30 março 2008

Conversas furtadas

O título deste post é uma referência a este belogue. Quando estou empacotado no metrô, mal podendo me mexer entre braços e bolsas, não tenho o que ler nem em que me concentrar. Então, perdoem-me se acabo ouvindo a conversa alheia (de todo modo, não deviam falar tão alto).

Algumas semanas atrás, ouvi um camarada explicar a outro que nem sempre houve Internet. Mais que isso: o ouvinte parecia não saber, então o falante explicava, que o Google não nasceu junto com a Internet e que, alguns anos atrás, havia vários outros mecanismos de busca, hoje desconhecidos.

Essa conversa me chocou levemente por várias razões. Uma delas é a mais óbvia, que a memória do mundo é curta e a juventude realmente nasceu ontem. Ainda me lembro de quando o Yahoo! era um mecanismo de busca dos mais importantes e de quando o Altavista se tornou o mais popular. Lembro que havia vários saites disputando a preferência dos internautas: Lycos, Hotbot, Askjeeves... Já um indício de que estou ficando senil é que não lembro qual era meu mecanismo favorito antes de o Altavista ganhar essa importância.

Na época em que a Internet se comercializou (1996), os mecanismos de busca não eram equipados com spiders nem crawlers, e ainda me lembro de quando cadastrei a página do JETCOM no Yahoo! -- porque era assim que você ganhava visibilidade nesses buscadores.

Mas outra razão que me chocou está fora da Rede. Quando fiz primeiro e segundo graus, não havia Internet. Então, a gente ia à biblioteca da escola (tive muita sorte de estudar em um colégio que tinha uma biblioteca enorme à disposição dos alunos), ou usava os livros que tinha em casa, buscava o conhecimento em livros, revistas e enciclopédias e fazia resumos do que havia lido. Não havia "controlcê-controlvê"; então, até mesmo quem, desonestamente, copiava ipsis litteris também estava aprendendo.

Já hoje, o que vemos? O jovem tem que pesquisar um assunto. Então, ele vai lá no Google, joga a palavra-chave e copia o primeiro saite que aparece, não se dando ao trabalho de sequer ler. Como todo velho resmungão, cabe-me reprovar o procedimento dos mais novos e dizer que a juventude está perdida.

A terceira lição que me fica é sobre mim mesmo. Foi só em 2003 que passei a usar a Internet como principal meio de pesquisa, o que mostra meu retardo em aderir às novas tecnologias. Em compensação, assim que isso aconteceu, pràticamente tudo eu procuro na Internet primeiro, e só vou à literatura quando realmente preciso verificar alguma coisa mais importante. A primeira coisa que faço é ir ao Google e jogar o conjunto adequado de palavras-chaves: não só a primeira e mais óbvia mas, também, mais uma ou duas para contextualizar.

(De certo modo, buscar produtivamente no Google é uma arte: você tem que saber o que jogar para ter um retorno rápido e correspondente ao que procura. Para isso, o ideal é jogar palavras que (1) com certeza têm que aparecer em qualquer texto que trate do assunto e (2) com certeza não vão aparecer em textos que não tratem do assunto. A próxima coisa é pegar a relação de saites que vem como resposta, dizer logo de cara quais servem e quais não servem, e já escolher o saite onde o sucesso é mais provável, tudo isso antes mesmo de entrar em qualquer um deles.)

Hoje em dia, quando alguém tem acesso à Internet mas mesmo assim vem me perguntar alguma coisa, fico escandalizado que essa pessoa não tenha pensado, antes de tudo, em fazer uma busca no Google ou até na Wikipedia. (Bom, na verdade, muitas vezes pensaram sim. É só que é bem mais fácil gastar o meu esforço do que o próprio. O que mais se vê é gente fazendo perguntas que já estão na FAQ ou que a primeira googlada já mostra em meio segundo.)

Homo electronicus

Semana passada, o filósofo e eu recebemos o mesmo email de uma determinada pessoa. Ele perguntou se eu já o havia lido e eu disse que não, porque estava com medo. É que, em todos os contatos anteriores, a emissora da mensagem nos escrevia cobrando, exigindo e até ameaçando. Aí ele riu, dizendo (a reprodução é idêntica): “as pessoas criam fantasmas de si mesmas”.

Isso me lembrou um tema que aparece, só en passant, na minha monografia sobre ameaças à privacidade na Internet: o corpo eletrônico. Funciona da seguinte forma: nossas vidas são bastante complexas. Temos atividades profissionais, gostos, contratos e contatos. Minhas manifestações internéticas são apenas uma parte do conjunto de tudo que faço. Inevitàvelmente, essas manifestações revelam um aspecto de mim, só que é apenas *um* aspecto; sou muito mais do que isso. Certamente, aquilo que revelo é coerente com a pessoa que sou, mas não é toda essa pessoa. De certo modo, Atoz -- a porção de mim que aparece através da Internet -- é uma porção de mim, mas não sou eu.

Entretanto, Atoz é a única porção de mim que você está vendo. Você não tem como distingui-lo de mim, porque o único acesso que tem a mim é por este meio virtual, e, para você, Atoz se identifica comigo. Para todos os fins práticos, para você não há diferença e Atoz efetivamente sou eu.

Então, Atoz é uma projeção de mim, um personagem que uso para me comunicar através da Rede. Ele pode ser mais inteligente, mais resmungão e mais generoso do que eu, e isso não será fingimento de minha parte: assim terei escolhido construir esse personagem, sem má fé. Assim terei escolhido ser na Internet.

Decorre daí, necessariamente, que Atoz é incompleto. É um fantasma, uma casca com pouco conteúdo, como se eu fosse um quebra-cabeças de milhares de peças e Atoz fosse apenas uma meia dúzia delas.

Em contrapartida e da mesma forma, se Atoz diz (ou não diz) alguma coisa, ele pode provocar uma reação em seu Leitor, que pode ofendê-lo ou elogiá-lo. Nesse caso, deverei entender que a ofensa ou elogio está sendo dirigido não a mim, mas a Atoz, que é quem emitiu a mensagem. Certamente o emissor original fui eu, mas, então, a ofensa ou o elogio é dirigido apenas a uma parte de mim, não a todo eu. Não a mim, mas àquela figura virtual, criada, que a comunidade de internautas toma como sendo eu.

