a Irlanda). Atualmente, os locais de diversas batalhas travadas por Artur são identificados em mapas com finalidade turística.

Mesmo após a batalha final contra Modred e a queda de Camelot, a lenda arturiana considera que o Rei não está morto, mas apenas dormindo sob o solo britânico, e prevê que ele retornará para salvar a Ilha quando ela estiver em grave perigo. Essa é a idéia recorrente do mito universal do “rei na montanha” ou “herói adormecido”, aproveitada por Tolkien em O senhor dos anéis na figura do rei de Gondor e por Neil Gaiman em Os livros da magia, quando Tim Hunter encontra o próprio Rei Adormecido.

A história de Artur tem sido objeto de inúmeras obras de literatura e cinema. Esta entrada está sendo feita no belogue apenas para minha referência futura, com o objetivo de documentar os mais destacados dentre aqueles trabalhos com que me deparei em anos recentes, dos quais só li um e que são os seguintes.

A Connecticut Yankee in King Arthur’s Court (Um ianque na corte do Rei Artur), de Mark Twain (1889). Neste livro, um viajante do tempo vai parar em Camelot em uma história que pretende criticar a superstição e credulidade dos ingleses medievais.

The Once and Future King, de T.H. White (1938-1958). Esta é a reunião de quatro livros do mesmo Autor, onde a lenda é associada aos nobres ideais da cavalaria, surgidos e consolidados entre os séculos XI e XV. A melancólica trama demonstra como os erros de julgamento de um bem intencionado Artur levaram a um destino trágico e inevitável. Uma obra póstuma e posterior, The Book of Merlyn, integra o conjunto mas é publicada separadamente.

The Sword in the Stone (A espada era a lei), dos estúdios Disney (1963). Assisti a este desenho animado no cinema. É baseado no primeiro dos livros de White.

Camelot (1967). Este filme é uma adaptação da peça musical de mesmo nome, estrelando Richard Harris como Arthur e Vanessa Redgrave como Guinevere.

Monty Python and the Holy Grail (Monty Python e o Cálice Sagrado), de Terry Gilliam e Terry Jones (1975). Esta é uma das melhores comédias que você já viu. Merecem destaques o coelhinho assassino, o confronto com o Cavaleiro Negro (“It’s just a flesh wound!”) e o ataque ao castelo de Aaaaarrrrrrggghhh. Em 2005, o filme foi adaptado para a peça Spamalot, de Eric Idle, a que tive o privilégio de assistir em junho de 2007.

Excalibur, de John Boorman (1981). Este filme é fortemente baseado na mitologia céltica que fundamenta a lenda arturiana, usando Le Morte d’Arthur como fonte primária mas adaptando-a com a inserção de interpretações posteriores. Supostamente, é o filme mais fiel à formulação original da história do Rei.

Camelot 3000, de Mike W. Barr e Brian Bolland (1982-1985). Quadrinhos de ficção científica em doze capítulos publicados pela DC Comics que, no Brasil, a editora Abril lançou em 1985. No ano 3000, uma invasão alienígena ameaça todo o mundo e, cumprindo a profecia, desperta o esperado Rei, que busca o auxílio de Merlin, aprisionado sob Stonehenge. A Rainha Guinevere e os Cavaleiros da Távola Redonda estão reencarnados como outras pessoas, e o feiticeiro pratica um encantamento que os faz lembrar quem são. Embora Artur se sinta deslocado em um futuro tecnológico, sua equipe consegue mesclar o conhecimento necessário à lealdade por seu rei. Artur, Lancelot e Guinevere continuam fadados a reviver seu triângulo amoroso, velhos inimigos retornam e a saga arturiana repete-se em um cenário influenciado pela política internacional e pela reação popular ao retorno do Rei.

