Conforme é do seu conhecimento, estou lendo quadrinhos antigos da DC. Duas edições que li há pouco são Superman #132 (outubro de 1959) e #141 (novembro de 1960), republicadas em Superman 70 anos #1: as grandes aventuras do Superman (setembro de 2008).
Eu julgava que, durante a Era de Prata (1956-aprox. 1970), não houvesse muitas histórias ambientadas em Krypton. Descobri que provavelmente estava enganado. Superman #132 apresenta a vida alternativa que Kal-El teria tido se aquele planeta não houvesse explodido; e, em Superman #141, uma viagem no tempo leva o Super-homem a viver nos últimos dias de seu mundo natal.
Eu julgava que, durante a Era de Prata (1956-aprox. 1970), não houvesse muitas histórias ambientadas em Krypton. Descobri que provavelmente estava enganado. Superman #132 apresenta a vida alternativa que Kal-El teria tido se aquele planeta não houvesse explodido; e, em Superman #141, uma viagem no tempo leva o Super-homem a viver nos últimos dias de seu mundo natal.
Quando John Byrne restabeleceu o Super-homem em 1986 e em particular nas minisséries Man of Steel e The World of Krypton, ele representou Krypton de uma forma bastante inovadora, que é a oficial desde então: um planeta árido, com grandes extensões inóspitas entre cidades feitas de torres de vidro. A tecnologia supria todas as necessidades dos habitantes, que podiam dedicar-se à Filosofia, Artes e Ciências como naquele ideal grego reproduzido no episódio “The Cloud Minders”, de Jornada nas Estrelas. Ao mesmo tempo, esses habitantes haviam se tornado pessoas tão estéreis quanto seu planeta. Seguindo o mesmo padrão dos vulcanos, os kryptonianos foram retratados como racionalistas reclusos organizados em clãs, restringindo ao mínimo o contato entre si e a nada o contato com a Natureza, e mantendo costumes anacrônicos com uma devoção religiosa.
Eu já sabia que essa representação diferia bastante de tudo que viera antes, mas não imaginava seu radicalismo. Nas edições de 1959 e 1960, Krypton é uma repetição da idéia, que então se fazia, do que viria a ser a América do futuro. Tal como em tantas histórias de ficção científica barata do período, o planeta de Kal-El era uma versão futurista da pujante e deslumbrada sociedade americana do pós-guerra, onde os recursos pareciam ilimitados e o progresso, destinado a continuar melhorando a vida e sustentando a estrutura social vigente. Tudo continuaria sendo feito como era, apenas com mais conforto.
Assim, a família kryptoniana era constituída pelo Pai, que ia trabalhar de manhã e voltava à noite com sua pastinha; pela Mãe, dirigindo o trabalho dos robôs domésticos; e pelos 2.3 filhos, freqüentadores da escola e acompanhados de seu cãozinho. Os homens e crianças vestiam aqueles trajes típicos de quadrinhos futuristas da época, com peças monocromáticas de cores berrantes: p.ex. camisa amarela, calça vermelha, mangas verdes e um triângulo azul no peito; e sempre aquele arco em volta de cada ombro. E botas, claro. As mulheres usavam sempre penteados, vestidos caros e brincos discretos, todos conforme a moda dos anos 50.
Exceto por algumas curvas bizarras, os edifícios e suas funções eram iguais aos das cidades da Terra. As atividades econômicas eram aquelas de maior prestígio ao tempo do Presidente Eisenhower: tudo que envolvesse a Engenharia, motor do progresso continuado. A escola baseava-se no mesmo paternalismo que conhecemos, com turmas de obedientes escoteiros repetindo as técnicas expostas em quadros-de-giz por seus doutrinadores, sem pensamento crítico. Jor-El era cientista em uma base de mísseis (e eu pergunto por que Krypton teria uma base de mísseis, já que as guerras estavam abolidas e a tecnologia espacial era incipiente).
Quando o Super-homem chegou a Krypton em Superman #141, deparou-se com uma filmagem de ficção científica local, onde o diretor, as câmeras e a técnica eram idênticos aos estereótipos de Hollywood. As poucas diferenças em relação ao mundo do leitor eram apenas as mesmas extrapolações tecnológicas de sempre: carros voadores, comida em pílulas, materiais inquebráveis; e alguns exotismos alienígenas, como vulcões jorrando ouro e animais que comiam metal. O trabalho da dona-de-casa era diminuído por uma cozinha onde bastaria apertar um botão e a comida viria pronta da parede — mas não de graça.