Se Atoz é ofendido, pode ser que a comunidade dos internautas perceba isso. Pode ter até havido crime de difamação contra mim. Em alguns desses casos, a comunidade que toma ciência não inclui pessoas de meu convívio profissional ou familiar. O efeito terá ficado circunscrito à Internet e, algumas vezes, na vida física, poderei apresentar-me dissociado de Atoz -- nesses casos, na prática, minha honra só terá sido atingida na medida em que a de Atoz foi atingida. Na vida física, pode não ter sido atingida em absoluto, o que poderá levar a uma atenuação da pena de crime contra a honra com base no artigo 59 do Código Penal. Para remediar uma eventual injúria extremada, poderei até mudar de identidade eletrônica, criando novo endereço de email e cadastrando-me com novos logins nos fóruns e listas.

É claro que nada disso autoriza alguém a me ofender. Nem deve desencorajar os elogios! :)

Próclises

Doravante é oficial:
1) não vou mais fazer ênclises obrigatórias quando estiver na cara que as próclises soem muito melhores;
2) não vou mais usar subjuntivos obrigatórios quando estiver na cara que os indicativos fiquem melhores;
3) não vou mais virgular advérbios quando estiver na cara que as vírgulas estarão sobrando.

Burrice semi-aberta

Esta saiu no noticiário matinal no início da semana passada: um presidiário foi para a rua, beneficiado pelo indulto de Páscoa. Com isso, teve permissão para passar o domingo com a família. Deveria voltar para a cadeia na segunda-feira, mas preferiu envolver-se em uma briga, fugiu da Polícia, invadiu uma casa e fez uma família de refém. Só os libertaria com a condição de passar do regime fechado para o semi-aberto.

Ouvi o comentário de que, com isso, ele estava mostrando o sujeito perigoso que era e, portanto, justamente provando que não podiam passá-lo para esse regime. Mas a minha observação é muito mais pragmática e maquiavélica: quero saber como é que o sujeito verificaria o atendimento de sua condição para poder soltar os reféns. Porque mudança de regime não é como carro abastecido nem mala de dinheiro, não dá pra você entregar na mão do criminoso para ele ficar satisfeito. É um benefício que só se afere *depois* de o sujeito ter estado preso por pelo menos algumas horas. Então, veja só, é muito fácil: basta o negociador vir e dizer, sua condição foi atendida; eis aqui, ao meu lado, o juiz da Vara de Execuções, que não me deixa mentir. E pronto: o sujeito solta os reféns, vai preso e continua no regime fechado.

Ora bolas.

Recém-lida: Swamp Thing # 74, julho de 1988.

29 março 2008

A livraria de Nelson Bond

Meses atrás, comentei com meu colega filósofo uma interessante história de Neil Gaiman, que eu disse a ele que havia sido publicada em Sandman apresenta: tudo o que você sempre quis saber sobre sonhos... mas tinha medo de perguntar (Brain Store, março de 2002). A história mostrava uma biblioteca de livros imaginários, cujo guardião era Lucien, um dos servos de Sandman, o rei dos sonhos. Naturalmente, a biblioteca ficava no Sonhar, aonde você só tem acesso quando dorme. Ao pesquisar para escrever isto aqui, descobri que me havia confundido: a biblioteca efetivamente aparece na edição acima, porém só vemos os títulos dos livros em The Sandman #22, que foi publicada muito antes.

A biblioteca contém obras inéditas de Lewis Carroll, Raymond Chandler e outros. Presumìvelmente, são livros que esses Autores escreveram enquanto dormiam e que você tem oportunidade de conhecer se for procurá-los no Sonhar. A idéia fascina-me, inclusive porque, de vez em quando, costumo sonhar que leio um determinado livro do Tintim que não existe. Não é o inacabado Tintim e o Alfa-arte, e só me lembro de uma cena: o Capitão Haddock causando tumulto em um mercado situado em um país primitivo e montanhoso que não é o Peru (de O templo do Sol) nem o Nepal (de Tintim no Tibete).

Quando contei sobre a biblioteca de livros imaginários, o Filósofo perguntou-me de quando era a história. Respondi-lhe 2001 porque eu tinha a referência errada; a resposta correta é 1990. De todo modo, a réplica de meu pensativo colega foi que Gaiman poderia ter tido conhecimento de um conto publicado em 1941 e reproduzido na coletânea Contos fantásticos no labirinto de Borges, organizada por Bráulio Tavares, onde figuram histórias que, de algum modo, relacionam-se à obra do Autor argentino.

Alguns dias atrás, o Filósofo presenteou-me com uma xerox da história de que falava. Trata-se de A livraria, de Nelson Bond (mas o título desta mensagem de hoje é sem vírgula). Deu pra ler em uma viagem de metrô: é bem curtinho e vou resumi-lo ainda mais (e contar o final, portanto tenha cuidado).

Um escritor sai à rua, frustrado em não conseguir passar do terceiro capítulo de seu novo romance. Entra em uma livraria que havia visto apenas um ano antes. Lá dentro, em um ambiente muito escuro, abafado e recendendo a antigüidade, depara-se com várias obras inéditas de Autores clássicos: Agamenon, de Shakespeare, As novas aventuras de Sherlock Holmes, de Conan Doyle, etc. O livreiro informa que todos esses livros são obras que só existiram nas mentes de seus Autores e que, por serem perfeitas, jamais poderiam ir para o papel. Em síntese, a livraria só tem obras impossíveis, que existem somente ali. No auge da excitação, o protagonista descobre seu próprio livro, completo e correspondendo exatamente ao que tentava escrever sem sucesso. Tentando evitar o previsível desfecho, foge com o exemplar, mas òbviamente é atropelado.