Uma história paralela à principal em Camelot 3000 é a de Tristão e Isolda. Acidentalmente, Sir Tristan reencarna no corpo de uma mulher e passa a continuamente ter que se impor para se fazer respeitar, ao mesmo tempo em que vive o conflito interno e a revolta por estar assim aprisionado. O personagem presta-se a uma interessante discussão sobre papéis sociais e preconceito sexual. Além disso, de um lado reluta em admitir sua paixão por Isolda e, doutro, defende-se dos ataques do policial com quem ia se casar. Este último, rejeitado, alia-se aos inimigos e retorna em sucessivos ataques motivados por um ciúme crescentemente doentio, a cada vez mais transformado em um monstro que parece impossível matar.

Na edição brasileira Arthur: uma epopéia celta (q.v. abaixo), o Editor Rodrigo Fonseca descreve Camelot 3000 como uma explosão de sensualidade sem precedentes nos quadrinhos. Embora haja algumas cenas com mulheres em trajes mínimos e representações mais ou menos explícitas (inclusive uma sugestiva e bela cena romântica envolvendo Sir Tristan e sua amada), esse colorido é apenas secundário, não tomando precedência sobre o reencontro e a revanche entre antigos rivais com um pano de fundo futurista.

Incidentalmente, cabe lembrar que Mike W. Barr foi o roteirista de Star Trek: the Mirror Universe Saga, uma elogiada história em quadrinhos, também publicada pela DC, que dá continuidade a "Mirror, Mirror" e a Star Trek III, anos antes, respectivamente, do episódio "Crossover" (continuação do primeiro) e do filme Star Trek IV (continuação do segundo).

The Mists of Avalon (As brumas de Avalon), de Marion Z. Bradley (1983). Este livro de enorme sucesso comercial, dividido em quatro partes, narra a história sob a perspectiva céltica de suas mulheres mais proeminentes.

First Knight (Lancelot: o Primeiro Cavaleiro), de Jerry Zucker (1995). Estrelando Sean Connery como o Rei, Richard Gere no papel-título e Julia Ormond como Guinevere, este romance enfatiza a história de paixão e adultério das três figuras e foi considerado sem graça por público e crítica.

The Warlord Chronicles (As crônicas de Artur), de Bernard Cornwell (1995-1997). São três livros, dos quais o primeiro é The Winter King (O rei do inverno). Misturando fatos históricos e ficção, a trilogia oferece uma visão crua de batalhas medievais com pouco espaço para o misticismo.

Arthur (Arthur: uma epopéia celta), de David Chauvel e Jérôme Lereculey (1999-2006). Esta história em quadrinhos francesa, dividida em nove volumes e publicada no Brasil em 2005 pela Ediouro, supostamente se baseia no Mabinogion, empregando conceitos e nomes celtas. Até agora, li o volume 1, que conta a história de Merlin até antes de seu primeiro encontro com Uther. Magnificamente desenhado, o roteiro é vigoroso, dramático e pleno de magia e do espírito implacável de uma civilização ocidental pré-cristã.

King Arthur (Rei Artur), de Antoine Fuqua (2004). Este filme pretende-se purista, supostamente se baseando no conteúdo histórico que deu origem à lenda mas deixando de fora as inserções posteriores que lhe deram a forma atual. Clive Owen desempenha o papel-título como o romano-bretão Artorius Castus, oficial de cavalaria que defende a Bretanha de invasões no século V.

The Last Legion, de Doug Lefler (2007), baseado no romance de Valerio M. Manfredi. Este filme apresenta uma história do último imperador romano Rômulo Augusto (Colin Firth), que, com a queda do Império, retira-se para a Muralha de Adriano, onde se reúne com a desaparecida Nona Legião e a transforma nos Cavaleiros da Távola Redonda (aproveitando para explicar a equivocada versão de que a Nona teria sido exterminada naquela área). Seu tutor, Ambrosinus (Ben Kingsley), é identificado com Merlin, e o próprio Rômulo Augusto é apresentado como o pai de Arthur Pendragon, originando a lenda arturiana.

