No blog do Leandro Martins Pinto, há destaque para um filminho do YouTube sobre céticos, que muito me agradou. Suponho que eu esteja no mesmo lado dele em sua cruzada contra o fundamentalismo que assola a humanidade, com a diferença de que já me considero derrotado. Apesar disso, por causa disso ou apenas por uma diferença de enfoque, tenho-me por mais útil quando tento aperfeiçoar nossa argumentação imaginando como será estar no outro lado da cerca. Com isso, procuro identificar pontos fracos em nossa retórica, pequenas e insidiosas falhas que podem comprometer a solidez de nosso raciocínio. Tendo isso em mente, analisei o filminho e cheguei a algumas conclusões.
Existe uma falácia ali, só que bem sutil, bem profunda e bem fundamental, no cerne do vídeo mesmo. Várias personalidades são apresentadas como modelos, certo? Pessoas de alta credibilidade, acadêmicos, ativistas, pessoas preocupadas com o bem da humanidade, toda aquela melação.
Acontece que são todos céticos, cientistas ou artistas. Ora, esse é justamente o tipo de gente que os fundamentalistas abominam. É neles que põem a culpa dos males da humanidade, "são os cientistas que nos afastam de Deus", sempre em busca do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, pretendendo substituir o Criador e, com isso, trazendo poluição, radiação e sapos com duas cabeças. De seu lado, esse povo do entretenimento são todos uns depravados... Vocês entendem o panorama. Quer dizer, as pessoas que trariam credibilidade à causa não servem, porque, já na origem, estão defeituosas por causa do próprio ceticismo.
Seu argumento demonstrativo é baseado na seguinte lógica:
1. estas pessoas são benfeitoras;
2. estas pessoas são atéias;
3. logo, é possível que ateus sejam benfeitores.
Com essa argumentação, você precisa de uma coisa: que o Leitor concorde com a primeira premissa. Você traz a segunda como choque e leva à conclusão que você quer. O problema está JUSTAMENTE na primeira premissa, da qual você quer que o Leitor parta. Para o fundamentalista, há uma irrelevância aí. Se a segunda premissa realmente for uma novidade, ele automaticamente passa a considerar a primeira como falsa, antes de passar à conclusão. Se a segunda premissa não for novidade, bem, então nunca houve a primeira. Com isso, o argumento é indemonstrável.
Mas, claro, o público alvo são os moderados. É IMPOSSÍVEL dialogar com um radical sobre QUALQUER assunto. Se o cara já é um radical, se já se fechou, então ele nem começaria a ver o vídeo mesmo. Tudo atua no sentido de reforçar sua tese.
O radical vai deixando de ser um radical, aos pouquinhos, quando ELE MESMO se PERMITE ser assaltado por uma dúvida, que nasce sozinha, no âmago dele, contra a vontade dele mas de modo inevitável e tal que ele não tem como esconder de si mesmo. Mas, aí, um dia ele morre e tem que começar tudo de novo em outra vida...
A respeito de radicalismo, recomendo um livrinho muito interessante que li há umas semanas, Contra o fanatismo, de Amós Oz (não, o Submarino nem sabe que pus esse link aí). Trata-se da transcrição de três palestras proferidas pelo Autor na Alemanha -- aquela terra onde nada falta, as pessoas não cospem na rua e eles acham, por extensão, que o resto da humanidade não tem problemas, ou não existe.
Oz tem algum crédito junto a mim por causa de um fato central (supondo, claro, que seja verídico): lutou nas Guerras dos Seis Dias e do Yom Kippur e, 31 anos depois, é um ativista contra a guerra. Only Nixon could go to China, como diria um ancestral meu. Além disso, ele admite, abertamente, que lutaria por seu país novamente se julgasse isso necessário.
O cerne da tese do Autor é o seguinte: você precisa fazer compromissos na vida. No caso dele, em particular, o compromisso será a respeito da Palestina, mas a tese não é somente para esse caso. Ele reconhece como certo que a solução de uma lide não vá ser agradável para qualquer das partes. Ao contrário: a situação posterior deve ser muito dolorosa, com ambos abrindo mão de coisas que lhes eram muito caras. A concessão que ele também faz é que ninguém tem que gostar da solução do conflito, nem se espera que vá gostar. O que é necessário é aprender a CONVIVER. Ele reconhece que é pedir muito e é por isso que não defende mais, nem parece pretender fazê-lo. Então, o caminho da cura para o radicalismo passaria por uma aceitação do outro, não por uma concordância com o outro.
Engraçado. Olhando de maneira tão simplificada, não é diferente da idéia básica de Jornada nas Estrelas.
31 agosto 2006
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