Na última cena, o escritor fujão está agonizando no asfalto enquanto ouvimos o motorista explicar ao guarda que não teve tempo de frear. Uma testemunha diz que viu o sujeito falando sòzinho em um terreno vazio e sair correndo para a rua. Tentando identificar a vítima, o guarda apanha o livro e descobre que só tem três capítulos, com o resto em branco.

Agora me diga: você ouviu ou não ouviu a familiar musiquinha de Além da Imaginação? Quando terminei, tive a exata sensação de ter lido um episódio da série colorida dos anos 80. Já ao digitar isto, imaginei a série em preto e branco dos anos 50, com aqueles closes dramáticos e aquelas cenas lentas, luzes e sombras bizarras e opressões medonhas. Entram o pianinho e a voz de Rod Serling (dublada, com aquele eco das dublagens da época): “Robert Marston: um homem encurralado por seu destino. Um escritor em busca da perfeição, que descobriu que só poderia ver seu sonho realizado em uma livraria localizada... além da imaginação.”

Recém-lidas:
Swamp Thing #62 (julho de 1987);
Swamp Thing #63 (agosto de 1987);
Swamp Thing #64 (setembro de 1987);
Swamp Thing #71 (abril de 1988);
Swamp Thing #72 (maio de 1988);
Swamp Thing #73 (junho de 1988).

28 março 2008

Ainda o mestre

O texto que está aqui embaixo é reprodução do comentário que acabei de fazer aqui.

"Desonesto dizer 'qual o melhor' [livro de Arthur Clarke] quando li poucos. Então, vamos definir de que universo estou falando (quais li): 2001, 2010, 2061, 3001, As canções da Terra distante, Childhood's End, The Sentinel (conto), Encounter in the Dawn (conto) e Disque F para Frankenstein (conto) [-- e lembrei-me deste depois: O homem e o espaço, de não-ficção].

"Desses, o de que gostei mais foi 2010, pelas descrições do espaço, pelo sentimento de imensidão desconhecida, de ordem perfeita e de balé cósmico. No espaço, tudo é matematicamente calculável com toda a precisão e a Natureza é tão previsível e, mesmo assim, cheia de mistérios. Para navegar, basta aplicar um foguetinho no momento certo e a gravitação faz todo o resto, por maior que seja sua inércia e por mais que o efeito só se faça sentir meses depois. Gostei também das descrições minuciosas e realistas do ambiente das naves espaciais.

"Mas o que mais me marcou foi As canções da Terra distante, que me trouxe uma preocupação clássica: durante milênios, a humanidade acumulou história, cultura, Ciência e arte. Esse patrimônio é o que temos de mais valioso. Se um dia a Terra se acabar, o que faremos para não perdê-lo? Como selecionar os livros corretos para serem salvos? E isso acontece nas primeiras páginas. O resto do romance é o choque entre os últimos homens nascidos na Terra e os primeiros filhos de uma nave colonizadora do espaço, que tiveram de começar tudo quase do zero e nada sabem de sua herança. É de uma melancolia, de uma tristeza sobre o inevitável, como só vemos (e tanto vemos) na ficção científica em geral e em Clarke em particular."

24 março 2008

Tele-inquisição

Hoje foi assim: o telemarketing apanhou-me em casa e saiu falando sobre o serviço. Interrompi a moça dizendo que não queria. Imediatamente, ela questionou o motivo.

Tive que dizer que a pergunta dela era grosseira e que, com isso, ela estava dizendo que eu era obrigado a contratar o serviço. Não vou discutir filosofia com uma pobre telemarqueteira que pronuncia gratuÍto, mas, ora bolas, ela liga para minha casa, oferece-me o que não pedi e eu é que tenho que explicar por que não quero! Observe bem: a pergunta que ela me fez tem o pressuposto de que a regra, o normal, é eu querer o serviço. Suponho que, se o motivo apresentado para a recusa não for bom o bastante, serei forçado a contratar o serviço por falta de justificativa.

Não contente, a moça pôs-se a discutir comigo, violando uma das regras básicas do bom vendedor: não discutir com o cliente. O vendedor tem que ganhar o cliente na simpatia. Se começa a brigar com o cliente, este vai simplesmente embora, retornando a seu estado neutro original; não vou participar de uma discussão que não pedi e onde nada tenho a ganhar. Ao telefone, então, o poder do cliente é supremo, e fiz questão de exercê-lo: disse à moça que seu problema era fácil de se resolver, "quer ver só? Preste atenção", e desliguei na cara dela.

Ah, como eu sou recalcado. Mas isso fez um bem...

***
Falando em grosseria, parece até que eu adivinho. Ontem, conversava em casa sobre preferir ficar em pé no Metrô para não ter que ceder lugar. Pois hoje aconteceu na minha frente.

Para quem não é do Rio, lembro que o Metrô tem assentos preferenciais para idosos, grávidas e estropiados em geral. Se um chega, você tem que levantar. Quando entrei no vagão, havia uma mulher (estimados 45-50 anos) ocupando um dos tais assentos. Perdi o começo da discussão, mas, se entendi direito, um idoso (estimados 65-70) pedia a ela que desse lugar ao velhinho (estimados 80) que ela fingira não ver (o fingimento foi ilação minha, não sei se houve a acusação mesmo). A mulher começou a discutir com o cara, dizendo que ele tinha que ter educação, e foi levantando a voz enquanto ele só respondia em voz baixa. Não contente, a mulher usou algumas palavras coloridas para dizer que o idoso 6570 era um aposentado imprestável, burro, grosso ("tá precisando trocar a ferradura"), e continuava a falar alto, e dizia que tinha direito de estar ali porque tinha embarcado na primeira estação.

