03 janeiro 2008

Se eu tivesse um dia para viver, eu lhe diria isto

Você sabe o turbilhão que é conduzir uma vida moderna de classe média. Empregos, prazos, contas a pagar, aplicações financeiras, compromissos, escola dos filhos, médico, reunião de condomínio. Gastamos tempo demais em tarefas minúsculas, cada uma das quais não tem a menor importância.

Então, de vez em quando, você lê algum poema, ou a carta final de alguém que está morrendo de câncer, ou aqueles conselhos atribuídos a Jorge Luis Borges. São unânimes: sempre dizem que leriam menos email, que telefonariam menos para o gerente do banco, que se preocupariam menos com prazos e com as notas na escola.

É claro que eu não faria nenhuma dessas coisas se soubesse que fosse morrer, digamos, amanhã. Só que há um detalhe que esses textos omitem: se você realmente fosse levar sua vida como sugerem, ela logo se transformaria em um pequeno inferno. Se você não escovar os dentes todos os dias, terá cáries e sofrerá dores. Se você não fizer seu orçamento mensal, pode gastar mais do que pode, seu dinheiro vai acabar e você não vai poder fazer aquela viagem dos sonhos. Se você não se preocupar com seu desempenho acadêmico, não vai se qualificar, sua vida terá mais obstáculos e você não vai conseguir conforto na vida nem fazer o de que gosta. Se você não prestar atenção ao que come, vai enfartar ou ter um derrame, e sua vida vai ser bem mais curta e menos feliz. Se você não for votar, não vai conseguir passaporte para visitar sua família na Europa.

Olho para trás e percebo: tudo que tenho de bom na vida decorreu de esforço e raciocínio. Tudo veio de escolhas deliberadas e da insistência em determinados cuidados: pesquisa demorada, noites sem dormir, cumprimento de prazos, segurança da informação (tanto sua guarda para não perder quanto seu sigilo), atenção aos detalhes e disciplina.

Para aquelas pessoas darem aqueles conselhos, é que já viveram o suficiente para apreciar os erros e acertos de seus atos. Mesmo assim, não perceberam que a extensão de suas vidas, a instrução que tiveram para aproveitá-las e o conforto que tiveram, tudo isso decorreu dos cuidados que, sim, são desagradáveis, mas são necessários. A crítica só é possível porque praticaram aquilo que criticam. Não chego ao ponto de dizer que sejam hipócritas (para isso, seria preciso terem má fé, o que não vejo), mas talvez estejam sendo inconseqüentes.

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