A lenda também aparece incidentalmente em diversas histórias da Marvel e da DC. No caso da segunda, o principal destaque é para o demônio Etrigan, um personagem recorrente criado por Jack Kirby em 1972. Convocado por Merlin para defender Camelot, Etrigan foi, em seguida, aprisionado pelo mago no corpo de Jason Blood, que, assim, tornou-se imortal. Blood e Etrigan aparecem tanto em séries próprias (normalmente intituladas The Demon) como, numerosas vezes, em histórias de outros personagens. Desde sua aparição em Swamp Thing quando Alan Moore escrevia esse título, Etrigan é caracterizado por só se expressar mediante rimas.

Uma história de pouco significado é Batman: Dark Knight of the Round Table, de Bob Layton e Dick Giordano (1998), publicada no Brasil em DC Millennium, números 7 a 9, da editora Brain Store. Aqui, Bruce Wayne força sua entrada na corte de Artur para se vingar de uma injustiça que atribui ao Rei. No final da história, torna-se o Herói Adormecido e seu descendente atua em defesa da Inglaterra na II Guerra Mundial.

Outras histórias da DC trazem rápidas visitas a Camelot. Alguns exemplos que já encontrei são

- Swamp Thing #87 (junho de 1989), onde o Monstro do Pântano é levado ao momento da batalha final de Artur e onde o Rei e sua corte são retratados em trajes renascentistas (demonstrando falta de estudo por parte do desenhista Tom Yeates). Artur aparece enlouquecido por um golpe na cabeça, comportando-se como um megalômano fora de caracterização, enquanto Merlin oferece a Etrigan a já referida rota de fuga. Para salvar o castelo do assédio de Modred e Morgana, o Monstro levanta-o e transporta-o sobre patas gigantes. Ao fim da história, o Monstro é forçado a largar o castelo no ar, e a queda de Camelot é literal;

- Superman # 55 (maio de 1991), onde o Homem de Aço é sucessivamente manipulado por Morgana e Merlin, atuando em ambos os lados do conflito que leva à queda de Camelot e ao aprisionamento de Etrigan;

- a cômica Justice League Europe Annual 1991, parte do crossover Armageddon 2001, onde Rocket Red (Soviete Supremo) vai parar na corte do Rei e enfrenta o demônio.

Alguns websites podem ser referências úteis:

The Monstrous Regiment of Arthurs
http://www.arthuriana.co.uk/historicity/arthurappendix.htm

Este eu coloco em primeiro lugar em razão de sua vasta fundamentação acadêmica e rica ênfase em sérias fontes bibliográficas.

De la Fantasy Arthurienne
http://www.erwelyn.com/mythearturien.html

Esta é uma extensa listagem de obras de ficção que tratam da lenda arturiana.

King Arthur & the Matter of Britain
http://bestoflegends.org/kingarthur/malory.html


E, com todas as ressalvas e a lembrança de que a Wikipedia não é confiável,
King Arthur
Historical basis for King Arthur
Annales Cambriae
Historia Regum Britanniae
Mabinogion
Chrétien de Troyes
Le Morte d'Arthur
Excalibur
King in the Mountain
A Connecticut Yankee in King Arthur's Court
The Once and Future King
King Arthur in various media
List of books about King Arthur
List of movies based on Arthurian legend

22 fevereiro 2008

Não com um dilúvio, mas em chamas

Com grande atraso, estive lendo uma reportagem na AIR International de julho de 2005, sobre os quase quarenta anos de bombas nucleares táticas mantidas pela Real Força Aérea.

A gente, que vive no pós-Guerra Fria, acaba não tendo uma dimensão de como era o mundo. Pois as superpotências mantinham bombas atômicas em vários lugares. A gente fica com a impressão de que tudo eram mísseis, que seriam lançados dos EUA para atingirem a União Soviética e vice-versa, mas isso foi só no final. Até (mais ou menos) 1962, o meio de entrega eram bombardeiros tripulados, que teriam que sobrevoar o inimigo e despejar sua carga mortal. Então, muito tempo era gasto em reconhecimento de rotas e defesas, planejamento e muito treinamento. Os pilotos eram regularmente enviados em exercícios pelo mundo, treinando penetrações em território hostil. Radares eram dispostos, mísseis antiaéreos espalhados, e todos os modelos novos de aviões eram criados visando a atacar ou a defender contra um ataque nuclear. Muitos milhões, na verdade bilhões, de dólares, libras e rublos foram gastos nesses procedimentos, comprando equipamento mais moderno, fazendo manutenção e gastando combustível sem remorso nem pudor.