Olha, quanto a ele ser imprestável, burro ou grosso, só tenho certeza de uma coisa: fui testemunha de crime de injúria qualificada (Código Penal, art 140, caput c/c § 3o.), um a três mais multa. Não que eu fosse à delegacia para depor: só mediante coação, que ninguém é obrigado a ir lá voluntariamente dizer o que viu e eu não ganharia nada gastando meu tempo para dizer que vi os outros cometerem crime. Sim, falta-me todo senso cívico etc. (E não, nessa frase o correto não é "todo o senso cívico", é sem o artigo mesmo.) Nem por isso mereço ser acusado de ser uma daquelas pessoas que contribuem para a corrupção no País. Uma coisa é não obter vantagem ilícita. Outra coisa bem diferente é assumir a função do Estado policial, apontando dedos onde quem tinha que estar de olho era a vigilância de quem é pago para isso. Mas divirjo.

Voltando à historieta, o detalhe é que ela, a errada, é que ia perdendo a calma e reclamando de falta de educação. Outro detalhe é que a filha dela (estimados 12-14) também estava muito bem sentadinha enquanto os idosos permaneciam de pé.

Enquanto isso, inùtilmente eu tentava me concentrar em Swamp Thing #60.

***
Recém-lidas:
Secret Origins #10 (janeiro de 1987);
Swamp Thing #57 (fevereiro de 1987);
Swamp Thing #58 (março de 1987);
Swamp Thing #59 (abril de 1987);
Swamp Thing #60 (maio de 1987);
Swamp Thing #61 (junho de 1987).

Epílogos da Crise

Acabei de enviar isto para Jonathan Woodward.

"Dear Sir,

"I cannot compliment you enough on your Crisis pages. After some (don't know how many: is it six?) years, they continue to be my prevalent source for research on CoIE.

"... But I have a minor addition to make on your "related texts" page.

"In Swamp Thing #62 (Jul'87), "Wavelength", Swamp Thing serves as a vehicle for Metron to enter the Source. Therein, Metron sees the whole reality in one gulp. Page 15, panel 8, shows a depiction of the multiverse (many Earths converging as in the classic Pérez representation) with the words, ""I witnessed a multitude of universes collapsing upon each other, attempting unification into a single coherent cosmology...". Then panel 9 shows people in their dollar-a-day routine and the words ""... leaving innumerable sentient beings unaware of what happened... living their lives as if all were normal...". Finally, panel 10 shows a roundish, crimson eddy and the words ""... as if the great wheel of Creation hadn't been thrown crazily out of balance...".

"Anyway, just thought I might throw in my 2 cents worth.

"Keep up the wonderful pages.

"Yours truly,

"[...]
"Brazilian DC fan"

20 março 2008

Falar bem é falar pouco

1. Fordismo

Fordismo é uma corrente de pensamento segundo a qual não se pode perder nenhum dos filmes da série Indiana Jones.

2. Procissões

Ontem, houve duas procissões no Centro do Rio. Dizia o jornal que se encontrariam em frente ao convento no largo da Carioca, onde haveria o Sermão das Sete Palavras.

Puxa, isso deve ser ótimo. Um sermão com só sete palavras! "Sejam todos bem-vindos. Obrigado. Boa noite."

Recém-lido: Arthur: uma epopéia celta, de David Chauvel e Jérôme Lereculey, v. 2.

18 março 2008

Sir Arthur is cleared for departure (reprise)

Há cerca de uma hora, eu comentei que, hoje, o segundo maior escritor de Ciência do mundo chegou ao fim de sua infância.

Agora, neste fórum, lembraram-me uma coisa: quando ele faleceu, era dia 19 no Sri Lanka, mas a notícia logo se espalhou aqui para o Ocidente, onde ainda era dia 18. Quer dizer: o maior escritor de ficção científica do mundo vivia no futuro. Coerente na morte com a vida que levou, Clarke até mesmo morreu no futuro.

A vida está lá fora

Minha vida tem sido assim: acordo, me arrumo, vou trabalhar, passo o dia trabalhando, volto pra casa no ônibus cheio, banho, janta, computador, cama. Nisso, o melhor do dia acaba desperdiçado: duas horas são gastas no trânsito e nove, dez ou mais, no trabalho. Toda a luz do dia vai embora, e a parte de minha vida que fica para mim, mesmo, está toda no escuro. Isso está me frustrando, sinto que não estou aproveitando o tempo. Que não estou realmente tendo minha vida para mim.

Essa preocupação foi ressaltada pela leitura de October the First Is Too Late (que comentei ontem). Quando o protagonista visita a Grécia Antiga, constata que todos vão dormir assim que o Sol se põe, mas que as horas do dia são todas aproveitadas. Isso me fez refletir sobre como o uso da luz artificial permitiu que a sociedade moderna deslocasse o aproveitamento do tempo para o turno da noite. Trabalhamos a mesma quantidade de horas (ou menos até do que naquele tempo), mas ficamos acordados até mais tarde. Não somos mais aqueles escravos, que *só* trabalhavam, mas tampouco somos aqueles patrícios, que viviam no ócio. Antigamente, ou você era um ou era outro, não tinha meio termo, e quem trabalhava trabalhava o dia inteiro. Hoje, sendo classe média, fazemos um esforço para conciliar: trabalhamos feito escravos durante o dia e tentamos recuperar umas migalhas à noite, no esforço de retomar algum tempo para nós mesmos feito aqueles cidadãos livres (ou trabalhamos de dia e de noite, o que é pior ainda).

Mas são mesmo apenas migalhas. Quando anoitece, a parte boa do dia já foi toda embora, já estamos cansados e a luz não é a mesma. Fica uma impressão de que é preciso correr para aproveitar o pouco tempo, como quem toma banho com pouca água.

Esta semana, eu estava conversando com um colega de trabalho cuja opinião muito respeito. Comentei com ele uma sensação que tenho freqüentemente e que funciona assim: um Autor, que nem lembro mais qual é, disse certa vez que “a vida está em outro lugar” (foi Clarice Lispector?). É uma frase que me impressiona muito. Apropriando-me dela à luz do que comentei aí em cima, adaptei-a para “minha vida está lá fora”: vou trabalhando, vendendo meu tempo, fazendo coisas que não são nem de longe tão divertidas como todas as outras que eu poderia estar fazendo lá fora do local de trabalho. Estou me privando de minha vida e de todas as atividades (mesmo as tarefas administrativas, como ir ao banco, ao cartório, ao supermercado) que poderia estar fazendo se não tivesse que passar as horas ali dentro.