De certo modo, esse cenário ingênuo era inevitável. Na sociedade americana do início dos anos 60, a DC não teria conseguido vender quadrinhos que não tranqüilizassem o jovem leitor espelhando o mesmo referencial que ele tinha à sua volta. Não poderia estimular a imaginação para fora do ideal positivista necessário a se construir uma América dominadora onde se valorizava o conhecimento técnico. Além disso, quadrinhos eram considerados uma leitura exclusivamente infantil, que não poderia provocar questionamentos sobre a sociedade que retratavam, sob pena de trazer sobre si os aldeões com suas tochas e forcados. Ideològicamente, as histórias de super-heróis tinham que inserir-se no processo pedagógico validando a estrutura social desde cedo ao demonstrar seu triunfo em um mundo seguro onde todos seriam felizes e super-heróis benfeitores poderiam voar.
***
Ao ler histórias de super-heróis dos anos 50 e 60, minha primeira reação foi de tédio. Por tanto tempo eu as quisera ler, idealizando-as por não conhecê-las, mas, finalmente me deparando com elas, a ilusão desfez-se em desapontamento. Apesar disso, comecei a analisar sua estrutura e descobri um discurso subjacente à ação e ao suspense: os vilões eram pessoas maliciosas com planos de subverter a ordem, ora cometendo crimes patrimoniais, ora dominando uma população, ora espionando segredos militares. Os heróis atuavam no sentido de proteger essa ordem, interrompendo atos criminosos e entregando os malfeitores às autoridades. Em nenhum momento essas autoridades eram questionadas, nem os superpoderes eram empregados de forma a desrespeitá-las.
Portanto, não é de espantar que o público tenha sido sacudido de seu entorpecimento quando, em 1970, Dennis O’Neil lançou uma seqüência de histórias onde o Lanterna e o Arqueiro Verde percorriam os Estados Unidos revelando injustiças que aquela nação preferia não enxergar. Racismo, miséria, poluição, superpopulação, drogas e pedofilia, tudo isso foi apontado em meia dúzia de edições da revista Green Lantern que, até hoje, são lembradas como clássicas. Ali se discutia como, ao manter a Ordem, o Lanterna Verde contrariava a Justiça, em um debate que a Filosofia do Direito propõe desde Aristóteles, ou mesmo antes.
Para a maioria dos comentadores na Web, o fim dos anos 60 marca o começo da Era de Bronze dos quadrinhos, que, para a minoria (eu incluído), melhor deveria ser chamada de segunda metade da Era de Prata. O momento já era outro: a sociedade americana tinha sido confrontada com sua segregação racial, tinha visto os assassinatos de Kennedy e Martin Luther King e pedia o fim do massacre de seus filhos no Vietnã; as feministas queimavam sutiãs; e a fumaça de Woodstock desafiava o sistema. Os quadrinhos, sempre fruto de sua época, tornavam-se mais um canal de questionamento, incorporando um realismo agressivo que se maximizaria no cinzento final dos anos 80.
Eu já sabia que essa representação diferia bastante de tudo que viera antes, mas não imaginava seu radicalismo. Nas edições de 1959 e 1960, Krypton é uma repetição da idéia, que então se fazia, do que viria a ser a América do futuro. Tal como em tantas histórias de ficção científica barata do período, o planeta de Kal-El era uma versão futurista da pujante e deslumbrada sociedade americana do pós-guerra, onde os recursos pareciam ilimitados e o progresso, destinado a continuar melhorando a vida e sustentando a estrutura social vigente. Tudo continuaria sendo feito como era, apenas com mais conforto.
Assim, a família kryptoniana era constituída pelo Pai, que ia trabalhar de manhã e voltava à noite com sua pastinha; pela Mãe, dirigindo o trabalho dos robôs domésticos; e pelos 2.3 filhos, freqüentadores da escola e acompanhados de seu cãozinho. Os homens e crianças vestiam aqueles trajes típicos de quadrinhos futuristas da época, com peças monocromáticas de cores berrantes: p.ex. camisa amarela, calça vermelha, mangas verdes e um triângulo azul no peito; e sempre aquele arco em volta de cada ombro. E botas, claro. As mulheres usavam sempre penteados, vestidos caros e brincos discretos, todos conforme a moda dos anos 50.