E isso era o lado estratégico, dedicado a destruir cidades e indústrias. Havia também o lado tático: pequenos aviões, cujos pilotos eram treinados a atingir alvos menores como navios e colunas de tanques. Pensando nesses, havia bombas nucleares cada vez menores, para que pudessem transportá-las, cargas de profundidade nucleares contra submarinos (por um tempo consideradas o "meio mais eficaz" de eliminá-los), e até artilharia de campanha com granadas nucleares.

Mas a gente, às vezes, ainda não tem mesmo uma idéia muito clara de nada disso. Então, baste dizer que inúmeros pilotos ficavam em alerta mesmo em momentos sem crise mundial, vestidos e equipados dentro de aviões abastecidos, prontos para decolar quando viesse a ordem. Era o regime de QRA (alerta de reação rápida): revezavam-se em plantões permanentes, havendo sempre alguns pilotos nessas condições, sentados nos cockpits, esperando a ordem que, para nossa ventura, nunca veio. "Ao silvo de apito", tinham quinze minutos para estarem no ar, a caminho de Kiev ou de algum outro lugar infeliz, tendo decolado de bases aéreas situadas em lugares tão variados como Diego García, Kadena (no Japão), Alasca ou França, todos ao mesmo tempo.

Houve um período de alguns anos durante o qual os Estados Unidos mantiveram vários B-52 no ar, simultaneamente, contìnuamente, 24/7, prontos para seguirem rumo à Sibéria, com bombas reais nas barrigas. Foi por causa deles que se desenvolveram as técnicas de reabastecimento no ar: os aviões-tanques eram dedicados exclusivamente aos bombardeiros, e foi só em anos bem mais recentes que os caças passaram a usá-los também. Essa prática só parou quando houve alguns acidentes e, até hoje, existe pelo menos uma bomba H no fundo do oceano Atlântico, ao largo das Canárias.

Foi uma época em que se cunharam termos como "saturação de defesas", "primeiro ataque" (no sentido de não haver um segundo, da parte de ninguém) e o hoje famoso ground zero. Não percebíamos, mas estávamos a isto aqui (aperta os dedos para mostrar) de acabarmos em um inverno nuclear, banhados em calor escaldante, radiação dos resíduos atmosféricos e frio infernal, nessa ordem.

Nos anos 80, vários livros foram publicados com base em cenários plausíveis de como nossa última guerra começaria e se desenrolaria. Eram hipóteses construídas pelos generais e estrategistas, com forte fundo pragmático e estudadas em ambientes acadêmicos militares. Invariàvelmente, o conflito começava ou nos Bálcãs ou no Oriente Médio, com uma das superpotências intervindo em um conflito local e, rapidamente, a escalada levando a mesma superpotência ou a outra ao emprego de um engenho nuclear tático. Daí a um ataque retaliativo em massa ao território do outro seria questão de horas.

É curioso como os últimos doze anos têm demonstrado o acerto dessas previsões, pelo menos (e felizmente apenas) a parte de como o conflito começa.

Pois bem. Eu estava para escrever isso desde ontem. Com os recentes desdobramentos no Kosovo, não pude deixar de vir complementar dizendo o seguinte: apesar de todo esse risco a que nos submetemos, conseguimos ficar os últimos 62 anos sem que ninguém jogasse uma bomba atômica de propósito na cabeça dos outros.

Agora, do jeito como as coisas vão, parece que tem gente querendo estragar esse histórico. Porque é assim que começa.

19 fevereiro 2008

O Paraíso em versão simplória

O Paraíso não é monótono, não pode ser monótono. O Paraíso tem vários lugares. Tem bibliotecas, salas de cinema, parques, navios de cruzeiro marítimo, museus, espetáculos de acrobacia aérea...