Esse meu colega é um filósofo. Disse que poderia generalizar a frase de que eu me apropriara e dizer que “a vida está lá fora”. Nosso local de trabalho é um pequeno mundo recluso, separado do verdadeiro mundo lá de fora, com regras próprias, jargão próprio, preocupações e prioridades próprias, distintas das do mundo real. Quando vamos embora, tudo lá se torna mais distante, irrelevante, e voltamos a lembrar quem somos, nossos gostos e prioridades.

Uma conclusão já se pode tirar de tudo isso. Das cerca de onze horas que passo em casa, seis -- ou seja, metade -- eu passo dormindo. Então, tenho que aproveitar bem essas horas de sono. Tenho que escolher bem meus sonhos, aproveitá-los bem: em sonhos, só ler bons livros, ter bons diálogos, praticar boas atividades. Porque são as horas que tenho.

Sir Arthur is cleared for departure

Hoje, o segundo maior escritor de Ciência do mundo chegou ao fim de sua infância.

Nosso planeta acaba de ficar mais pobre.

17 março 2008

Foro privilegiado, Igreja na política, Primeiro de Outubro, liftofe e Gol contra

1. Fôra privilegiado

Outro dia, o jornal da noite contou que o Ministério Público havia descoberto um esquema de desvio de dinheiro no município de Campos, RJ. Estavam cautelarmente presos alguns servidores comissionados, e o prefeito havia sido afastado. O repórter dizia (as palavras foram exatamente estas): “... o Tribunal está decidindo se o prefeito deve responder em liberdade, porque tem foro privilegiado.”

É engraçado, né. Você ouve isso e fica logo pensando, “que absurdo! Só porque tem foro privilegiado não vai preso?” Só que não é nada disso. O fato de o prefeito ter foro privilegiado não tem impacto nenhum sobre ser preso ou não. Acontece que quem mandou prender os secretários foi um juiz, e juiz não tem competência para mandar prender o prefeito. Só quem tem competência para mandar prender o prefeito é o Tribunal de Justiça (ou talvez seja o TRF? Confesso que não sei), e é isso que significa dizer que ele tenha foro privilegiado. Então, quem decide se ele vai ser preso é o Tribunal, e a ênfase da frase deveria ser nele, no fato de a competência ser dele. Infelizmente, da maneira como a notícia foi veiculada, fica parecendo que o foro privilegiado seja alguma causa de livrar o prefeito da cadeia.

O primeiro pensamento vai para o despreparo do repórter, que não sabe o que está repetindo. Deveria, sim, fazer alguma crítica, ver se está certo o que diz. Mas, pensando melhor, vemos que o problema está em quem escreveu. Veja que não há a relação de causa e efeito que está sendo transmitida. Mais uma vez, o que falta nas pessoas é clareza; é saber entender o que leu e não simplesmente repetir feito papagaio ou autômato. Provàvelmente algum dos policiais envolvidos disse à imprensa que o foro privilegiado fazia com que a prisão tivesse de ser decidida pelo Tribunal (ou seja: não pelo juiz), e o que acabou entendido foi que o foro privilegiado fazia com que o Poder Judiciário tivesse que decidir com especial cuidado sobre a prisão. Implìcitamente, fica a sugestão de que o cargo do prefeito leve o Poder Judiciário a julgar em bases políticas. Fica sempre a idéia de conchavos, de pressõezinhas de um grupo sobre outro em troca de favores. Acaba-se transmitindo a idéia de que juízes são políticos e, portanto, corruptos como “todos os outros”.

Um dos problemas que leva a essa comunicação falha é a falta de conhecimento popular sobre a competência dos órgãos da Justiça. Não só da Justiça: falta de conhecimento sobre as competências e atribuições dos vários órgãos públicos. As pessoas não sabem o que fazem, o que podem fazer ou o que compete ao presidente da República, aos senadores, aos deputados federais, aos ministros de Estado, aos ministros dos tribunais superiores, juízes, desembargadores, governadores, secretários de Estado, deputados estaduais, procuradores da República, dos Estados e municípios etc. Não sabem a diferença entre um tribunal e um juiz, acham que tribunal é o prédio onde o juiz trabalha. Não sabem como funcionam as diversas formas de acesso aos cargos (voto popular, comissão, concurso público). É uma ignorância generalizada sobre a estrutura do Poder Público.

Isso deveria ser ensinado na escola, mas não é. Faz sentido: um povo que entende as estruturas e limitações do poder é um povo que pode criticar quando alguém abusa. É um povo menos manipulável.

2. Na raiz do debate sobre células-tronco, a flor do discurso nas folhas dos jornais

E, já que estou falando de imprensa e política, trago um lembrete. A meu ver, todo grupo social tem legitimidade para externar suas opiniões e procurar influenciar o entendimento dos parlamentares. Com isso, podem ter alguma ingerência sobre as leis e os rumos que a sociedade adota. Isso me parece corretíssimo; é a essência do debate político, que os antigos gregos viam como dever cívico de todo cidadão, mais do que direito. Por exemplo, os ambientalistas podem querer frear o desmatamento; vão lá no Congresso, procuram alguns deputados, convencem-nos de sua causa e conseguem aprovação de uma lei contra o desmatamento. E assim vai.

Sob essa óptica, a Igreja é uma instituição tão legítima quanto qualquer outra para expor sua visão ética de como se deve conduzir a vida. A meu ver, está correto que ela se faça representar na qualidade de amicus curiae quando o STF está para decidir sobre a constitucionalidade da pesquisa com células-tronco embrionárias.