Exceto por algumas curvas bizarras, os edifícios e suas funções eram iguais aos das cidades da Terra. As atividades econômicas eram aquelas de maior prestígio ao tempo do Presidente Eisenhower: tudo que envolvesse a Engenharia, motor do progresso continuado. A escola baseava-se no mesmo paternalismo que conhecemos, com turmas de obedientes escoteiros repetindo as técnicas expostas em quadros-de-giz por seus doutrinadores, sem pensamento crítico. Jor-El era cientista em uma base de mísseis (e eu pergunto por que Krypton teria uma base de mísseis, já que as guerras estavam abolidas e a tecnologia espacial era incipiente).
Quando o Super-homem chegou a Krypton em Superman #141, deparou-se com uma filmagem de ficção científica local, onde o diretor, as câmeras e a técnica eram idênticos aos estereótipos de Hollywood. As poucas diferenças em relação ao mundo do leitor eram apenas as mesmas extrapolações tecnológicas de sempre: carros voadores, comida em pílulas, materiais inquebráveis; e alguns exotismos alienígenas, como vulcões jorrando ouro e animais que comiam metal. O trabalho da dona-de-casa era diminuído por uma cozinha onde bastaria apertar um botão e a comida viria pronta da parede — mas não de graça.
De certo modo, esse cenário ingênuo era inevitável. Na sociedade americana do início dos anos 60, a DC não teria conseguido vender quadrinhos que não tranqüilizassem o jovem leitor espelhando o mesmo referencial que ele tinha à sua volta. Não poderia estimular a imaginação para fora do ideal positivista necessário a se construir uma América dominadora onde se valorizava o conhecimento técnico. Além disso, quadrinhos eram considerados uma leitura exclusivamente infantil, que não poderia provocar questionamentos sobre a sociedade que retratavam, sob pena de trazer sobre si os aldeões com suas tochas e forcados. Ideològicamente, as histórias de super-heróis tinham que inserir-se no processo pedagógico validando a estrutura social desde cedo ao demonstrar seu triunfo em um mundo seguro onde todos seriam felizes e super-heróis benfeitores poderiam voar.
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Ao ler histórias de super-heróis dos anos 50 e 60, minha primeira reação foi de tédio. Por tanto tempo eu as quisera ler, idealizando-as por não conhecê-las, mas, finalmente me deparando com elas, a ilusão desfez-se em desapontamento. Apesar disso, comecei a analisar sua estrutura e descobri um discurso subjacente à ação e ao suspense: os vilões eram pessoas maliciosas com planos de subverter a ordem, ora cometendo crimes patrimoniais, ora dominando uma população, ora espionando segredos militares. Os heróis atuavam no sentido de proteger essa ordem, interrompendo atos criminosos e entregando os malfeitores às autoridades. Em nenhum momento essas autoridades eram questionadas, nem os superpoderes eram empregados de forma a desrespeitá-las.
Portanto, não é de espantar que o público tenha sido sacudido de seu entorpecimento quando, em 1970, Dennis O’Neil lançou uma seqüência de histórias onde o Lanterna e o Arqueiro Verde percorriam os Estados Unidos revelando injustiças que aquela nação preferia não enxergar. Racismo, miséria, poluição, superpopulação, drogas e pedofilia, tudo isso foi apontado em meia dúzia de edições da revista Green Lantern que, até hoje, são lembradas como clássicas. Ali se discutia como, ao manter a Ordem, o Lanterna Verde contrariava a Justiça, em um debate que a Filosofia do Direito propõe desde Aristóteles, ou mesmo antes.
Para a maioria dos comentadores na Web, o fim dos anos 60 marca o começo da Era de Bronze dos quadrinhos, que, para a minoria (eu incluído), melhor deveria ser chamada de segunda metade da Era de Prata. O momento já era outro: a sociedade americana tinha sido confrontada com sua segregação racial, tinha visto os assassinatos de Kennedy e Martin Luther King e pedia o fim do massacre de seus filhos no Vietnã; as feministas queimavam sutiãs; e a fumaça de Woodstock desafiava o sistema. Os quadrinhos, sempre fruto de sua época, tornavam-se mais um canal de questionamento, incorporando um realismo agressivo que se maximizaria no cinzento final dos anos 80.
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E a você sugiro este vídeo, que demonstra do que a criatividade ainda é capaz na Web. Por favor, não redimensione a tela! É um filme bobinho, mas deixou-me intrigado: como é que fizeram? Acho que foi com um pouquinho só de programação em Java (ou algum script similar). Considerando que o vídeo deve rodar em plataformas Linux e Mac tanto quanto em Windows, imagino que nem passe pelas DLLs.
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