Um dos aspectos do Paraíso é uma lanchonete com bastante luz natural. Fico sentado lá no fundo, junto à janela, diante de uma mesa espaçosa, tomando um café, ou um vinho, ou um coquetel, cappuccino ou milkshake. Lendo intensamente um excelente livro de ficção, que não exija muito raciocínio mas que absorva bastante, ou escrevendo intensamente, sem ser perturbado.

Já tive amostras dessa forma que o Paraíso toma.

18 fevereiro 2008

Encontros que já tive

Pronto. Depois de muitas horas de verificações e digitação, terminei a lista de todos os tipos de aeronaves que já vi. Incluem-se aviões e helicópteros. A primeira parte da lista cobre os tipos; a segunda, um detalhamento das variantes que já vi de cada tipo.

17 fevereiro 2008

Usurpação de competência

Agora há pouco, no Fantástico, posso ter visto mal, mas pareceu-me que o Sr Presidente do CREA-RJ, Reynaldo Barros, aparecia opinando sobre construção de puxadinhos. Se não percebi mal, ele falava em estrutura, laje e tubulação.

Só que tem um detalhe. O Sr Presidente do CREA-RJ é engenheiro eletricista.

15 fevereiro 2008

Peculiaridades do comércio

1. No Centro do Rio de Janeiro, em frente ao quartel-general da Polícia Militar, existe um boteco, bem no lado oposto da rua Evaristo da Veiga. Chama-se QG da Cachaça.

2. Ontem, tomei um sorvete no Rio Sul. Custava R$ 8,00. Paguei, peguei a nota fiscal e pus no bolso, e saí com meu sorvete. Foi só em casa, à noite, que li a nota:

Item Descrição Quant Preço unit Preço total
001 2 sabores 00001x 7,75 7,75
002 Cop-cas-pazinh 00001x 0,25 0,25


Eu sei que, contando, ninguém acredita, mas é verdade: cobraram o copo e a colher separadamente. Cada um inventa a solução contábil que quer, mas algumas coisas são mesmo incríveis.

Bom, mas, então, é isso, né. Se o preço vem discriminado, então quer dizer que, se eu quisesse, podia levar só o sorvete. Se não podia, então é venda casada, o que é proibido. Fico imaginando a cena: "Não, não, dá aqui o sorvete na minha mão, sem copinho mesmo, que eu só vou pagar R$ 7,75." E iria lambendo o sorvete na mão pelo caminho, deixando tudo pingar pelo chão.

12 fevereiro 2008

Estrangeirismos

1. Ontem, no Centro do Rio de Janeiro, no cruzamento de rua São José com avenida Rio Branco, em plena hora do almoço, ouvi uma gaita de fole. Pois era isso mesmo: um sujeito, trajando bermuda e camiseta, tocava o tema de Superman em uma gaita de fole autêntica.

2. Eu abtholutamente detethto aquelath pethoath que thó falam oth étheth chapando a frente da língua no théu da boca.

05 fevereiro 2008

... E às vezes ele acordava no meio da madrugada,

o quarto escuro a sua volta, angustiado, claustrofòbicamente oprimido pela compressão das paredes. E sentia um aperto sobre o peito e o medo da morte e não conseguia gritar, e queria acordar do pesadelo mas não podia porque já estava acordado. Essa era a realidade, finita diante do infinito, e seus dias se aproximavam do fim a cada segundo que passava, e nada havia realizado. Nem mesmo sua pequena esposa, dormindo a seu lado, poderia compreender a angústia. Acordando, poderia confortá-lo e poderia compadecer-se em solidariedade, e sua voz, tão doce, poderia tranqüilizá-lo ao fazê-lo sentir que não estava sòzinho, mas não poderia afastar o desespero.

Acrescentado cerca de duas horas depois:
Existe premonição ao contrário? Eu tinha acabado de escrever isso quando me deparei com esta notícia. Verifique a parte que vem depois dos asteriscos.