Mesmo assim, vocês já notaram? Toda vez que a Igreja (ou cristãos de modo geral, agindo em grupo) interfere na política, é SEMPRE no sentido de proibir alguma coisa. Polìticamente, a Igreja SEMPRE atua no sentido de TIRAR liberdade, não de dá-la. O sujeito tem lá seu modo de vida onde tudo é pecado, e ele se proíbe uma porção de coisas. Muito bem, essa foi a conduta que ele resolveu adotar, por um sentido ético. Compreendo isso. Mas o que acontece é que, não contente, ele quer que todas as demais pessoas, inclusive as que não partilham de sua crença, também sejam limitadas por essas mesmas regras que ele tomou para si! Ora, pombas, imaginem vocês: eu, que não acho necessário usar, por exemplo, um cilício, sùbitamente tenho que usá-lo porque algumas pessoas acham que eu tenho que usá-lo.

Na minha percepção, isso é uma tirania injusta. Imaginem se, recìprocamente, eu quiser impor meu padrão de vida aos outros.

3. Primeiro de Outubro É Muito Tarde

Semana passada, terminei de ler October the First Is Too Late, de Fred Hoyle. Sinceramente, não gostei. Muito fraco. O protagonista-narrador é um compositor e pianista que, ao lado de um amigo físico (quero dizer: pesquisador de Física), descobre que, de uma hora para outra, o mundo se transformou em um retalho de pedaços que estão em diferentes épocas. A Inglaterra está na época do livro (1966), o resto da Europa Ocidental está em 1917; a Grécia, no século V a.C.; a Ásia, a bilhões de anos no futuro. Então, eles exploram o mundo.

O romance tem várias e longas digressões sobre as emoções vertidas na música ou despertadas por ela, que em nada contribuem para a história. (Todos os capítulos são batizados como movimentos de um concerto: andante, allegro etc.) Logo no começo, há uma longa viagem pelas Highlands escocesas onde se perde muito tempo sem se ir a lugar nenhum. Aí, explora-se a Califórnia na seqüência mais inútil de todas, volta-se à Inglaterra e muda-se o curso da I Guerra Mundial, desperdiçando-se uma excelente oportunidade para se desenvolver o choque entre culturas separadas por meros cinqüenta anos.

A porção passada na Grécia Antiga até que é interessante. Há um trecho particularmente divertido, onde os viajantes expõem à ágora ateniense a jornada que fizeram pelo mar desde a Inglaterra. São ovacionados e depois hospedados pelos cidadãos ricos da cidade. Aí, começam a contar que, na sua terra, não há escravos; e sugerem que Atenas desista da guerra que estava então movendo contra Esparta (e onde ainda estava ganhando). Nesse ponto, são essencialmente expulsos; os gregos lhes dão uma casa e meia dúzia de escravos para seu sustento e não querem mais conversa com eles. Quando os ex-hóspedes libertam esses escravos, os patrícios vêm exigir indenização pela desfeita.

Mesmo em um livro ruim, sempre se aproveita algo de bom. Há duas idéias para as quais o Autor parece ter feito todo o livro apenas como um pretexto -- se bem que sua introdução diga que não, que a história tem mérito próprio e que a Ciência só está ali para servir de andaime. A primeira idéia é a natureza da própria realidade, conforme percebida pela consciência. Os instantes no tempo não estariam realmente em ordem, nem haveria qualquer preferência entre diferentes mundos separados por diferentes estados quânticos; tudo seria uma questão de como a consciência prefere perceber o mundo arbitràriamente. A rigor, a experiência de todas as pessoas poderia estar sendo vivida por uma única consciência, como se fosse um ator que desempenha vários diferentes papéis em uma única peça. É algo parecido com o que se vê no excelente One, de Richard Bach, só que ainda mais abrangente.

A outra idéia é uma espécie de melancólica constatação do inevitável: de como a raça humana parece presa em um ciclo de euforia, expansão, crise, aniquilação e renascimento, sempre sem a memória da tragédia anterior. Em teoria, já passamos por isso antes e voltaremos a sofrer tudo de novo. Nesse ponto, não deixa de ser profético, já que, passados quarenta anos, é exatamente o que parecemos estar vendo no mundo à nossa volta, com globalização, ressurgimento de epidemias e ameaça de afogamento em massa.

Apesar dessas duas relevantes e profundas discussões, a maior parte do livro só se arrasta sem que nada aconteça. Os personagens secundários entram e saem da narrativa sem explicação nem destino, e os protagonistas sùbitamente perdem a importância no final, que é apenas um corte abrupto, sem dar qualquer satisfação ao leitor.

Em síntese, uma obra dispensável. Agora peguei The Wanderer, de Fritz Leiber. Esse também não começou bem, mas espero que avance e termine melhor. Em síntese: como a humanidade reagiria diante da súbita entrada de outra estrela no Sistema Solar?

4. Levantamento completo

Eu não sei se acontece com vocês -- sei que acontece com o Leandro Pinto e comigo. Às vezes, a televisão mostra o lançamento de um ônibus espacial. A câmera fecha nos bocais e suas fagulhas, você ouve a contagem regressiva, e aí entra a voz original, “... two, one -- LIFTOFF”, e é aquela fumaceira danada que se expande imediatamente para os lados quando eles acendem os boosters, e é uma gloriosa coluna de fogo enquanto a nave vai saindo devagarinho mas dando aquela impressão de potência, e quem presta atenção ainda consegue ver os jatos dos motores da própria nave, deixando anéis azuis de choque sônico...

Uma visão impressionante. Sei que não tenho nada com isso: não trabalho para a NASA, não faço parte dessa indústria, nem americano eu sou, não tenho nenhum envolvimento. Mesmo assim, dá-me um arrepio qualquer, é uma realização da espécie humana. Tecnologia que nem é das mais modernas, e difìcilmente seria motivo de orgulho em uma civilização verdadeiramente avançada, mas é o que conseguimos fazer.

5. Gol contra

Quando tem o hábito de olhar para o céu, você às vezes estranha certas coisas. Outro dia, eu estava no ônibus a caminho do trabalho, percorrendo a avenida Chile no sentido Oeste-Leste, ou zona Norte-Centro, se preferir. Olhei pela janela, e lá estava um 737 da Gol voando baixo sobre o Centro no sentido inverso ao meu, aliás indo um pouco para o Norte e já curvando a bombordo.

Isso pode não significar muito para você, mas, quando o avião sumiu atrás de um prédio, fiquei olhando para ver se não estava enganado. Porque, naquela altura do Centro, os aviões que vão para o Santos-Dumont sempre voam no mesmo sentido do ônibus, apenas um pouco mais para o Sul, e não justamente ao contrário, que era o que eu estava vendo.

Afinal ele se endireitou, e você logo pensa que devia estar ajustando a rota ou cumprindo algum comando diferente da torre do aeroporto, mas não deixa de parar um pouco o que faz para prestar atenção. Eu páro.

Recém-lido: Aquablue no. 3, de Thierry Cailleteau e Olivier Vatine, traduzido com galicismos.

14 março 2008

Retorno ao princípio de Lavoisier

Armageddon: the Alien Agenda (novembro de 1991 a fevereiro de 1992)

Nesta história, o Capitão Átomo salta no tempo, do presente até o período Cretáceo, de lá à Roma de Nero, dali ao Velho Oeste e, finalmente, à II Guerra Mundial. A causa de cada um desses saltos é sempre uma explosão emanada de um determinado dispositivo muito poderoso chamado simplesmente de "detonador". Sempre vem alguém e estimula o detonador, que reage projetando o herói no tempo.

Mais uma vez, se a história lhe parece familiar, é porque é. Isso foi exatamente o que aconteceu ao Super-homem na seqüência Time and Time Again, em Adventures of Superman #476-478, Action Comics #663-664 e Superman #54-55 (março a maio de 1991), publicadas no Brasil como Perdido no tempo, em Super-homem nos. 111-112 (agosto e outubro de 1993).


New Titans # 51 (inverno de 1988)

Nesta história magnìficamente desenhada pelo detalhista George Pérez, os Novos Titãs entram em uma nave espacial pouco maior do que sua mão. Só que, por dentro, a nave é gigantesca. Starfire (Estelar) comenta que só viu algo assim no planeta Tardyss (pelo menos essa é a grafia da edição brasileira, Os Novos Titãs no. 44, de novembro de 1989). A referência é uma homenagem ou uma brincadeira (ou, mais provàvelmente, as duas) à nave TARDIS, do seriado Doctor Who, que, por fora, imita uma cabine telefônica, enquanto é muito maior por dentro.


Recém-lidos:
October the First Is Too Late, de Fred Hoyle;
Justice League Spectacular #1 (março de 1992);
The Sandman #36 (abril de 1992).

07 março 2008

Soberania e sandiceria

Estou muito apreensivo com essas deportações em massa que a Espanha parece vir fazendo de brasileiros que lá chegam com genuínas e comprovadas intenções de fazer não mais do que turismo. Aparentemente, brasileiros que chegam à Espanha com todos os comprovantes exigidos (dinheiro bastante conforme a norma espanhola, cartões de crédito, passagem de volta, vouchers de hotéis) têm sido tratados como cães sarnentos, sido presos por dias seguidos sem banho, comida ou água, e afinal mandados de volta. Não sei se os relatos que leio são inteiramente verídicos, mas estou preocupado.

Aí, leio na Internet que o Congresso Nacional brasileiro exigirá que o embaixador espanhol no Brasil compareça para dar explicações. Espero que o jornalista esteja enganado. Prefiro acreditar no que ouvi no jornal da noite de ontem: que o Presidente da Câmara convidará o embaixador a esclarecer o que acontece, o que é muito diferente. Porque, se a primeira hipótese se confirmar, a situação há de ser ridícula. De acordo com princípios básicos do Direito internacional, embaixadores e seus países não se sujeitam a dar explicações do que fazem a outros países. Especialmente, não se sujeitam a ter que explicar atos que praticam no exercício da soberania nacional. Por mais desagradável que seja o tratamento supostamente dispensado aos brasileiros (e, se os relatos forem verdadeiros, é realmente um tratamento indigno, sub-humano, humilhante, lastimável e que só manchará a reputação da Espanha), mesmo assim é praticado no exercício da soberania, sem que se devam explicações internacionalmente. A Espanha não deve satisfações a ninguém por sua forma de proceder neste tema, ainda quando extremamente inadequada. Soberania é exatamente isso, e um dos dogmas do Direito internacional é que cabe somente ao Estado a decisão de quem deixar ingressar em seu território. Seria risível uma intimação do embaixador para vir se explicar ao Congresso, que não tem autoridade nenhuma sobre ele.

Naturalmente, essa intransponível, insindicável e soberana atuação da Espanha é justamente o que me preocupa, porque não há nenhuma autoridade a quem recorrer. Não há como submeter o caso a um juiz brasileiro ou espanhol, não há onde registrar uma reclamação efetiva, não há onde reclamar direitos ou buscar indenizações.

Recém-lidas:
Armageddon: the Alien Agenda #4 (fevereiro de 1992);
Justice League Quarterly #6 (fevereiro de 1992), segunda história, traduzida.

05 março 2008

Moisés e suas guloseimas ilícitas

Dêem uma olhada nisto:

Moses was high on drugs: Israeli researcher

Segundo esse pesquisador israelense, Moisés estava sob efeito de "guloseimas ilícitas" (para usar um termo que aprendi na MTV) quando desceu do monte Sinai com as Tábuas da Lei (que qualquer um que tenha visto Mel Brooks sabe que eram três, não duas, e que os mandamentos eram doze, não dez).

Como disse DanLS no Newsvine, "a guy went up onto a mountain alone, and when he came back he had carved stone tablets that he said were carved by God..... is anyone surprised he might've been on drugs?"

Vejam bem, o problema não estaria no Moisés. Acontece é que faz uns 2700 anos que tem muita gente seguindo o que ele supostamente escreveu... Já pensou? Um sistema jurídico inteiro baseado em uma viagem?

Até que a notícia não é tão ruim, comparada à corrente segundo a qual toda a história do Êxodo é mitologia.

De todo modo, mesmo que se confirme que Moisés não passaria no antidoping, não há razão para alarme. São comuns os casos de grandes obras compostas sob efeito de substâncias que induzem estados alterados de consciência. Alguns prováveis casos célebres são os álbuns da fase clássica do Genesis (Foxtrot, The Lamb Lies Down on Broadway), tudo do Pink Floyd até Dark Side of the Moon, Wish You Were Here e The Wall, as últimas músicas dos Beatles, toda a obra de Jimi Hendrix e do The Doors, Stairway to Heaven e, a bem da verdade, praticamente todo o rock de qualidade do fim dos anos 60 e início dos 70. Quer dizer, trata-se mais de um elogio do que de uma nódoa na reputação do líder hebreu. Se a hipótese estiver correta, ele estará em excelente companhia.

Recém-lidas:
Conan #16 (maio de 2005), traduzida;
The Sandman #35 (fevereiro de 1992), traduzida.

Retratação

Não, retratação não é o mesmo que tirar retrato.

Algumas vezes desde 2006, andei dizendo que jornalistas brasileiros não têm preparo. Permitam-me corrigir o que eu disse. O certo é dizer que alguns jornalistas brasileiros não têm preparo. Pelo menos duas das pessoas que mais admiro são jornalistas brasileiros e podem ter ficado magoadas com minha injustiça, que estou tentando reparar. De todo modo, os bons jornalistas não merecem o tratamento que lhes dei.

Editei os textos do belogue que, contra minha intenção, criticavam a categoria de modo excessivamente abrangente. Se alguém ainda encontrar alguma ofensa, por favor me avise, que eu tiro. Obrigado.

04 março 2008

Especialistas

Agora é assim: se cai um monomotor na Barra da Tijuca, automàticamente o delegado de polícia da Barra se torna especialista em combustíveis de aviação. Imediatamente, vemos outros especialistas discursando sobre o correto abastecimento de monomotores Cirrus com gasolina verde versus querosene. Vemos, também, especulações sobre os motivos que levaram o falecido proprietário da aeronave a concordar com um abastecimento feito com querosene. Ouvimos Fátima Bernardes pronunciar "QAV 1" como "QA - V1", indicando sua intimidade com a matéria.

Vemos, ainda, moradores da Barra da Tijuca (que compraram seus apartamentos VINTE ANOS DEPOIS de o aeroporto estar funcionando) virem dizer na televisão que OS AVIÕES PASSAM MUITO BAIXO ALI, NAS IMEDIAÇÕES DO AEROPORTO. E a dita depoente, indefectìvelmente, previsìvelmente, termina seu discurso revoltada, perguntando, "..., 'tendeu?".

Então é assim: eu vejo a pista, eu compro uma casa bem alinhada com a reta da pista, e depois reclamo que os aviões passam muito baixo quando estão subindo e descendo. Certo? Òbviamente, vão culpar a ANAC, a Infraero e o Lula. Sim, porque já há quem fale em culpar o frentista (aeroporto tem frentista?). Já vi gente no saite dO Globo imputando o acidente até à BR Distribuidora, embora a nota fiscal de fornecimento mostrada na televisão seja de outra empresa.

Como disse minha irmã: tem sempre que terminar a frase dizendo "..., 'tendeu?".

Recomendação de hoje: objetividade

Ontem, a caminho do trabalho, eu estava para descer do ônibus quando vi uma mulher aplicando rímel, espelhinho em punho, dentro do mesmo veículo. Sabemos que ônibus parados têm a incômoda tendência de entrarem em movimento com um arranco súbito. Lembrei-me daquele sujeito tentando fazer a barba enquanto a nave fazia um pouso forçado em Apertem os Cintos! O Piloto Sumiu... II.

Uma dica
Às vezes, na rotina diária, você precisa entrar em contato com atendentes que não são responsáveis pelo processo. Em 100% das vezes, essas pessoas não estão interessadas nos detalhes motivadores da sua necessidade e, na maioria das vezes (mas não todas), são pessoas burras. Trata-se de gente que não entende como funciona o processo, não tem domínio dele nem decidirá nada. Estão ali apenas para tomar dados e registrar seu pedido em uma tarefa roboticamente chapliniana, e qualquer informação será descartada se não estiver prevista pelo formulário que preenchem. Se você lhes fizer alguma pergunta, a resposta será um invariável "não sei".

Então, você tem que ser o mais objetivo possível, especificando exatamente o que quer, sem ambigüidades, justificativas ou digressões. Se fizerem perguntas, responda do modo mais lacônico: "sim", "não", data exata, nome exato, endereço etc.

Vou lhe dar um exemplo. Um colega meu tinha exame médico marcado para hoje. Meia hora antes, descobriu que havia esquecido a carteirinha do plano de saúde e percebeu que não seria atendido. Imediatamente, telefonou para remarcar. Mencionou o esquecimento para justificar a necessidade de remarcação. É aí que digo: para quem está no outro lado da linha, é irrelevante o motivo. Então, ele gastou tempo à toa, próprio e alheio: não deveria ter se esforçado para esclarecer o motivo, que não foi perguntado; bastava apenas pedir para remarcar.

Recém-lidas:
The Sandman #34 (janeiro de 1992), traduzida;
Armageddon: the Alien Agenda #3 (janeiro de 1992).

02 março 2008

O princípio de Lavoisier aplicado aos quadrinhos

Esta entrada no belogue é mais para documentar para mim mesmo do que por outra razão qualquer.

Adventures of Superman Annual #3 (1991)
Esta edição faz parte do crossover Armageddon 2001 e, como tal, acontece em um futuro alternativo. Lady Maxima, governante de Almerac, está sendo compelida pelos sábios a se casar. Como ela não escolheu um consorte, a lei exige que eles o façam por ela. O escolhido é o Príncipe De'Cine, que ela rejeita, preferindo casar-se com o Super-homem. Para isso, ela vai procurá-lo na Terra.

Se a história lhe parece familiar, é porque é. Esse foi exatamente o roteiro básico visto em Green Lantern #45, que já comentei aqui.

Recém-lidos:
Armageddon: the Alien Agenda #2 (dezembro de 1991);
Batman: Master of the Future (1992) traduzido.